Indústria do livro e setor cultural reagem à situação dos Yanomami
PublishNews, Guilherme Sobota, 31/01/2023
​Em meio à crise severa, setor tem criado ou destacado iniciativas de assistência, divulgado novos livros, dado demonstrações de solidariedade e também convidado autores indígenas​ e antropólogos para debater o tema

Obra de Ciete Silvério na mostra temporária
Obra de Ciete Silvério na mostra temporária
Em meio à crise que atinge de maneira muito severa o povo Yanomami, a indústria do livro e o mercado cultural têm criado ou destacado iniciativas de assistência, divulgado novos livros, dado demonstrações de solidariedade e também convidado autores indígenas e antropólogos especialistas para debater o tema e outras questões literárias e culturais.

No início desta semana, a Editora Fiocruz, "comprometida com a visibilidade das questões dos povos originários e em sinal de solidariedade, respeito e preocupação", passou a oferecer acesso aberto os livros sobre saúde indígena de seu catálogo online. Os livros, em formato e-book, podem ser acessados por meio da Scielo Livros a partir desta página da editora.

A Companhia das Letras e a Hutukara – associação presidida por Davi Kopenawa e que atua há mais de 18 anos na garantia de direitos do povo Yanomami – também se juntaram para uma campanha: na compra de O espírito da floresta, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, todo o lucro obtido será direcionado ao fundo emergencial de apoio aos Yanomami. O livro é uma coletânea inédita de reflexões e diálogos.

A ação ocorre apenas no site da editora até o dia 15 de fevereiro (ou até acabar o estoque). O título está em pré-venda e será enviado aos leitores a partir de 24 de março, data de seu lançamento nacional. No site da associação também é possível ter mais informações sobre o assunto.

Na noite desta segunda-feira (30), o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Superintendência Regional da Polícia Federal de Roraima apurem a possível participação de autoridades do governo Jair Bolsonaro na prática, em tese, dos crimes de genocídio, desobediência, quebra de segredo de justiça, e de delitos ambientais relacionados à vida, à saúde e à segurança de diversas comunidades indígenas.

Outras iniciativas do campo cultural

Em entrevista recente ao jornal O Globo, Ailton Krenak falou sobre a situação do povo Yanomami. Ele afirmou que as terras do povo são como acampamentos escuros, que só são iluminados por uma luz vez ou outra quando um relâmpago atinge em cheio a tragédia humanitária que passam, e pediu a punição dos algozes. Krenak é um dos convidados da terceira edição da Festa Literária Internacional de São Sebastião (SP) (FLISS), que ocorre nesta semana – de 2 a 5 de fevereiro de 2023, mesclando encontros presenciais no ponto de cultura Casa Brasileira e também via internet.

Com o tema "Terra, água, ar, vida – É urgente ler o mundo", a FLISS propõe refletir, pelo olhar da literatura, "sobre a vida no planeta, a emergência climática e a degradação acelerada das condições de vida nas mais diversas regiões".

Entre os demais convidados, estão Armando Artur, escritor e ex-ministro da Cultura de Moçambique; Micheliny Verunschk, autora de O som do rugido da onça (Companhia das Letras); o músico, compositor, cineasta e escritor indígena de Roraima, Cristino Wapichana; a escritora indígena Auritha Tabajara; o etnofotógrafo Edgar Kanaykô, do povo Xacriabá e diversos outros. A curadoria da Festa é feita por um trio: a escritora Trudruá Dorrico, o jornalista e professor André Argolo e a escritora Penélope Martins.

Desde a última semana, a mostra Nhe’ẽ Porã: Memória e Transformação está disponível em versão virtual e gratuita. Trata-se da exposição temporária atualmente em cartaz na sede do Museu da Língua Portuguesa (Praça da Luz, s/nº - Centro Histórico de São Paulo / SP). O usuário poderá explorar todo o conteúdo da mostra, que joga luz nas línguas e culturas dos povos originários do Brasil, e tem curadoria da artista e educadora Daiara Tukano. Junto com a exposição virtual, o Museu também disponibilizou gratuitamente materiais educativos e de pesquisa para download.

Em fevereiro, a editora Todavia lança A repetição, do escritor e antropólogo Pedro Cesarino. Em duas novelas, o autor narra o percurso de dois personagens confrontados com a herança da escravidão, da violência contra povos indígenas e da exploração econômica. "Valendo-se de fatos, estudos e documentos históricos para a escrita de ficção, Pedro Cesarino desenvolve um registro narrativo e imagético heterodoxo, estabelecido a partir da interlocução com pensamentos indígenas e afrocentrados ainda pouco presentes na literatura brasileira contemporânea", de acordo com a editora.

Ainda em dezembro, a editora Perspectiva lançou a coleção Teyolía, que "reúne textos de pensadores da Améfrica Ladina implicados com a luta anticolonial, buscando diálogos entre o pensamento crítico latino-americano, os povos originários e afrodiaspóricos". Segundo a editora, Teyolía é uma entidade anímica nahua que conecta internamente o indivíduo com a comunidade e com o universo. O primeiro volume foi Além da psicologia indígena: Concepções mesoamericanas da subjetividade, do psicólogo e filósofo mexicano David Pavón-Cuéllar. O livro busca tirar o indígena da posição de objeto de estudo para a de sujeito.

Também em 2022, a editora Ubu publicou o livro O desejo dos outros – Uma etnografia dos sonhos yanomami, uma "introdução à cosmogonia yanomami e um chamado à proteção desses povos que estão sob constante ameaça". O livro é da antropóloga Hanna Limulja, graduada em ciências sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e mestre e doutora em antropologia social pela mesma instituição. Ela trabalha com os Yanomami desde 2008, tendo atuado em ONGs no Brasil e no exterior, como Comissão Pró-Yanomami, Instituto Socioambiental, Wataniba e Survival International. Atualmente, integra a Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, criada em 2020 por um coletivo de pesquisadores e aliados na luta pela garantia dos direitos territoriais, culturais e políticos desses povos.

No final de novembro, o coletivo Mulherio das Letras Indígenas lançou o Álbum Biográfico das Guerreiras da Ancestralidade 2022, com a participação de mais de 60 escritoras Indígenas aldeadas e em contexto urbano. O livro teve lançamento oficial no 5º Encontro Nacional do Mulherio das Letras, em João Pessoa, na Paraíba. A edição das coletâneas é da editora Amare, com organização das escritoras Vanessa Ratton, descendente de guarani Mbya, e Eva Potiguara.

[31/01/2023 09:00:00]