“Prazerpadecimentocontínuo”
PublishNews, Fernando Alves *, 24/11/2009
Sobre Vinis mofados, de Ramon Mello

A leitura de Vinis mofados (Língua Geral, 96 pp., R$ 25), de Ramon Mello, poliu em mim uma ideia que trago cristalizada: a ideia de que existe um todo poético reservado a uns poucos que o tateiam com o cérebro e que detêm a forma certeira de o verter em versos. Em pedacinhos selecionados com cuidado.

Não se trata de uma tentativa de tornar esse todo poético acessível a qualquer leitor, mas de aliviar de si mesmo o peso-prazer de o suportar. Sem nenhum sentimento de superioridade ou arrogância. Nem lá nem cá. A nobreza da certeza ou a simplicidade da transparência dão o tom à poesia que absorvi.

Inspiração também não é, não. É suor mesmo. É o tal peso-prazer. Ramon sua bastante, e se despe, e se projeta. É um virtuoso numa arte que pode parecer fácil aos olhos do leitor qualquer, mas que, definitivamente, não é.

Ele implode-explode em poesia que fala de poesia, em erotismo e sensualidade, imaginando sempre mais fotográfica do que pictoricamente. Os pedacinhos que escolhe são dificílimos de lidar. E Ramon lida bem com eles... Ah, lida! Quem escreve “soletra os passos / para encontrar / caminhos” inscreve-se na primeira linha da poesia.

A ausência de pontuação dá ao leitor qualquer a liberdade da leitura, do ritmo – o verso é apenas um fio condutor, um elemento lúdico para a língua de quem o lê brincar à vontade. E, com isso, o leitor qualquer vai deixando sua qualificação qualquer para tornar-se o leitor único, singular, e fundir-se à poesia que Ramon edifica.

Esse leitor viaja no tempo, sabedor de que o ano de 2009 dos vinis mofados do poeta pode ser 1973 ou 1981. De verdade, retroaviaja, como eu, já saudoso do que acontece bem debaixo de meus olhos: “lembrar dá vontade de ser ilha voar”.

Aos vinis dessa antiguidade atual, desse passado presente, soma-se o mofo. E como nada nessa obra de Ramon Mello é vem de graça, a segunda palavra do título, mofados, é de botar no bolso e levar consigo na leitura dos poemas. Ou de botar atrás da orelha se as roupas já não marcarem presença.

Antigos e guardados são esses vinis mofados. E o mofo é precioso – ele permanece, verde-branco, sobre os sulcos da bolacha preta do vinil. O sulco percorrido pelos olhos-agulhas de quem então já é o leitor, o singular leitor privilegiado de Ramon.

ViniS mofadoS. Reduzo a marcha na pluralice titular: um conjunto, um mesmo grupo, um todo... eco daquele todo poético lá do primeiro parágrafo, que volta aqui para fechar essa resenha-recomendação: devolva-se a Ramon, lendo-o! “o que / de mim / deixei / em você / devolva / me”.

* Fernando Alves é produtor editorial e poeta e resenhou Vinis mofados especialmente para o PublishNews
[24/11/2009 01:00:00]