Autores de livros didáticos questionam falas do secretário de São Paulo e avaliam material paulista: 'superficiais e generalistas'
PublishNews, Guilherme Sobota, 09/08/2023
Associação Brasileira de Autores de Livros Didáticos (Abrale) defendeu a produção dos livros inscritos no PNLD

Abrale fez avaliação dos materiais didáticos produzidos pela Secretaria de Estado da Educação | © Image by Freepik
Abrale fez avaliação dos materiais didáticos produzidos pela Secretaria de Estado da Educação | © Image by Freepik
A Associação Brasileira de Autores de Livros Didáticos (Abrale) divulgou um manifesto sobre as falas do secretário de Educação do Estado de São Paulo, Renato Feder, sobre a qualidade dos livros didáticos no âmbito do PNLD. Em uma entrevista à Folha de S. Paulo na última semana, Feder disse o seguinte: "Eu e meus técnicos olhamos os livros do PNLD. A avaliação da Secretaria foi a de que eles perderam a qualidade, profundidade e conteúdo. Estão superficiais". A Abrale diz que recebeu a declaração com consternação.

"Os livros didáticos do PNLD são caracterizados pela excelência e estão entre os melhores do mundo", diz o manifesto. "Importante lembrar que os livros aprovados são adotados em larga escala também por escolas e redes de ensino da rede particular, o que demonstra o interesse social dessas produções".

O documento compartilha o percurso inicial de produção e avaliação dos livros didáticos no Programa:

  1. Orientação a partir de um edital governamental que estabelece critérios normativos e inseridos nas exigências da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e outras;
  2. Forte rigor conceitual e editorial; o processo de desenvolvimento autoral e editorial dos livros leva cerca de dois a três anos;
  3. Análise e avaliação por uma banca examinadora composta por acadêmicos das principais universidades brasileiras, assim como professores da educação básica;
  4. Aprovação ou reprovação diante desses critérios.

Após a aprovação, seguem também as etapas de escolha das obras por parte das redes de ensino ou das escolas, e de negociação com as editoras.

"Os livros do PNLD seguem editais do MEC que por sua vez são construídos a partir de parâmetros normativos constitucionais", comenta a presidente da Abrale, Cecília Condeixa. "Há atualmente uma Lei em vigor no país que rege a educação brasileira. Se os livros não seguem a 'qualidade e o conteúdo' que o secretário afirma que perderam os livros do PNLD, eles simplesmente não são aprovados. Simples assim".

Clique aqui para ler o manifesto da Abrale na íntegra.

Os livros didáticos em São Paulo: avaliação entre os autores é ruim

A Abrale enviou para o PublishNews um relatório de avaliação de amostras do material didático disponibilizado no Centro de Mídias da Educação de São Paulo (CMSP), plataforma do governo do estado que oferece material digital para estudantes e professores. "As análises foram realizadas por autores experimentados de livros didáticos, todos são ou foram professores e detentores de pós-graduação", explica a Associação.

Uma das aulas avaliadas pela Abrale, por exemplo, diz respeito à história de hebreus, persas e fenícios. A Associação diz que o material da Secretaria apresenta "aspectos superficiais e generalistas". Em nota, a Secretaria de Educação diz que "o desenvolvimento das aulas digitais é ancorado no Currículo Paulista e todas suas vertentes. Os materiais usados em sala de aula apoiam o professor na condução das aulas e na explicação dos conceitos aos alunos".

Afirma o relatório da Abrale: "Trata-se de uma narrativa que há quase cinquenta anos é criticada pela historiografia por tratar-se de uma visão do senso comum da História, que reproduz o paradigma tradicional, restringindo o ensino de História à História Política e ignorado todo o movimento iniciado pela Escola dos Annales na década de 1970, quando passou-se a rejeitar a composição da História como uma narrativa exclusiva das grande soberanias e passou-se a valorizar todos os conjuntos envolvidos no processo histórico, ou seja, uma preocupação com a história total, onde tudo é histórico e há uma diversidade de vozes e sujeitos históricos a serem considerados".

Segundo a Associação, o material reproduz estereótipos que o PNLD combate desde a década de 2000, como reprodução da organização social dos Hebreus pelo viés bíblico (o que poderia ser entendido como doutrinação religiosa) e a presença de estereótipos.

"Por fim, curiosamente, se olharmos as referências utilizadas para a criação da aula, somente duas são referentes ao conteúdo apresentado: um livro paradidático da editora Saraiva destinado a estudantes e um livro didático da editora Moderna aprovado no PNLD anterior", diz o documento consultado pelo PublishNews. "Ou seja, não há uma fundamentação teórica aprofundada para o desenvolvimento do material: apenas a reprodução resumida de materiais que originalmente foram elaborados para consulta dos estudantes".

A nota da Associação conclui: "Os materiais apresentados pela Secretaria de Educação em seu Centro de Mídias não contam com esse rigor conceitual, normativo e editorial. Esses, sim, apresentados pela Secretaria da Educação são rasos, superficiais e pouco confiáveis. Proposta: coloque-os lado a lado em qualquer banca de estudiosos e peça-se a opinião dos mesmos".

Leia a nota completa da Secretaria sobre o relatório:

"As análises apontadas pela reportagem estão descontextualizadas, são parciais e desconsideram que as aulas se relacionam com conteúdos que serão desenvolvidos em aulas futuras, inclusive de forma interdisciplinar, conforme práticas consagradas de planejamento escolar. O conteúdo são materiais iniciais que terão aprofundamento ao longo do ano letivo dos temas propostos em cada aula.

"O desenvolvimento das aulas digitais é ancorado no Currículo Paulista e todas suas vertentes. Os materiais usados em sala de aula apoiam o professor na condução das aulas e na explicação dos conceitos aos alunos. Assim, o material é adaptável justamente para permitir que cada professor personalize o conteúdo didático de acordo com a realidade e necessidades de cada turma".

Entenda o caso

O governo estadual de São Paulo – sob gestão de Tarcísio de Freitas (Republicanos) – anunciou na semana passada a decisão de não aderir ao Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), uma das maiores iniciativas governamentais para a compra de livros do mundo. Com a escolha, a partir de 2024 a rede de educação paulista terá apenas conteúdo didático digital, não mais o livro impresso, a partir do 6º ano do fundamental. É a primeira vez que uma decisão como essa ocorre em mais de 80 anos de existência do Programa.

Na quarta (2), as entidades do livro divulgaram um manifesto com "profunda preocupação" em relação à escolha. "A cadeia produtiva do livro lamenta a decisão da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo", diz o texto. "As perdas causadas pela ação, se não forem revertidas, serão irreparáveis". Leia o texto completo aqui.

Já na quinta (3), o Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para investigar a decisão. O inquérito dá um prazo de 10 dias para a Secretaria responder diversas questões pertinentes ao processo, como esclarecer se houve consulta a órgãos de gestão da educação, se foi estudado o cumprimento do Plano Estadual de Educação e para informar os custos para produção do material didático que será utilizado pelo governo.

Ontem, o PublishNews mostrou como as editoras envolvidas no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) devem sentir os efeitos – financeiros, de planejamento e de pessoal – da decisão. De acordo com a Associação Brasileira de Livros e Conteúdos Educacionais (Abrelivros), com a decisão, 1,4 milhão de estudantes da rede estadual de ensino não receberão obras didáticas do PNLD, e 100 mil professores também não terão as obras pedagógicas. Para atender ao Estado de São Paulo no edital do PNLD 2024, o Governo Federal previu recursos de R$ 120 milhões, dos quais o governo estadual está abrindo mão, e que consequentemente não devem chegar às editoras.

[09/08/2023 10:00:00]