Lugares repletos de pessoas que poucos querem ouvir
PublishNews, Redação, 15/03/2024
Histórias de 'Manuel, Rita Flor…', são ficcionais, mas inspiradas na escuta da artista em asilos, casas de repouso e lugares com pessoas que poucos querem ouvir

Rui esquece onde colocou a chave do carro, esquece de tirar o aparelho de audição antes de entrar na piscina, esquece o celular ligado, confunde os nomes dos filhos e netos. Mas nunca se esquece de abraçar bem apertado a quem ama e de fazer aquele omelete especial que só ele sabe. Íris adotou, junto com sua companheira, os irmãos Sebastião, Vítor e Edu. Ela sempre foi a mãe mais brava, mas amoleceu quando Edu tornou-se pai e ela virou avó de uma menina chamada Íris, como ela. Esses são dois dos 19 pequenos perfis que compõem Manuel, Rita, Flor… (Companhia das Letrinhas, 48 p, R$ 59,90), da arquiteta e artista plástica Renata Bueno. Relatos ficcionais acompanhados de retratos feitos pela artista, eles são um inventário de velhices diversas e cheias de histórias para contar. Nos convidam a conhecer Manuel, Beatriz, Agotha, Linda, Neto… através de fragmentos daquilo que fazem, gostam, vivem, contam, lembram e também do que esquecem ou do que a autora deixa entrevisto, não dito, não expresso. Ao criar seu inventário particular dessas 19 velhices, Renata inventaria também a velhice nos nossos tempos e une duas pontas da vida – crianças e velhos – ao optar por compartilhar essas histórias em livro ilustrado para leitores de todas as idades. A obra alude também às relações entre avós e netos e à relação de certa cumplicidade que pode haver entre as crianças e os idosos, polos onde ainda cabem invenções, imaginação e um tempo mais da ordem da intensidade que da cronológica. Os idosos, assim como as crianças, experimentam a suspensão temporal da espera, onde a narrativa tem força de verdade e o real se mistura ao inventado, como num grande quintal, sempre ocupado por aqueles que não são (mais ou ainda) produtivos como se espera em nosso mundo contemporâneo.

[15/03/2024 07:00:00]