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Impressão digital – Para o mercado trade
PublishNews, 27/08/2013
Impressão digital – Para o mercado trade

A utilização de processos de impressão digital para o setor educacional foi objeto de uma sessão de apresentações feitas pela HP, em S. Paulo, no último dia 15 de agosto. Algumas das consequências e possibilidades disso foram abordadas na coluna do dia 20 passado. Mas as questões que me interessavam mais de perto não haviam sido abordadas na ocasião, pois diziam respeito ao mercado trade, o dos livros de obras gerais. E continuava curioso para entender como essa equação de imprimir em S. Paulo e no Rio para distribuir pelo Brasil inteiro não era substituída pela impressão digital descentralizada, sob demanda, para entrega nas livrarias e distribuidoras dos outros estados, assim economizando tanto os custos de frete quanto os de armazenamento.

Consegui algumas das respostas que precisava – e entendi muito melhor o problema – depois de uma conversa com Maurício Ferreira, gerente do segmento HP Índigo & Inkjet Web Press da multinacional.

Não basta supor, é preciso deixar claro que a conversa mostra perspectivas da HP no Brasil. Certamente as concorrentes – Xerox, Ricoh, Canon, Océ e outras – terão visões diferenciadas sobre o mercado brasileiro e sobre a questão da impressão sob demanda, principalmente para o segmento dos livros gerais, com impressão de miolo em p&b e capa a cores. Como Maurício salientou, a estratégia da HP no Brasil se dirigiu primeiramente para o mercado de ponta – o educacional – no qual as tiragens são altas e a praticidade e a versatilidade da impressão digital são mais relevantes (ou menos cruciais) que o custo unitário.

Tal como no segmento didático, o uso de plataformas digitais, segundo Maurício Ferreira, exige uma profunda mudança de cultura empresarial. A grande questão não são simplesmente as máquinas, mas o modelo de negócios decorrente da impressão digital. Nem as gráficas tradicionais nem as editoras estão acostumadas a pensar nesse assunto, e o formato de negócios, formação de preço e administração do conteúdo são muito diferentes.

“Quando se pensa exclusivamente no preço por unidade” – diz Maurício – “o digital quase sempre perde. Ainda mais hoje e aqui no Brasil, onde as gráficas estão com equipamentos tradicionais depreciados – e as gráficas ainda endividadas – e o preço é jogado lá embaixo para colocar as impressoras para rodar”.

O importante é pensar no conjunto da cadeia produtiva, do custo editorial à manutenção e administração do estoque e dos fretes para entregar os livros por todo o país. Mas, se a maior produção em gráficas tradicionais está no Sudeste e Sul, também o consumo se concentra muito nessas regiões. As editoras acabam embutindo esses custos no preço total. Eu, pessoalmente, tenho a impressão que esse posicionamento acaba sendo um fator de encarecimento do preço de capa. Se o frete e os custos de administração altos estão embutidos nos preços e poderiam ser reduzidos, certamente o preço de capa será mais alto. O quanto? Não sei. E acho que ninguém sabe, pois duvido que essa sofisticação de cálculo de custos já esteja na cultura das editoras. Trata-se apenas de uma dedução lógica.

O modo tradicional dos editores para definir suas tiragens embute um problema insolúvel para a impressão tradicional e provoca uma ilusão. O assunto é discutido de modo bem criativo e exemplar em Livros Demais!, do Gabriel Zaid (Summus Editorial), que traduzi e já mencionei tantas vezes. Os editores normalmente calculam o custo de cada livro dividindo o dispêndio total pelo número de exemplares produzidos, e não pelo número de exemplares realmente vendidos. E isso pela simples razão de que este é um número conhecido, e o outro uma incógnita. (Zaid, capítulo “Em busca do leitor”, páginas 88 a 104 do livro mencionado). E o preço de venda é calculado pelo custo de produção, ignorando o custo e o risco do estoque. Aliás, existem editores que até hoje valorizam muito seus estoques, e até querem dá-lo como garantia de financiamentos bancários, como se algum banco fosse aceitar o que supostamente deve ainda ser vendido para pagar o empréstimo como a garantia oferecida!

Se todos os exemplares impressos fossem vendidos, o raciocínio dos editores estaria correto. Mas, como se sabe, isso é uma ilusão. Os editores pagam todos os custos editoriais e os custos de impressão adiantados (ou em um prazo muito curto), mas as vendas – salvo as proverbiais exceções dos best-sellers – se dão em um prazo muito mais longo. O sonho editorial seria, portanto, conhecer o tamanho exato da demanda de cada título, e desse modo todos os cálculos financeiros se tornariam mais exatos.

Só que não é assim que funciona, e as editoras vivem em uma permanente ciranda de apostas, desesperadas para encontrar o best-seller que compense as vendas fracas de outros títulos. O capital de giro fica comprometido, assim como a aposta em livros mais “arriscados”. De uma maneira ou outra, todas as editoras buscam produzir livros “que vendem”.

A impressão digital, sob demanda, permitiria, em tese, a diminuição desses riscos. Calculando os custos fixos e uma apreciação mais conservadora sobre as possíveis vendas, os cálculos se modificariam. Mas a maioria está ainda ancorada nessa situação tecnológica onde era imperativo imprimir uma quantidade relativamente grande de exemplares de cada título.

Mudar isso exigiria também uma mudança de mentalidade que está longe de se generalizar. As condições tecnológicas se transformaram – e continuam evoluindo em uma enorme velocidade – mas os procedimentos continuam ancorados nos processos antigos, e só pouco a pouco vão se modificando.

O ingresso da editoração no mundo digital irá, forçosamente, obrigar a essa mudança, que ocorre não apenas quando o conteúdo é apresentado no formato digital (e-books), mas também no formato tradicional da impressão em papel.

Segundo Maurício Ferreira, é necessário superar barreiras bem específicas.

Há editores que têm medo de que os conteúdos possam ser pirateados se os arquivos forem entregues às gráficas para impressão sob demanda. Mas, na verdade, as tecnologias de informação existentes permitem que o editor tenha controle total sobre o processo de produção, desde o momento em que o livro é encomendado em um portal na web, a encomenda é feita ao editor, e o livro entregue. O controle é muito maior, por exemplo, que o exercido nas chamadas vendas em consignação, que dependem da conferência dos estoques dos livreiros. Na entrega sob demanda, o livro na prateleira da livraria é praticamente uma amostra (é claro que, se o ritmo de vendas for rápido, se faz necessário ter estoques nas livrarias... e nos depósitos, talvez).

Perguntei ao Maurício se é realmente viável que as impressoras sob demanda produzam um exemplar por título. Segundo ele, trata-se apenas de administrar a fila de impressão para atender às diferenças de formato. As grandes rotativas digitais conseguem imprimir milhares de livros com conteúdo absolutamente individualizado, mas em formato único. Quando se imprime em vários formatos, os padrões de impressão (e de acabamento) devem ser preparados para isso. É uma questão de software para que a gráfica possa imprimir todos os pedidos (mesmo os de um só exemplar), reunidos em filas de impressão por formato. E programar inclusive os horários em que essa produção pode começar e terminar para cada formato. A correta administração das filas de impressão é uma solução muito utilizada. Porém, vale lembrar que existe sistemas completamente automatizados, em linha com os sistemas de impressão que se “auto ajustam” através do "job description" de cada livro a ser produzido. Administrar a impressão do conteúdo é simples: afinal, a impressão digital acaba sendo feita mesmo exemplar por exemplar.

Do ponto de vista da gráfica, os softwares existentes permitem não apenas que se tenham orçamentos preparados para cada faixa de tiragem, como também a administração das vantagens entre a impressão digital e a tradicional (as tiragens maiores continuam sendo mais baratas do modo tradicional, pelo menos por enquanto). Essa mesma tecnologia de informação permite que as editoras possam fazer orçamentos junto aos seus vários fornecedores usando essas combinações. “Em alguns casos isso pode até ser feito online. Em tempo real”, disse Maurício.

Segundo Maurício Ferreira, as “células de impressão digital” das gráficas devem operar sob uma filosofia comercial e de produção totalmente diferentes das usadas para as impressões tradicionais, no entanto os softwares podem integrar as vantagens e desvantagens relativas dentro da mesma gráfica (ou da mesma editora).

A HP baseou sua estratégia no Brasil no investimento no mercado educacional primeiro, pensando menos nas compras governamentais, e mais nas vendas para as escolas particulares e para os sistemas de ensino. Para esses segmentos, a personalização e a flexibilidade do digital são a chave. E é a partir desse segmento que a empresa pretende trabalhar os outros.

O grande número de editoras de obras gerais certamente tem muito a lucrar com o desenvolvimento de plataformas digitais, mas as já mencionadas caraterísticas da oferta de produtos gráficos e as dificuldades da cultura operacional tradicional fazem que essa adoção seja mais lenta.

Por essa razão, a estratégia da HP, para o próximo período, irá enfatizar e dar prioridade para o segmento de obras técnico-científicas, livros de arte e algumas áreas dos livros infantis com ilustrações. Segundo Maurício Ferreira, as máquinas da linha Indigo da HP têm qualidade similar à das rotativas e máquinas planas, e esse segmento é menos sensível aos problemas de custo direto de impressão. Afinal, livros de medicina são fartamente ilustrados e, apesar da demanda ser relativamente bem conhecida ano a ano, podem ser mais suscetíveis às vantagens das pequenas tiragens e impressão sob demanda.

Entretanto, a HP pretende investir na formação de grupos de parceiros gráficos nas capitais, com consultoria e soluções de negócio que lhes permitam concorrer e oferecer às editoras a possibilidade de impressão local que seja mais viável, considerando-se os custos diretos de frete até esses locais, pelo menos.

Estou atento para a evolução disso. Vamos ver no que dá.

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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