Imprimir pra quê? Comunidade é resposta
PublishNews, João Varella*, 03/11/2023
João Varella, editor da Lote 42, escreve sobre a 10ª Miolo(s), que ocorre neste final de semana (4 e 5 de novembro) na Biblioteca Mário de Andrade

10ª edição da Miolo(s) será neste fim de semana, 4 e 5 de novembro | © Lote 42
10ª edição da Miolo(s) será neste fim de semana, 4 e 5 de novembro | © Lote 42
O capitalismo vicia, quem já tem quer mais ainda. O capitalismo é Igreja, danação eterna aos que não seguem o dogma da eficiência máxima. O capitalismo é você, aplastado no sofá em dia de folga, culpado por fazer nada, afogado no Instagram.

A natureza do Homo Economicus é do cada um por si. O mercado editorial brasileiro se organiza assim. Enquanto a Amazon recebe tratamento VIP, a livraria de rua passa pelo escrutínio duro do departamento de análise de crédito; é produtor de papel que reajusta o preço e deu, não tem para onde correr; é a imaginação colonizada, com a lista de mais vendidos de ficção tomada por estrangeiros. Cenas do faroeste editorial brasileiro.

Você é o que tem. E o que faz para ter. Uma recusa a essa limitação se dá agindo contra o sistema, em conjunto, dividindo a tristeza, multiplicando a felicidade. A atuação comunitária em detrimento do individual é a senha para atenuar as agruras do capitalismo. Atenção ao verbo: atenuar. Pé no chão, meta factível.

Quem quiser uma amostra prática de relutância, fica o convite: tem a 10ª Miolo(s) no próximo sábado e domingo (4 e 5), das 11h às 19h, na Biblioteca Mário de Andrade, centro de São Paulo / SP. Não tem catraca, não tem dress code, só chegar.

Em chave dialética, os publicadores independentes agem de maneira oposta ao mercadão. Nada de estandes faraônicos com metro quadrado caríssimo ou saldões com livro por quilo. Independente comercializa à moda antiga, com os próprios produtores em contato com o leitor e em divisão igualitária de espaço. Felizes em explicar pela enésima vez o que é zine, como a publicação foi costurada uma a uma, em que aspecto explora o limite da arte impressa.

Dos 230 publicadores na Miolo(s), 80 (35%) são “euditoras”, ou seja, de apenas uma pessoa; 71% (quase ¾) tem até três pessoas envolvidas no projeto. Uma produção pulverizada, diversa, consonante com a realidade fragmentada à volta. "Imprimir pra quê?", é a pergunta que (des)norteia a edição. A resposta estará espalhada pela Biblioteca, nas paredes, mesas, corações, na explicação da zine.

A mídia tradicional fala do falado, vai no que é certo? Pois os independentes formam uma rede de diálogo marginal. Isso está refletido em atos prosaicos, como o empréstimo de maquininhas, parcerias para hospedagem, atalhos de soluções gráficas. É código aberto, sem segredos.

A Miolo(s) chega à décima edição nessa parceria longeva da editora Lote 42 com a Biblioteca Mário de Andrade. Completa uma década graças ao senso colaborativo da arte gráfica que ajuda a compor o acervo da instituição. O papel do papel na Miolo(s) é de esperança.

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PS: Comunidade foi o tema aqui. Repare como o Sesc é traduzido nas placas de sinalização turística de São Paulo: community center, centro comunitário na tradução reta. É o jeito de explicar essa maravilha cidadã pro gringo. Esse texto é dedicado à memória de Danilo Santos de Miranda, que conseguiu atenuar a vivência paulista.


*João Varella é um dos fundadores da editora Lote 42 (2012), livraria Banca Tatuí (2014), escola de edição Sala Tatuí e da Feira Miolo(s). Jornalista, colaborou com reportagens para diversos veículos, entre eles Folha de S.Paulo, UOL, Revista da ESPN, O Estado de S. Paulo e R7. Escreveu, entre outros, os livros "Me tirar da solidão" (Barbante, 2022), "Videogame Pandemia" (Elefante, 2021), "Games: cultura, arte e joystick" (Edições Sesc, 2021), “Videogame, a Evolução da Arte” (Lote 42, 2020).

[03/11/2023 10:51:40]