Do lado de fora, visíveis pelas enormes janelas, estão a mesquita de Al Majaz e o lago Khalid, com uma marina de onde partem passeios. Se amanhã conseguir acordar cedo, quero passear pela orla antes de ir à feira, que começa às 9h. Outro plano é ver a palestra do Nobel de Literatura de 2021, o Abdulrazak Gurnah, que irá conversar com o público. A prioridade, contudo, é conseguir bons negócios para a editora Rua do Sabão.
Não poderia falar sobre essa viagem sem mencionar a hospitalidade. Me sinto afortunado e grato. Desde o momento em que recebi o convite, dois meses atrás, até quando terminei o jantar, fiquei seguidamente encantado pela atenção com os detalhes. Após a inscrição, recebi diversos e-mails, todos atenciosos, contendo informações bem pensadas para que a experiência fosse a melhor possível. Como conseguir sinal de Wi-Fi, como me vestir, como superar as barreiras sanitárias (destacando, por exemplo, a necessidade do PCR com resultado em inglês). Me surpreendi, ainda no Brasil, ao saber que seria reembolsado pelos custos com o teste de covid, além de ter todas as demais despesas pagas.
Tão logo desci do avião, uma atenciosa funcionária da feira chamada Cristina, nascida na China, me identificou e seguiu comigo pela imigração, teste sanitário, esteira de bagagens e transporte. Em seguida, fui confiado ao Hussein, motorista, que apontou alguns pontos turísticos e me indicou restaurantes típicos. No hotel, foi a vez de Ahmad me receber, me acompanhar do check-in até o quarto, me explicar e resumir pausadamente os horários de chegada, saída, refeições e todo o cronograma. Me passou seu whatsapp e insistiu que chamasse para qualquer necessidade. Houve um pequeno problema com minha bagagem. Todos se desculparam tantas vezes que fiquei constrangido.
Fui direto ao restaurante jantar e de pronto me identificaram como participante da feira. Decidi escolher os pratos pelo nome mais curioso, assim, dispensei o beef e o chicken para aceitar um hashweh, e para sobremesa preferi Um Ali ao brownie de chocolate. Não vou cair na tentação de explicar o que são esses pratos, dizer “é como uma salada de…” ou “parece uma canjica com…”. Gosto das coisas pelo que são. Hashweh é hashweh e Um Ali é Um Ali. Hoje foi o dia de descobrir sabores que ainda não haviam passado pelo meu paladar.
Amanhã tenho seis reuniões marcadas com editores de todo o mundo. Vou tentar vender os cinco livros de autores nacionais já publicados pela Rua do Sabão e avaliar a compra dos títulos que me oferecerem (a turma da editora, Felipe, Vini, Anah e Lígia me acompanham on-line. Vamos juntos debater e escolher os títulos).
Há um programa de incentivo muito interessante: qualquer livro negociado entre editores durante a feira tem os custos de tradução subsidiados, mesmo que não seja uma tradução do árabe ou para o árabe. Outro programa interessante é exclusivo para livros vencedores do prêmio literário mais importante da região, o Sheik Zayed Book Award Prize. Ainda hoje quero descobrir a editora dos Emirados Árabes que tem mais livros premiados e marcar uma reunião com eles. E espero mesmo conseguir até o fim da semana vender os direitos de pelo menos um autor brasileiro. Sempre me incomodou a baixa representatividade da nossa literatura. Entre outros objetivos, me tornei editor para mudar isso.
* Leonardo Garzaro é jornalista, escritor e editor da Rua do Sabão. À parte isso, tem em si todos os sonhos do mundo.