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Index Translationum: uma lacuna que pode ser irreparável
PublishNews, 25/03/2015
Unesco suspende Index Translationum, local onde se armazena a bibliografia mundial da tradução

Quando confirmei minha ida a Paris para o Salon do Livre, onde participaria de uma mesa-redonda sobre o Conexões Itaú Cultural – Mapeamento Internacional da literatura Brasileira e do lançamento do número 6 da Machado de Assis Magazine, imediatamente pensei em fazer uma visita à sede da UNESCO para conhecer melhor o Index Translationum, o local onde se armazena a bibliografia mundial da tradução. É um instrumento que tenho usado com certa frequência.

A Index Translationum é uma compilação, fornecida pelas bibliotecas nacionais dos países membros da UNESCO, das traduções publicadas anualmente nos respectivos países. A Biblioteca Nacional do Brasil, por exemplo, informa os títulos traduzidos e publicados aqui, de autores de todo o mundo, em todos os gêneros, e assim respectivamente. O Index completou 80 anos em 2012. Como tal, é mais antigo que a própria UNESCO, e durante décadas foi impresso anualmente em papel.

Em uma das minhas últimas consultas, verifiquei que a Biblioteca Nacional estava atrasada no envio de dados. Durante reunião no Rio de Janeiro relacionada com a Machado de Assis Magazine, mencionei o fato à Moema Salgado, diretora do Centro de Cooperação e Disseminação, que entrou em contato com Liana Amadeo, diretora do Centro de Processamento e Preservação, que providenciou o envio da atualização.

Quando minha viagem foi marcada, consegui agendar um encontro com Marius Tucaj, o responsável pelo Index, através de nossa representação junto à UNESCO. O Sr. Tucaj me respondeu com presteza, informando que o Index estava desativado, mas se prontificando em me receber. Desse modo, quando recebi o e-mail da Liana Amadeo me informando da suspensão, informada pela resposta recebida do Sr. Tucaj, já sabia da desgraça, mas estava com a reunião marcada e ciente do fato.

O Sr. Tucaj me recebeu em sua sala na bela sede da UNESCO, onde agora ele responde pela seção que analisa as demandas de registro do Patrimônio Imaterial, e me explicou o acontecido.

Segundo ele, a suspensão se deu diante de contingências orçamentárias, depois que os EUA suspenderam sua contribuição em protesto contra a aprovação do Tratado da Diversidade Cultural (o Brasil volta e meia atrasa também, mas sempre paga). Independente da situação da Unesco, os gringos sempre mostram seu desagrado com a aprovação de um instrumento que interfere – ou pode interferir – nos seus sagrados objetivos de impor comércio sem restrições, sua ambição de liquidar com cotas de cinema e outras miudezas do tipo.

A atualização do Index Translationum, como explicou o Sr. Tucaj, envolve uma série de tarefas complexas, além da insistência possível para que os países afiliados enviem os dados. O Líbano, por exemplo – ele me informou – é certamente o país árabe que mais publica traduções. Mas não coleta essa informação de modo sistemático, e sua biblioteca nacional simplesmente não envia informação nenhuma. Outros países também não enviam as informações. Alguns, por simples desorganização no funcionamento das respectivas bibliotecas.

Entretanto, a tarefa de maior complexidade envolve países que passaram a enviar seus dados, e em enorme quantidade: China, Rússia e Coreia do Sul.

Segundo o Sr. Tucaj, é estonteante o aumento das traduções publicadas nesses países, nos últimos anos.

Só que as informações chegam, obviamente, em caracteres chineses, no alfabeto cirílico e naquele alfabeto particular dos coreanos. Existem programas que fazem a transliteração para o alfabeto latino, que é o aceito pelo Banco de Dados da UNESCO. Entretanto, esses programas não são perfeitos e sempre exigem a intervenção de seres humanos para conferência, homogeneização e consistência dos dados. O Index usa regras padrões de transliteração próximas das normas do ISO, que são aplicadas substituindo cada grafema ou grupo de grafemas de diferentes sistemas de escrita com seus equivalentes no alfabeto latino, independentemente da pronúncia.

Desse modo, quem o consulta não encontrará a transcrição padrão para seu idioma do nome de um autor, por exemplo: Tchekhov (Francês), Chekhov (Inglês), Tschechow (Alemão), Chéjov (Espanhol) ou Czechow (Polonês). Achará apenas uma versão do nome - Cehov, correspondente à transliteração do nome russo do autor. No caso de autores bem conhecidos pode-se, entretanto, tentar usar a transcrição padrão do seu idioma para o nome. O banco de dados deverá ser capaz de reconhecer o pedido e levá-lo até a versão transliterada padrão.

É um desafio enorme.

O Sr. Tucaj me disse também que o Google digitalizou os antigos volumes impressos, mas não houve recursos para transformar essa digitalização em dados utilizáveis no sistema.

O Index Translationum é, assim, um gigantesco banco de dados de referência da movimentação internacional de traduções. Os mecanismos de pesquisa permitem a elaboração de vários modos de localizar autores, países, etc. Mais ainda: é importante entender que a UNESCO é a única instituição capaz de fazer esse trabalho. Se, com as afiliações institucionais de seus países, ainda existem falhas, essas certamente seriam quase insuperáveis caso qualquer outra instituição ousasse fazer projeto semelhante. O Sr. Tucaj informou que continua armazenando tudo que recebe nos servidores da UNESCO, mas sem condições de incluí-los no banco de dados. Evidentemente, com o passar do tempo, essa atualização vai se tornando cada vez mais difícil.

Trata-se de um projeto que comemoraria este ano seu 840 aniversário e vai para o ralo por conta de contingências financeiras.

Apesar da complexidade, certamente não é um projeto caro. Marius Tucaj me disse que em vários momentos, conseguiu que escolas de idiomas enviassem estagiários para desenvolver esse trabalho. E, com empenho, isso não seria difícil de conseguir.

Saí da conversa com o Sr. Tucaj disposto a tentar alguma coisa para que o Index volte a existir. O que primeiro me ocorreu foi expor com mais clareza o problema para nossa Embaixadora na UNESCO, Eliana Zugaib. Infelizmente, minha única tarde útil para isso em Paris foi precisamente a da visita à UNESCO, na sexta-feira dia 20, pois no domingo embarquei de volta ao Brasil. Tentarei via e-mail.

O saldo da visita foi, portanto, melancólico. Salvaram-se duas coisas. A primeira foi conhecer o Sr. Marius Tucaj, que continua velando pelo Index, guardando o que recebe, embora não tenha esperanças de que o banco de dados seja atualizado e reativado.

O segundo ponto positivo da visita foi a bela exposição sobre Machado de Assis em uma das salas da sede da organização internacional. Machado de Assis, le sorcier de Rio, com curadoria do professor Saulo Neiva, da Université Blaise Pascal, de Clermont-Ferrand, mapeado do Conexões Itaú Cultural.

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Agradeço comentários e sugestões através do blog www.oxisdoproblema.com.br

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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