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No mundo das nuvens
PublishNews, 21/09/2011
No mundo das nuvens

Apesar dos relativamente pequenos hábitos quantitativos de leitura no Brasil, o livro eletrônico já começa a aparecer no cenário do consumo nacional, com crescente quantidade de leitores. Ressalte-se que pesquisa SNEL-CBL divulgada na Bienal do Livro do Rio de Janeiro aponta crescimento dos leitores, e o mercado da educação tem grande parcela desse saudável índice.

E o subitamente tão falado “cloud computing”? Assim como os ciclos contemporâneos, seu surgimento é repentino e intenso como um tsunami, e logo se aplica a nosso cotidiano, sem que saibamos de que forma. Vamos ver do que se trata, principalmente as suas primeiras implicações na nova relação do consumidor com o mercado editorial.

Falando em “computação da nuvem”, onde vamos armazenar a nossa nova biblioteca, a digital, que será exibida na tela do aparelho leitor (o “reader”), geralmente um “tablet” (uma simples placa, palavra que deriva do latim tabula)? Como viajar e levar na bagagem digital o guia turístico, dicionário, romance, algum livro técnico, o livro de sua religião, além de tirar fotos, filmar, mandar e-mails, e telefonar pelo skype?

As grandes empresas provedoras de conteúdo e serviços de redes sociais constataram que o armazenamento de dados em locais seguros, distantes do consumidor, mas acessíveis pela internet, facilitaria a vida de todos, já que a capacidade de reprodução e armazenamento de informação cresce em velocidade geométrica e os aparelhos decrescem de tamanho físico quase na mesma proporção. Daí que o volume oceânico de dados - p. ex. de Gmail ou Facebook - fica disponível em “armazéns” gigantescos, refrigerados e seguros (até hoje!), de modo a permitir o acesso rápido de qualquer local do planeta, pela internet.

E como se dá esse armazenamento no mundo dos livros eletrônicos? Para responder a essa pergunta pesquisei os contratos do KINDLE, leitor da Amazon, e do NOOK, leitor da Barnes & Noble, transcrevendo e analisando, agora, alguns itens significativos, seguidos de tradução livre para facilitar a compreensão.

Da leitura dos instrumentos – o primeiro com simples 6 folhas e o outro com 30 - vemos a primeira e significativa diferença da forma de aquisição e da vida do livro eletrônico em relação ao nosso querido volume de papel, e a nós leitores. Enquanto compramos um livro (suporte físico da obra, ou corpus mechanicum) que permanecerá em nossas vidas sem limite de tempo, no caso do livro eletrônico teremos a licença de leitura de conteúdo digital (“Digital Content is licensed, not sold, to you by the Content Provider”; tradução: Conteúdo Digital é licenciado, não vendido, para você pelo Provedor de Conteúdo), que poderá ser revogada (“non-exclusive, revocable license to make personal, non–commercial use...”; tradução, licença não exclusiva, revogável, para uso pessoal, não comercial, contrato do Nook).

Simples pesquisa que você pode fazer mostrará que a Amazon cancelou a licença, concedida a consumidores pagantes, de leitura de “1984”, de Orwell, por conta de não autorização da disponibilidade da obra para os leitores eletrônicos daquela “livraria”. A obra foi simplesmente deletada (aliás, deletar, delete, vem do latim delere, deletium, que significa destruir, assim como em Delenda Cartago!) da biblioteca situada nas nuvens. Acresçam-se a essa circunstância as da rápida obsolescência dos aparelhos, que faz toda uma geração eletrônica virar sucata em pouquíssimo tempo (fitas de vídeo-cassete, disquetes, TV de transistor, celular analógico), podendo inutilizar o conteúdo armazenado.

Então fica claro que o adquirente de um livro eletrônico terá a condição de licenciado, locatário, leitor temporário, já que a vida útil dos conglomerados, as suas freqüentes fusões e oscilações geram uma nova relação com o consumidor-leitor, bem diferente da estável e simples compra do livro físico. Não mais seremos proprietários do objeto físico livro, ficando inibidos, nesse caso, os sentidos de tato e olfato em relação à obra, mas possivelmente teremos a inclusão da audição mediante a incorporação, por exemplo, da voz do escritor, ou imagens do tema nos “enhanced books” (livros para leitores eletrônicos com acessórios visuais e sonoros que aparecem na tela, como os dos exemplos).

O conteúdo fica, então, armazenado na já correntemente chamada nuvem (“all Digital Content that you purchase in an online ‘library’ [is] hosted in our ‘cloud’ storage facility”, Nook; tradução, todo o conteúdo digital que você adquirir numa biblioteca on line [fica] hospedado na nossa nuvem de armazenamento). E a empresa afirma que, quando o consumidor se conectar, ela usará os “reasonable efforts” para permitir seu acesso a essa biblioteca, tão distante e tão próxima.

O contrato estipula que a licença concedida ao leitor é personalíssima, pois se destina unicamente ao uso do adquirente, que não poderá “sell, rent, lease, distribute, broadcast, sublicense, or otherwise assign any rights to the Digital Content or any portion of it to any third party...” (tradução, vender, alugar, distribuir, sublicenciar, ou transferir quaisquer direitos de Conteúdo Digital ou qualquer parte dele para qualquer terceiro) (contrato do Kindle).

É claro que a atual lei de direito autoral brasileira também proíbe xerocar um livro de papel para revenda, mas as condições de reprodutibilidade de um livro digital (se quebrado o código de segurança do arquivo, e os mini-gênios não tardarão a encontrar um atalho eletrônico) permitem rapidíssima difusão mundial do conteúdo (dust in the wind).

Destaco que a quebra do código de segurança, ou qualquer alteração do software, estão entre as restrições da licença concedida para uso e leitura do conteúdo digital conforme cláusula 2, “d”, do Contrato da Nook.

Vê-se, então, que o simples ato de aquisição de um livro eletrônico vem, hoje, com regras enormes, que causam um primeiro, e normal, espanto (quando comprei uma das primeiras fitas de vídeo-cassete no Brasil foram emitidas duas notas fiscais, uma referente à transmissão do conteúdo, um filme de Chaplin, e outra pela aquisição da própria fita). Logo esses hábitos estarão incorporados a sociedade, e não causarão estranheza.

No entanto, certas relações do mercado editorial mudarão. Destaco desde logo duas relevantes; (a) o consumidor-leitor entrou no circuito antes existente apenas entre editor e autor, adquirindo alguns direitos inéditos, com a licença concedida; e (b) a substituição dos livros físicos pelas licenças para as bibliotecas, pois não é justo, para o escritor, que se compre um só livro eletrônico e se empreste simultaneamente para muito mais pessoas que poderiam tomar livros físicos.

A resposta a segunda questão tem como pista a nova equação econômica: bens rentáveis são aqueles de preço menor, mas utilizados por muito mais pessoas. Assim, possivelmente o livro, viabilizando o constitucional acesso à cultura, seria utilizado por milhares de pessoas, por tempo menor, pagando bem menos, mas o maior volume de licenças permitiria até maior retorno financeiro para o escritor e a editora, respeitando o direito autoral, também assegurado pela Constituição.

Não tenho dúvida de que a discussão aberta entre os interessados conduzirá a soluções justas para autores, editores e leitores, devendo o Poder Público atentar para as singularidades do caso.

Enquanto não chegam as soluções poderemos até exercitar a nefelomancia para imaginar as respostas para as novas – e muitas - questões!

* * *

Registro que entre 8 e 13 de setembro o Brasil recebeu significativa delegação de editores ingleses, comandada pela singular Emma House, diretora da Publishers UK. Os encontros com o mercado editorial brasileiro (Rio e SP), dos quais tive a honra de participar, marcaram um primeiro passo para novo e intenso patamar de trocas de experiências entre os dois países.

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Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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