Cariocas bem alimentados
PublishNews, Eliane Hatherly Paz*, 19/09/2017
Em artigo para o PublishNews, Eliane Hatherly Paz fala sobre a deliciosa relação entre vinho e literatura

Se o livro é o alimento do espírito e o vinho é o alimento em forma líquida, os cariocas não tiveram do que reclamar nos últimos dois meses, quando a capital recebeu não um, mas dois megaeventos que podem ser considerados ‘gastronômicos’ por muita gente: o 5º Rio Wine & Food (19 a 27 de agosto) e a XVIII Bienal Internacional do Livro do Rio (31 de agosto a 10 de setembro).

O 5º Rio Wine & Food, um festival que pretende democratizar e desmistificar o vinho, promoveu, ao longo de nove dias, eventos de degustação e harmonização da bebida em vários pontos da cidade, além de debater o segmento. Foram 12 países participantes, 125 expositores, 36 mil garrafas de vinho compradas e público estimado em 70 mil pessoas. Da mesma forma, a Bienal do Livro – o maior evento literário do país – buscando tornar o livro acessível a cada vez mais leitores, reuniu 300 autores em 360 horas de programação nos 80 mil m² do Riocentro, que resultaram em um público de 680 mil visitantes e aproximadamente 4,5 milhões de livros vendidos em onze dias.

Para além da analogia alimentícia, livros e vinhos se harmonizam em maravilhosas publicações. Uma busca no site da Livraria Cultura informa que o mercado editorial brasileiro possui nada menos do que 244 títulos sobre vinhos. Cinquenta e um deles estão concentrados nos catálogos de apenas três editoras: Senac SP, 27 títulos; Larousse do Brasil, 13; e Mauad, 11. Dos mais diversos formatos – guias, dicionários, bíblias, enciclopédias, coffe table books, livros de bolso – aos mais ecléticos gêneros – ficção, não-ficção, culinária, fotografia, viagem e turismo e até filosofia e HQ! – o iniciado em busca de entretenimento ou o iniciante em busca de informação não têm do que reclamar. Assim, segue uma lista informal dos 10 livros sobre vinhos mais indicados por revistas e blogs especializados, no último ano, para você ler enquanto aprecia sua casta favorita:

1º) O segredo dos vinhos para iniciantes e iniciados – Mescla Editorial
2º) Como degustar vinhos – Globo Editora
3º) Expert em vinhos em 24h – Planeta
4º) Presença do vinho no Brasil – Editora Vida Nova
5º) Vinho e guerra – Zahar
6º) Winne Folly – Intrínseca
7º) A viúva Clicquot – Rocco
8º) Vinho e comida – Companhia das Letras
9º) 1001 vinhos para beber antes de morrer – Sextante
10º) Os sentidos do vinho – Conrad

O mercado de vinhos, por sua vez, vem apostado em harmonizações cada vez mais originais para aproximar enófilos e bibliófilos e, recentemente, a vinícola italiana Matteo Correggia criou a Librottiglia: cada garrafa traz como rótulo pequenas histórias que combinam perfeitamente com o sabor do vinho que acompanham. Já a brasileira Enos Vinhos de Boutique, do editor gaúcho Léo Kades, criou o Engarrafando Livros, onde grandes nomes da literatura internacional inspiram os rótulos de sua produção vinícola. Outro editor brasileiro que uniu sua paixão por livros e vinhos foi Marco Pace, ex- Siciliano e ex-Alta Books, que criou a Vinhoteca, loja virtual e física, onde dá dicas de como harmonizar títulos e rótulos. Ou vice-versa.

Por aqui, à profusão de feiras, festas, salões, bienais, jornadas e festivais literários anuais que se espalham por capitais e cidades de diversos estados, contabilizados em mais de 300 eventos, somam-se seus similares dedicados ao vinho, em igual ou superior quantidade ao longo do ano. Juntá-los não seria uma boa ideia para aquecer ambos os mercados? Pois, apesar de toda essa movimentação, o consumo de vinho no Brasil é de apenas 2,2 litros per capita/ano, o que significa em média, 160 ml por mês. Menos que uma picolla. Já nosso índice de leitura é de 4,96 livros por habitante/ano. Dito de outra forma, é como se fôssemos à livraria e comprássemos 0,4 livro por mês...

Infelizmente, apesar de harmonizarem perfeitamente, vinhos e livros compartilham uma questão um tanto quanto indigesta: como se tornar populares no país da cerveja e da televisão?


* Eliane Hatherly Paz é fã de Malbec, Touriga e Sauternes, e aprecia um Machado encorpado, um Pessoa intenso e um Leminski brut. Jornalista, doutora em Letras (PUC-Rio) e pesquisadora da história editorial brasileira, é pós-graduada em Book Publishing pela NYU e pela FGV.

[19/09/2017 07:00:00]