Carambaia celebra 10 anos com nova coleção de não ficção e objetivo de chegar a mais leitores
PublishNews, Guilherme Sobota, 07/03/2024
Editora foi criada num contexto de mercado diverso do atual, iniciou o seu modelo de negócio com e-commerce próprio e uma resistência ao modelo tradicional

Escritório da editora Carambaia, no centro de São Paulo | © Bebete Viégas
Escritório da editora Carambaia, no centro de São Paulo | © Bebete Viégas
Com o objetivo de alcançar mais leitores e diversificar o seu catálogo, a Carambaia – editora que completa 10 anos em março – vai lançar uma nova linha de livros de não ficção, explorando temas como política, sociologia, comportamento e saúde mental. Os primeiros títulos já estão em produção, entre eles o esperado Doppelgänger, da escritora e jornalista Naomi Klein.

O movimento pode representar uma aproximação ainda maior da editora com as livrarias, já que a ideia é entregar edições brochuras com preços mais acessíveis do que as edições de ficção especiais e luxuosas pelas quais a casa ficou conhecida. “O público novo que buscamos atingir provavelmente não está interessado na editora em si, como é o caso com as obras de ficção, mas é um público interessado nos temas, nos autores, então acredito que vai ser diferente. Talvez a gente consiga trabalhar ainda melhor em livraria do que no site”, comenta o diretor-executivo da Carambaia, Fabiano Curi, em entrevista ao PublishNews.

A nova linha é parte de uma série de novidades que a editora prepara para celebrar os seus dez anos e, numa coincidência, os 100 livros lançados. Os outros dois livros já planejados para a nova coleção são Esquizofrenias reunidas – Ensaios, de Esmé Weijung Wang, e Diário de uma invasão, de Andrei Kurkov.

10 anos de transformações

A editora foi criada em São Paulo num contexto em que o mercado editorial brasileiro tinha características diversas das atuais. A Amazon ainda dava seus primeiros passos no país, as grandes redes de livrarias ainda não tinham mergulhado na crise de 2018, e a pandemia não havia acelerado a transformação no jeito de comprar livros. Mesmo antes dessas movimentações, porém, a Carambaia iniciou o seu modelo de negócio com e-commerce próprio e uma resistência ao modelo tradicional de negócios com as lojas de livros.

Como funciona normalmente: as editoras vendem para as livrarias seus livros com um desconto considerável – tradicionalmente, 50% do valor de capa. Ou seja, se um livro vai custar R$ 60 ao consumidor final na livraria, a editora vende para a loja por R$ 30. O diretor executivo explica que o modelo de negócio não seria possível para a editora até pela característica dos livros do início, as edições especiais da chamada Edição Numerada.

“A gente começou como uma editora de e-commerce, só vendia pela internet, porque a gente não conseguia oferecer as mesmas condições de desconto que as outras editoras oferecem. Com o passar do tempo, oferecemos condições diversas e algumas livrarias foram topando, e acho que depois elas entenderam que a gente trabalha de uma forma um pouco diferente”, explica. Hoje em dia, são mais de 50 livrarias parceiras.

Os ⁠descontos praticados pela editora variam entre as coleções. Na coleção Acervo (a mais econômica), o desconto é de 50%. Na Ilimitada, com títulos que podem ser reimpressos, 40% para consignação e 50% para compra. Na Numerada – obras de autores em domínio público, em edições com projeto gráfico próprio e tiragem limitada a mil exemplares: 30% para consignação e 40% para compra.

Com as transformações do mercado, aceleradas no contexto da pandemia, a lógica foi se ajustando e deságua agora na nova coleção de não ficção. Se antes de 2020 a proporção de vendas era 65% no site e 35% em livrarias, os números se inverteram, na estimativa do diretor.

A editora Graziella Beting, diretora editorial da Carambaia, explica que a estratégia fez a editora escapar das crises de Cultura e Saraiva e também permitiu conhecer a fundo os leitores que compravam os livros. Ajustes como condições especiais no frete surgiram a partir da percepção de que muitos deles viviam em lugares sem acesso facilitado a livrarias, por exemplo.

A ideia com a nova coleção de não ficção é trazer temas do debate contemporâneo em livros com afinidade ao catálogo da editora, especializada em ficção de prosa. O plano é também diminuir o ritmo de lançamentos – ano passado foram 25 livros – e conseguir trabalhar melhor com cada título. Livros digitais e modelos especiais de impressão – como tiragens menores com custo mais acessíveis do que no passado, por exemplo – também fazem parte do dia a dia da editora.

“Eu estava conversando numa feira e um colega editor falou: ‘vocês fizeram o caminho inverso que muitas editoras fazem, que é ir testando vários públicos ver o que funcionou e depois nichar. A gente primeiro nichou, e agora está tentando ver o que acontece”, explica Graziella.

Os novos livros

  • Esquizofrenias reunidas – Ensaios, Esmé Weijung Wang

A coletânea de ensaios da escritora Esmé Weijung Wang traz o relato, "corajoso e informativo", de como é conviver com um transtorno mental. O livro ganhou o prêmio de obra de não ficção concedido pela editora Graywolf e chegou à lista de mais vendidos do New York Times.

Lançado em 2019 e traduzido em diversos países, ganha agora a versão brasileira com tradução de Camila Von Holdefer. Ao contrário das obras do tipo escritas por especialistas ou cuidadores que descrevem a doença de um ponto de vista externo, aqui é o próprio paciente quem conta, em primeira pessoa e "especial qualidade literária", o que é viver questionando os limites de sua sanidade mental.

Previsão de lançamento: maio/2024.

  • Diário de uma invasão, Andrei Kurkov

Há mais de uma década, forças russas iniciaram a ocupação de territórios da Ucrânia, mas foi em fevereiro de 2022 que a guerra se tornou uma realidade para toda a população ucraniana.

Foi também o momento em que o escritor Andrei Kurkov decidiu abandonar a obra de ficção que escrevia então para iniciar um relato, sob a forma de um diário, do dia a dia da invasão de seu país, começando semanas antes do fatídico 24 de fevereiro. “Eu me sentia culpado ao escrever ficção em tempos de guerra”, declarou recentemente a um jornal inglês.

Segundo a editora, Diário de uma invasão é uma mistura de sua história pessoal com a da própria Ucrânia durante os primeiros meses da invasão, na qual explora a complexa relação do país com a Rússia e descreve como um povo tradicionalmente pacífico desafiou o invasor com uma resistência que surpreendeu boa parte do mundo.

Previsão de lançamento: agosto/2024.

  • Doppelgänger, Naomi Klein

Em seu livro mais recente, a escritora e jornalista canadense Naomi Klein faz uma investigação de fôlego no submundo online da desinformação e das teorias conspiratórias. Autora de vários bestsellers e traduzida em mais de trinta países, ela analisa como funciona essa realidade paralela, um mundo espelho no qual as pessoas embarcam em uma teia de supostas verdades facilmente contestáveis e assumem discursos fanáticos, geralmente ligados à extrema-direita, repletos de violência e paranoia, fazendo a polarização das redes sociais se expandir para diversas outras esferas da sociedade.

Intelectual de esquerda e anticapitalista, como se apresenta, Naomi Klein é ativista na defesa das causas sociais e climáticas. No livro, ela usa, como ponto de partida de sua vasta análise, a confusão existente entre seu nome e o de seu “duplo” – ou doppelgänger –, Naomi Wolf. Jornalista e autora de uma obra relevante para o feminismo nos anos 1990, essa “outra Naomi” tornou-se, nos últimos anos, uma das vozes da extrema-direita dos Estados Unidos.

Previsão de lançamento: setembro/2024.

[07/03/2024 10:20:00]