Feira do Livro de Frankfurt 2023: Eslovênia busca atrair atenção para seu modesto mercado editorial
PublishNews, Guilherme Sobota, 10/10/2023
Temas a serem discutidos no Pavilhão do país podem interessar aos profissionais brasileiros; uma das estrelas do evento neste ano é Slavoj Žižek

Eslovênia é o país Convidado de Honra em Frankfurt em 2023 | © Studio Sadar
Eslovênia é o país Convidado de Honra em Frankfurt em 2023 | © Studio Sadar
Dez anos depois de o Brasil ter sido o Convidado de Honra da Feira do Livro de Frankfurt, quem ocupa o palco principal do maior evento editorial do mundo em 2023 é a Eslovênia, país com 2 milhões de habitantes na Europa Central, com uma área total que corresponde à metade do estado do Rio de Janeiro. A Feira de Frankfurt 2023 tem sua abertura oficial na próxima terça-feira (17).

Pelas limitações estruturais, é compreensível que o setor editorial da Eslovênia seja diminuto, mas de acordo com dados da IPA, o país tem uma das maiores relações entre livros publicados por habitante no mundo (são 1 a 3 mil novos títulos por ano; em 2022, em comparação, o Brasil colocou 46 mil títulos no mercado, entre reedições e inéditos).

Por ser um mercado pequeno em comparação especialmente a outros países da Europa, como a própria Alemanha, boa parte da programação dedicada do Pavilhão da Eslovênia vai discutir temas como a relação comercial entre empresas do setor de países de tamanhos discrepantes, como investir em mercados com retorno e margens apertadas, e mesmo questões de letramento na população adulta – como o leitor já percebeu, temas que podem interessar também aos profissionais brasileiros.

Historicamente, o setor de livrarias do país também é pequeno – grande parte da população vive em cidades de até 5 mil habitantes. Com as vendas online se acelerando desde 2020, hoje há duas grandes redes de livrarias, com cerca de 50 lojas, e uma rede menor, com dez lojas – segundo a Agência Eslovena do Livro, o número de livrarias independentes não chega a dez.

Por outro lado, as bibliotecas exercem papel fundamental na leitura do país. Fortemente financiadas pelos governos, as bibliotecas e ônibus de leitura fazem com que os números de empréstimos supere em muito os números de vendas. Em média, um esloveno empresta um livro 11 vezes por ano (comparado a dois livros vendidos per capita no mesmo período). Este tema também será discutido no Pavilhão.

No digital, o mercado de lá começou a se desenvolver em 2013 com o lançamento da Biblos, uma biblioteca digital, e da e-emka, loja de livros digitais. Segundo a Agência, quase não há investimento privado em digitalização, e a receita no setor vem dos empréstimos. São cerca de 6,2 mil títulos digitais em esloveno disponíveis no mercado, e o digital representa 2% dos empréstimos em bibliotecas. O setor de áudio também está em sua “infância” no país, mas um crescimento é esperado.

Também por conta da localização (o país faz fronteira com Itália, Áustria, Croácia e Hungria), a Eslovênia é resultado de um cruzamento de quatro grupos linguísticos europeus: eslavo, românico, germânico e fino-úgrico. “Ao longo dos séculos, dramaturgos, poetas, escritores, jornalistas, professores, sacerdotes, enfim, todos que escrevem e falam esloveno moldaram sua linguagem para um meio de comunicação dinâmico nesse cruzamento”, explica o material de divulgação do país na Feira. “Mesmo que relativamente poucas pessoas falem esloveno, ele pode ser usado para escrever sonetos de amor, histórias de detetive e romances, ou para discutir mecânica quântica e psicanálise”.

O título “Favo de mel de palavras” (Honeycomb of Words), escolhido para o Pavilhão do país em Frankfurt, busca refletir essa identidade múltipla da linguagem.

No Brasil

Como em toda parte, o autor esloveno mais conhecido no Brasil atualmente é Slavoj Žižek, uma das estrelas de Frankfurt deste ano, cuja obra é publicada aqui em boa parte pela Boitempo, mas também em outras casas.

“Zizek nasceu e vive em Liubliana, na Eslovênia”, explica a editora Ivana Jinkings. “É um cidadão do mundo, fala – ou pelo menos compreende – um número enorme de línguas (inclusive o português), viaja e dá aulas em outros países, mas nunca deixou de se considerar um autor esloveno” – embora ele escreva a maior parte dos textos em inglês.

“Zizek é muito rápido e disponível. Está sempre apto a tirar dúvidas conceituais ou mesmo discutir algum ponto de obras suas. Chegamos a mudar ordem de alguns capítulos em livros, por exemplo, em acordo com ele. Se pedimos um prefácio ou nota à edição brasileira ela costuma chegar algumas horas depois. É um filósofo dos mais profícuos”, garante a editora.

Em termos de literatura, possivelmente o autor esloveno mais conhecido no mundo seja Vladimir Bartol (1903-1967), cujo romance Alamut é publicado também no Brasil, pela editora Morro Branco.

Vladimir Bartol, provavelmente em 1938 | © Domínio público
Vladimir Bartol, provavelmente em 1938 | © Domínio público
Alamut é considerada a obra eslovena mais popular de todos os tempos, não sendo, porém, ambientada na Eslovênia. Mas a grande sacada do autor foi justamente utilizar a ambientação para o que espelham a experiência do próprio autor com regimes totalitários na região, em especial o fascismo de Mussolini”, explica o publisher da Morro Branco, Victor Gomes. “Ao utilizar essa estrutura de ficção histórica para explorar os mecanismos secretos do fundamentalismo, regimes totalitários e terrorismo, o autor atribui um caráter atemporal à obra que imediatamente nos chamou a atenção. Lançado originalmente em 1938 em meio ao momento em que forças totalitárias ganhavam poder em vários pontos do continente, o livro foi sendo redescoberto e se tornando best-seller diversas vezes através dos anos, a medida que novos regimes e ideologias similares as retratadas na obra surgiam, o caso mais recente durante os ataques terroristas de 11 de setembro. Muito mais do que tratar de uma ideologia específica, a ideia principal de lançarmos o livro foi de justamente apontarmos os perigos que qualquer ideologia, seja religiosa, nacionalista ou outras, podem ser manipuladas de formas ao mesmo tempo sedutoras quanto ameaçadoras”.

A publicação está alinhada à proposta da editora de trazer ao mercado editorial brasileiros autores de fora dos eixos mais tradicionais da literatura. “Ficamos muito felizes que esse país e sua tradição literária estarão em foco na Feira de Frankfurt 2023”, explica Gomes. “Ainda são raras as traduções de autores eslovenos ao redor do mundo, portanto é uma grande honra fazermos parte desse movimento, e esperamos que seja só o início, pois além de autores mais clássicos como Vladimir Bartol, o país tem uma leva muito interessante de novos escritores também, que podem apresentar diferentes facetas do país”.

Outros autores eslovenos que têm suas obras traduzidas no Brasil são Boris Pahor (Necrópolis, Bertrand Brasil) e Alenka Zupančič (Por que psicanálise?, LavraPalavra).

Um nome fundamental na ligação entre as línguas portuguesa e eslovena é a professora da Universidade de Liubliana, Blazka Müller. Por conta do início das aulas na Universidade, a professora não pôde dar entrevista ao PublishNews, mas foi simpática e enviou um artigo de sua autoria que detalha a presença da literatura de língua portuguesa no país europeu.

Sua lista de autores e autoras traduzidos para o esloveno desde os anos 1990 inclui, entre outros, clássicos como Fernando Pessoa e Machado de Assis, mas também nomes como Paulo Coelho, Paulo Freire, Cristovão Tezza, Adriana Lisboa, João Ubaldo Ribeiro, Clarice Lispector, Antonio Lobo Antunes, José Saramago, Bernardo Carvalho, Gonçalo Tavares.

“Apesar do interesse na literatura lusófona claramente existir nessa parte da Europa Central, especialmente desde 1991 (ano da independência do país), mais esforço ainda deve ser voltado para uma apresentação eficiente e sistemática do legado literário que o oceano da literatura em português representa para o mundo”, diz ela no artigo publicado em 2018 e enviado para a reportagem. “E essa é uma tarefa a mais para tradutores, editoras e acadêmicos”.

Entre as editoras eslovenas que já publicaram autores brasileiros, estão LUD Šerpa, Modrijan, Goga, Mladinska knjiga, Pomurska založba, entre outras.

Autores e temas da Eslovênia na Feira do Livro de Frankfurt 2023

Entre os autores e autoras convidados de Frankfurt, além de Zizek, estão nomes como Drago Jančar, Aleš Šteger, Ana Marwan, Maja Haderlap, Mladen Dolar, Mojca Kumerdej, Goran Vojnović, Erica Johnson Debeljak, Ana Pepelnik e outros. Serão mais de 70 escritores e pensadores.

A diretora da Agência Eslovena do Livro e do projeto do país em Frankfurt, Katja Stergar, diz: “Estamos ansiosos para apresentar a literatura e a escultura eslovena para uma audiência interessada, e para fazer crescer a rede da indústria editorial eslovena no cenário internacional”.

Projeto do Pavilhão da Eslovênia em Frankfurt | © Studio Sadar
Projeto do Pavilhão da Eslovênia em Frankfurt | © Studio Sadar
O foco do Pavilhão e do programa está na filosofia e na poesia do país, mas também na relação do país com a natureza e com os esportes. “O programa profissional inclui eventos sobre o setor editorial, mas também foca em temas como leitura na era digital, da importância da leitura como questão cognitiva, métodos de negociação de direitos a partir de mercados menores, entre outros”, diz.

O Pavilhão, desenvolvido pelo Studio Sadar, terá 2,3 mil metros quadrados, em formato de favo de mel, com auditórios e divisórias semi-transparentes. O centro do espaço é a mostra “Livros na Eslovênia”, com livros do país em diversas línguas e trabalhos de artes visuais. Os móveis do Pavilhão são inspirados nas paisagens eslovenas e são feitos de material reciclável.

Números do mercado editorial da Eslovênia

  • A Eslovênia tem o segundo maior número de livros publicados por milhão de habitantes no mundo
  • Um esloveno médio empresta ou renova o empréstimo de cerca de 11 livros por ano, em comparação com apenas dois livros vendidos por habitante.
  • Aproximadamente um quinto (20%) dos eslovenos têm um cartão de biblioteca.
  • Apenas um terço dos pais na Eslovênia lê frequentemente para seus filhos em casa.
  • Entre 2010 e 2015, a Eslovênia, a Finlândia e a Noruega publicaram de 1.500 a 2.000 títulos por milhão de habitantes anualmente, colocando-os em pé de igualdade com o Reino Unido.
[10/10/2023 10:00:00]