Diário de Sharjah. Dia 4: Suado, cansado e tentando organizar todas as propostas
PublishNews, Leonardo Garzaro*, 04/11/2021
Algo incrível em Sharjah é justamente a presença massiva de editores. Como são centenas, nos encontramos toda hora. Os negócios acontecem não apenas nas mesas, mas na fila do café, do banheiro e do ônibus.

Como cheguei atrasado, o almoço terminou depressa. Havia um serviço organizado, no qual simpáticas atendentes iam apanhando grandes travessas e servindo com atenção cada um dos editores. Como já estavam na sobremesa, passei meu prato por cima de todos e a Talita Facchini, do PublishNews, me serviu uma colherada de arroz com carneiro, a Fernanda Dantas, do Brazilian Publishers, uma colherada de homus, a Laura di Pietro, da Tabla, uma colherada de algo verde cujo nome não sabíamos. Estava tudo ótimo, e ainda tive tempo de devorar a sobremesa. Viva!

Voltei para a tenda de reuniões, fui escovar os dentes. Na fila do banheiro, conheci um editor indiano e começamos a negociar. Fila andava, eu falava do meu catálogo nacional, defendendo o Marco Lucchesi como um futuro candidato ao Nobel e que deveria ter mais atenção dos editores mundo afora. Fila parava, o editor indiano tentava me convencer a comprar uns livros sobre o futuro do BitCoin, alguma nova literatura, um pouco de infantis. Estávamos só nos aquecendo para as reuniões da tarde.

Algo incrível em Sharjah é justamente a presença massiva de editores. Como são centenas, nos encontramos toda hora, e os negócios são inevitáveis. As mesas, com as reuniões agendadas, catálogos organizados e acrílico para proteger da transmissão de covid são ótimas. Porém, os negócios podem tanto acontecer ali quanto na fila do café, do banheiro, ou do ônibus.

Voltei para minha mesa e, como só tinha a primeira reunião em uma hora, comecei a andar pelo pavilhão para contatar outros editores que estivessem à toa. Fui até a mesa de dois editores palestinos e troquei cartões. Vi uma editora sozinha e fui conversar: descobri que a conhecia! Era a Nazlican, uma agente turca especializada em juvenis. Já havíamos trocado e-mails ano passado, e foi muito legal encontrá-la de surpresa. Mostrei meus livros para ela e combinamos de conversar mais no dia seguinte. Do outro lado do pavilhão, abordei e conversei com a agente francesa Chiara Rinaldi, e com a inglesa Kristina Egan. Tudo bem informal, tudo apenas acontecendo. Todos disseram que isso é algo especial em Sharjah: apenas começamos a conversar, a trocar. Segundo os entendidos, em Frankfurt e Londres a coisa é mais formal. Não sei dizer, mas estou achando ótimo.

Voltei à minha mesa para a reunião oficial, desta vez com a editora moçambicana Sandra Tamele, que é excelente, dessas editoras que defendem e lutam pela literatura de seu país. Ela me disse que a literatura moçambicana é mais que o Mia Couto. Tenho certeza que sim! Seguiram-se mais três reuniões, e o cansaço começou a bater forte, porém me esforcei (com auxílio do café) para manter a mesma energia das primeiras reuniões. Li uma vez um estudo e sempre penso sobre isso: temos mais cuidado nas decisões quando estamos descansados. Conforme o dia avança, ficamos mais displicentes. Assim, me esforçava para me manter com o mesmo nível de atenção e cuidado, embora fosse mais difícil a cada nova rodada.

Quando finalmente minha agenda terminou, observei a Laura di Pietro, que estava atrás de mim conversando elegantemente, num inglês ótimo, com um editor dos Emirados. Adorei. Estava completamente descansada, papeando sem pressa, discutindo autores. Eu estava suado, cansado, com quatro idiomas e uma centena de livros flutuando na cabeça, sem lembrar ao certo tudo que tinha alinhado. A Laura estava nova. Me pareceu uma daquelas cenas dos filmes do 007, quando o agente chega todo estropiado, rasgado, sujo, e é recebido pela M., que comanda tudo da sede na Inteligência Britânica sem despentear o cabelo. Essa era a Laura ali.

Saí da tenda e fui direto para o ônibus. Havia um encontro de editores para apresentação da feira de Bologna, mas dispensei. No hotel, foi o tempo de jantar, tomar um banho e deitar para dormir às nove. Contudo, demorei um pouco para pegar no sono: um tambor ainda batia dentro de mim. Estar aqui é algo incrível. Para o dia seguinte, espero conseguir fechar a venda de pelo menos um autor nacional.


* Leonardo Garzaro é jornalista, escritor e editor da Rua do Sabão. À parte isso, tem em si todos os sonhos do mundo.

[04/11/2021 06:20:00]