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O jogador nº 1 e o ‘test read’
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 11/04/2018
​A obtenção de dados sobre leitores e seus hábitos de leitura são o hit do momento e Gustavo Martins de Almeida usa sua coluna para explicar as implicações disso no mercado editorial

“Direto ao ponto: quem lê livros em leitor eletrônico também está sendo lido, isto é, as informações referentes ao título adquirido ...... tudo isso pode ser observado e registrado pelo fabricante dos aparelhos portáteis de leitura, os chamados e-readers.” (Da minha coluna de 2013)

“O acúmulo de dados dos consumidores e as novas formas de leitura constituem pequenos indícios de que ainda estamos na idade da “tela polida” dos e-books, e que muito, muito mais vem por aí” (Da minha coluna em 2016)

Principio pedindo desculpas por ter transcrito o que publiquei nas colunas de 2013 e 2016 aqui no PublishNews, mas na época já imaginava o que estamos vendo, hoje, de forma abundante. A obtenção de dados sobre leitores e seus hábitos de leitura são o hit do momento e como disse matéria da revista Wired, há um grande movimento para substituir instinto e otimismo dos editores por... dados (“larger movement in the publishing industry to replace gut instinct and wishful thinking with data”).

O fato é que os dados extraídos pelo Facebook e entregues a Cambridge Analytica se aproximam muito do modo de extração das informações que permeiam a vida real e virtual dos personagens do atualíssimo filme de Spielberg, O Jogador nº 1 (“Ready Player”), retratando a sociedade de 2045, cheio de referências à cultura contemporânea e, a meu ver, altamente instigante.

Herança virtual, e vários outros temas tratados recentemente como ficção científica, fazem parte do mundo retratado no filme, no qual a matéria prima é a informação e, em última instância, a análise de dados que deixamos registrados em nosso uso cotidiano da internet.

E qual a relação desse filme com o mundo editorial? Já vimos que a Amazon, através do Kindle; a Barnes & Noble, através do Nook, e a Rakuten, por meio do Kobo, extraem dados do ato de leitura dos clientes, mas aparentemente em proveito próprio. Recentemente uma empresa com sede em Londres, a Jelly Books desenvolveu um serviço de “test read” de livros, com análise dos dados decorrentes do ato de leitura, para serem comercializados com editoras. Em resumo, antes de serem lançados no mercado, determinados livros são distribuídos para um grupo de consumidores, que, após os lerem, autorizam o envio e análise dos dados correspondentes para a empresa.

Assim, são registradas e trabalhadas informações como tempo de leitura, frequência de interrupções, dias e horários prediletos, quais os livros lidos, tudo acessível ao leitor e a editora, como consta da seção Reader Analytics: “Também estamos trabalhando em ferramentas para trazer os dados ostensivamente para o leitor, mas este ainda é um trabalho em andamento. Agora você pode ver uma exibição de calendário de seus tempos de leitura e quanto você progrediu através do livro, mas nós estaremos gradualmente adicionando mais e mais a ferramenta de visualização apenas para leitores, como fizemos para autores e editores. Você pode querer verificar isto em artigo do New York Times.

Fica muito claro que o serviço se propõe a colaborar para evitar que somente os singulares – e arriscados - faro e instinto do editor detectem previamente um best-seller. Em tempos de previsão de hábitos e comportamentos, sempre de olho no consumo, essa empresa constitui ferramenta aparentemente útil, mas que, ainda suscita dúvidas em leitores antigos, como este articulista.

No entanto, mais e mais nos aproximamos do convívio com a inteligência artificial, com chatbots, internet das coisas (IOT), corretores de texto que não mais consertam só a ortografia, mas às vezes também o sentido da frase.

O fato é que a extração de dados do simples ato de leitura, que se apresentava como novidade em 2013, vai se cristalizando e aparentemente constituindo instrumento de grande utilidade para o mercado editorial. Como não há “test read” gratuito, o produto acaba sendo você e as informações que você presta em toda a sua vida. Essas informações que a empresa extrai constam do termo de política de privacidade do site e são as seguintes:

Informações que coletamos. As informações que coletamos sobre você quando você acessar ou de alguma forma, usar os serviços se inserem em três categorias a seguir: Informações pessoais que você fornecer. Nós coletamos informações pessoais de usuários dos serviços através da utilização de formulários on-line (por exemplo, quando você se registrar para criar uma conta para participar de nossa comunidade ou baixar uma cópia complementar do Advance Reader Copy), adicionar livros de sua prateleira, baixar ou cadastrar-se para receber um serviço e e-mails nos seus detalhes. As informações pessoais que você nos fornece diretamente ou por meio de outras redes sociais como Twitter ou Facebook podem incluir: seu nome e e-mail, informações demográficas, como data de nascimento, sexo e país de residência, informações sobre seu comportamento de leitura, que podem ser usadas para melhor entender você e suas preferências de leitura, um registro de qualquer correspondência entre você e nós (por exemplo, e-mails de pesquisas de cliente). Informações de uso pessoal coletadas. Também coletamos informações de uso pessoal automaticamente do seu computador ou outro dispositivo (por exemplo, um telefone celular, tablet ou eReader) que não permite que você seja identificado pessoalmente. Informações fornecidas por terceiros”.

E a Jellybooks não está sozinha. Também a sociedade alemã INKITT proporciona serviço semelhante, só que com uma ligeira diferença, ela é mais flexível em termos de uso e se baseia nas informações obtidas pelo crowd wisdom, algo como sabedoria popular. O mecanismo consiste na avaliação prévia dos livros, de modo a, supostamente, reduzir as incertezas quanto a aceitação inicial de obras literárias.

Vê-se que a extração de informações pessoais pelo simples uso cotidiano da internet já se tornou procedimento corriqueiro. No mercado editorial, essa tendência – que parece brigar com a intuição e faro dos publishers - estaria avançando entre grandes editoras. O importante para o consumidor é sempre que possível verificar os sites e checar os respectivos termos de uso – hábito ainda pouco comum, é fato – para evitar maiores surpresas. Lembro, ainda, que acaba de entrar em vigor na Europa o Regulamento Geral de Proteção de Dados (Directive 95/46/EC - General Data Protection Regulation), com sérias implicações a respeito , o que será tema de próximo artigo.

PS.: Pronto este artigo desde a última segunda-feira (09), não posso deixar de comentar a aguda e objetiva inquirição de Mark Zuckerberg no Senado dos EUA ontem (10). Tanto Senadores quanto o depoente foram ao extremo nas perguntas e respostas.

Destaco que muitas das respostas, quando acuado o fundador do Facebook, invocavam os termos de uso de dados da rede social. Sobre esses termos, extraio pequeno e significativo trecho: “O que você faz e as informações que fornece. Coletamos o conteúdo e outras informações fornecidas por você quando usa nossos Serviços, como quando se cadastra em uma conta, cria ou compartilha conteúdos, envia mensagens ou se comunica com os outros. Isso pode incluir informações presentes no conteúdo ou a respeito dele, como a localização de uma foto ou a data em que um arquivo foi criado. Também coletamos informações sobre como você usa nossos Serviços, por exemplo, os tipos de conteúdo que você vê ou com que se envolve e a frequência ou duração de suas atividades. O que os outros fazem e as informações que fornecem. Também coletamos conteúdos e informações fornecidas por outras pessoas durante o uso dos nossos Serviços, incluindo informações sobre você, por exemplo, quando elas compartilham fotos suas, enviam mensagens a você, ou carregam, sincronizam ou importam suas informações de contato".

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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