Consulta pública da nova lei de direitos autorais vai até 31/8
PublishNews, Maria Fernanda Rodrigues, 20/08/2010
Entidades ligadas ao livro rejeitam proposta

A Lei de Direitos Autorais está para mudar e há tempos um assunto não gerava tanto debate. O Ministério da Cultura tem se reunido frequentemente com entidades de classe para ouvir propostas, mas faltou ao fórum realizado na última quarta-feira (18) pela Câmara Brasileira do Livro, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.

O texto da nova lei está disponível para consulta pública e até o dia 31 de agosto qualquer pessoa pode comentar e sugerir mudança. O tempo é curto, mas tem muita coisa em jogo e vale dar uma conferida, especialmente no artigo 46, o mais criticado no Fórum do Livro pelo Direito Autoral. Ele diz assim: “Não constitui ofensa aos direitos autorais a utilização de obras protegidas, dispensando-se, inclusive, a prévia e expressa autorização do titular e a necessidade de remuneração por parte de quem as utiliza (...)”.

A CBL está preocupada. “O diálogo de um ano e meio com o Minc estava indo bem, mas nada do que falamos foi contemplado no novo texto”, comentou a presidente Rosely Boschini. A entidade é favorável à modernização da Lei dos Direitos Autorais, mas contra qualquer flexibilização nos diretos dos autores. “Precisamos garantir o acesso ao livro não por meio de cópias, mas pela construção de bibliotecas”.

O debate reuniu o colombiano Fernando Zapata López, diretor do Cerlalc; o alemão Jens Bammel, secretário-geral da International Publishers Association (IPA); o norueguês Olav Stokkmo, CEO da International Federation of Reproduction Rights Organizations (IFRRO), o presidente da Comissão de Propriedade e Material da OAB José de Araújo Novaes Neto; e a agente literária Lúcia Riff, todos contrários às mudanças e considerando que sua aprovação será um grande retrocesso. A conversa foi mediada pelo advogado da Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), Dalton Spencer Morato.

Fernando Zapata López, diretor do Centro Regional para el Fomento del Libro en América Latina y Caribe (Cerlalc), comentou que desde a primeira lei de direitos autorais criada, na Inglaterra, elas apontam para a promoção do escritor e não ao desenvolvimento cultural do país. “É uma carga muito pesada para os autores terem que ser responsáveis pelo desenvolvimento cultural de um país. Autores fazem obras para viver delas”. Ele disse que o problema do texto proposto pelo MinC é a intensidade dessa limitação dos direitos do autor. “O Estado só pode ser soberano quando o assunto for a garantia do acesso de cegos a livros, por exemplo, ou quando o livro for usado para fins educativos”.

O secretário-geral da International Publishers Association (IPA), Jens Bammel, considera que a lei de direitos autorais “é um sucesso fantástico no mundo e uma ferramenta prática que permite uma maior bibliodiversidade”. Ele lembrou que ela foi criada em resposta à revolução de Gutenberg justamente porque os impressores estavam ficando ricos e os autores, pobres. Quanto ao momento vivido pelo Brasil, questionou: “São mudanças ideológicas ou estão mesmo querendo discutir a questão? Eles entendem o que os editores fazem e sabem qual é a contibuição de uma editora para a sociedade?”

Bammel comentou que a lista de exceções é muito grande, que não há compensação para os autores e que o governo não está interessado em soluções reais. No entanto, elogiou o que se faz aqui para garantir o acesso de pessoas com deficiência aos livros. “O Brasil é um fantástico exemplo sobre como esse problema pode ser resolvido”. Disse ainda que “a orientação da mudança é ideológica” e que “a formulação é deliberadamente vaga”. Por fim, comentou que com esse texto, o Brasil vai violar obrigações previstas em acordos internacionais. “Políticas governamentais podem ajudar a indústria do livro. Ou quebrá-la”, finalizou.

A agente literária Lúcia Riff, desde os anos 80 trabalhando com direitos autorais, disse que seus autores estão perdidos. “Há quem diga que não se importa com essa lei porque já não ganha nada de direitos autorais mesmo”, comentou. Sua preocupação é que na hora em que tudo estiver liberado para uso geral, editores, agentes e herdeiros vão ter que passar a vida dizendo que determinado texto não é do Drummond, do Verissimo ou do Quintana. Ela diz isso porque costuma receber pedidos de autorização para uso de textos literários creditados a autores que nunca escreveram aquilo e que cuida de desmentir tudo. Por esse artigo 46, ela não seria mais consultada e erros seriam propagados em peças de teatro ou em material publicitário, por exemplo. De acordo com Lúcia Riff, se não houver cuidado, “a cultura que vai estar disponibilizada será uma imbecilidade”.

O advogado José de Araújo Novais Neto, da OAB, falou sobre a situação em que o texto foi apresentado aos brasileiros. “De uma forma inexplicável, o MinC disponibilizou esse texto para consulta pública no dia em que começou a Copa do Mundo e o prazo se encerraria quando acabavam as férias escolares”. O prazo foi ampliado, mas ainda é considerado curto se comparado aos 12 anos gastos para preparar a lei atual. Ele disse que a nova lei submete o direito autoral ao direito do consumidor, e que uma coisa não tem a ver com a outra.

A lei do direito autoral, segundo ele, regula a defesa do autor e dos demais agentes da cadeia produtiva do livro e não deve ser relacionada à do consumidor, que já tem uma lei que garante os seus direitos. “Mesmo que se imagine que há uma boa intenção, a redação dá margem a outras interpretações e quanto mais exceções houver, maior será o perigo”, alerta. Ele finalizou dizendo que se o texto for aprovado, o autor será prejudicado e fragilizado.

O norueguês Olav Stokkmo brincou: “Não quero ser muito dramático, mas vocês terão alguns desafios pela frente”.

Esse é um lado da polêmica. Leia a iacute;ntegra da proposta do Ministério da Cultura e diga lá o que acha. Desde que foi colocado no ar, o texto já recebeu mais de 5.700 contribuições.
[20/08/2010 00:00:00]