Russ Grandinetti fala sobre Amazon, Kindle e Brasil
PublishNews, Iona Teixeira Stevens, 15/08/2012
Na Bienal do Livro, vice-presidente da varejista americana foi destaque do dia Digital

Para os que esperavam um cara arrogante e ameaçador, Russ Grandinetti desapontou. Super simpático e aberto, o vice-presidente da Amazon conseguiu fazer uma apresentação interessante e sair pela tangente das polêmicas que envolvem sua empresa no dia digital da Bienal de São Paulo, na última sexta. Em uma sala lotada, Russ contou a história da Amazon e de sua menina dos olhos, o Kindle, já avisando desde o início da palestra que não falaria sobre detalhes dos planos da Amazon no Brasil.

Russ apontou dois elementos-chave para o sucesso da Amazon: primeiro, o “consumidorcentrismo” da empresa. “O objetivo da Amazon é ser a empresa mais centrada no consumidor do mundo; ajudar pessoas a achar qualquer coisa que quiserem online”, disse o VP, que logo brincou com a declaração: “Eu sou de Nova York, eu sou muito cínico, se alguém disser isso pra mim, eu vou achar que é marketing. Mas na internet as pessoas têm mais opções – é como a gravidade.”

O segundo elemento é visão de longo prazo. “Não tomamos decisões para hoje, pensamos 5, 6, 10 anos lá na frente. Isso nos ajudou a ter coragem para inventar o livro digital.”

Russ então se perguntou: por que reinventar o livro? “Porque a tecnologia tornou isso possível. A internet e os aparelhos conectados no mundo inteiro também tornaram isso possível. Uma maneira negativa de olhar isso é: se não tivéssemos feito isso, outros teriam”, disse o vice-presidente, provavelmente em sutil referência à Apple.

Sobre a invenção do Kindle, ele contou que "normalmente não focamos nos competidores, mas nesse caso tomamos o livro como competidor. Pensamos: o que o torna tão especial? Ele é fácil de manusear, baixo custo, bateria ‘muuuuito’ durável etc. Então partimos daí. Tivemos também o compromisso de fazer o investimento necessário, para ter a tecnologia certa. E como no basquete, onde você tem que aprender a driblar com a mão esquerda, é uma característica nossa não pensar naquilo em que somos bons, mas sim naquilo que os consumidores vão precisar daqui a alguns anos”. Para a Amazon, o livro consiste em “uma série de palavras que atravessam seus olhos para o seu cérebro” e o objetivo final da empresa é ter todos os livros do mundo em todas as línguas disponíveis em menos de 60 segundos.

Ao mostrar o primeiro modelo lançado, Russ Grandinetti brincou: “Eu vou te contar um segredo, este Kindle é um pouco feio.” Mas funcionou, segundo ele, porque não é apenas um objeto, mas sim um serviço, com características inovadoras, como 3G grátis, que foi novidade na época, sem contratos planos de dados, leitura fácil etc.

Russ passou então a falar sobre a revolução digital iniciada pelo Kindle, e a mudança de velocidade que ele trouxe ao mercado editorial, que levava cerca de 18 meses para publicar uma história: “Eu acho que os editores brasileiros deveriam publicar sobre o desempenho dos atletas brasileiros nas olimpíadas semana que vem, porque mais tarde todos terão esquecido”.

Russ afirmou também que os usuários do Kindle passam a comprar 3,3 vezes mais livros no primeiro ano com o aparelho, e que isso é um padrão que se repete em todos os países: “Não tem como isso ser uma mudança de demanda. É um aumento de demanda”. Em mais uma alfinetadinha irônica, Russ mostrou um slide com um cabo da Apple: “Cortamos o cabo para as pessoas, ninguém precisa mais de cabos”.

Chegada a hora das perguntas, Russ se mostrou um diplomata nato. Ao falar de expansão global da empresa, ele falou do dilema ‘livros locais versus livros em língua inglesa’. “Vemos crescimento nas vendas de livros [locais] nos países onde chegamos. Por outro lado, livros em língua inglesa vendem mundialmente, e há um aumento ano a ano na venda destes títulos.” Além disso, a expansão ajuda as vendas de títulos em outras línguas nos Estados Unidos, e ele espera que o mesmo aconteça com o Brasil. “Esperamos que possamos ajudá-los a alcançar lusófonos no mundo inteiro, não apenas no Moçambique, Angola etc.”

No tema ebooks, foi interessante ver a visão da Amazon sobre a precificação do livro digital. “A única coisa que nós temos uma opinião muito forte a respeito é que o ebook deveria custar menos que o livro impresso”, afirmou Russ, que disse também que os consumidores se sentem ofendidos quando vêem um ebook cujo preço é igual ao do livro impresso.

A Amazon se vê também como uma combatente da pirataria de ebook por oferecer um sistema simples e eficaz para a compra de livros digitais. “Uma das coisas mais perigosas que nós podemos fazer é não oferecer a melhor experiência de leitura, fazer com que a pessoa pense duas vezes antes de baixar o livro. Eu sinto um certo orgulho em contribuir para a luta contra a pirataria”, afirmou Grandinetti.

Ele entende também o receio que existe em torno do livro digital: “O negócio digital é a maior mudança que nós veremos no mercado editorial, então as pessoas querem ir devagar. A minha preocupação é com o dilema livros versus games, twitter, filmes, etc.” E brincou: “Livro digital é o seguinte: são oito e meia, numa noite de terça-feira, eu ainda tenho duas horas sem nada pra fazer antes de ir dormir. Eu vou assistir um filme, ler um livro ou jogar Angry Birds? O mercado do livro digital é isso, e eu acho perigoso achar que não.”

Russ falou também sobre DRM: “Essa coisa de ‘Amazon impõe DRM’ é um mito que persistiu por muito tempo.” Segundo o executivo, na verdade, são as editoras que não deixavam seus livros serem colocados à venda no site sem DRM.

E não esperem um Kindle de graça num futuro próximo, essa foi a mensagem clara de Russ: “Eu sou muito cético em relação à ideia de um aparelho gratuito. Nós trabalhamos muito para reduzir os custos, de forma a poder oferecer um Kindle a US$ 79. Eu não ficaria esperando o Kindle gratuito”.

Sobre o Brasil, Russ está otimista, pois “os desafios que vamos enfrentar aqui não são muito diferentes dos que outras companhias enfrentam quando vêm para cá. O negócio do livro aqui é quase único, eu não conheço nenhum país que tenha escrito na sua constituição que livros não devem ser taxados para serem mais acessíveis.[...] Além disso, eu observo no público a quantidade de tablets e smartphones, é uma sociedade muito conectada”.

Em resposta ao questionamento sobre a relação agressiva que a empresa tem com os editores, e como isso se dará no Brasil, Russ insistiu que não é como dizem. “Nós temos muito em comum com os editores; nossos negócios estão bastante alinhados. Claro que, para a mídia, é mais interessante ler sobre as discordâncias. Eu acredito que tudo está acontecendo de forma muito ordenada. Alguns deles [os editores americanos] estão tendo seus anos mais rentáveis”, contou o vice-presidente. E completou: “Mesmo se as pessoas dizem que negociamos de forma agressiva, se chegamos a um acordo, nós mantemos o acordo. Além disso, respeitamos o autor e as leis. Sucesso para nós não é uma questão de desconto, isso é uma visão muito simplista.”

Num tom mais leve, alguém pergunta o que ele está lendo no seu Kindle. Russ falou brincando, em português, “Cinquenta tons de cinza”, com um sotaque decente. Por último, o mediador lembrou da frase de Jeff Bezos – “Quero ir à Lua, e ao Brasil” – e perguntou quando vão abrir a Amazon a filial lunar. “Pois é, estava pensando aqui”, respondeu Russ, “essa história de ter todos os livros do mundo disponíveis em 60 segundos pode não ser suficiente”.

Não deu para ir no dia D da Bienal? A Publishnews TV esteve presente e traz agora os pontos altos desse dia, marcado por apresentações de grandes players do mercado do livro digital. Entre os destaques dos vídeos, estão as mesas mediadas por Carlo Carrenho com o CEO do Copia Andrew Lowinger e o vice-presidente da Amazon Russ Grandinetti. O diretor-superintendente da Livraria Saraiva, Marcílio Pousada, que participou do Dia D, também falou à PublishNews TV.

[15/08/2012 00:00:00]