Clarice Lispector reconquista a Alemanha
PublishNews, Leonardo Neto, 23/02/2016
Missão de editores brasileiros na Alemanha visitam casa editorial de Clarice Lispector no País

Do final da década de 1980 até 2013, Clarice Lispector ficou praticamente esquecida pelos leitores alemães. Foi daí que a Schöffling & Co publicou O lustre, que ganhou grande repercussão e foi eleito como um dos melhores livros do ano por um programa de rádio. Em poucos dias, a editora viu a tiragem de três mil exemplares se esgotarem nas livrarias alemãs. O sucesso fez a Schöffling investir na compra de outros dois títulos que saíram agora, em fevereiro: A hora da estrela, traduzida por Luis Rubi (que também traduziu O lustre), e Perto do coração selvagem, romance de estreia da autora, traduzido por Ray-Güde Mertin e Corinna Santa Cruz.

A biografia de Clarice, escrita por Benjamin Moser, também é publicado pela Schöffling e a editora está em negociações avançadas para publicar Todos os contos, coletânea organizada por Moser apontada pelo New York Times como um dos melhores livros de 2015 e que ganhará sua versão brasileira pela Rocco.

A editora recebeu, na manhã desta segunda-feira (22), a visita de uma missão de editores independentes brasileiros que estão na Alemanha durante essa semana para uma série de encontros com o objetivo de estreitar as relações entre os dois países. O grupo de editores está no País a convite do governo alemão e ciceroneado pela Feira do Livro de Frankfurt. A missão é composta por Arnaud Vin (Grupo Autêntica), Beatriz Nunes de Sousa (Tordesilhas / Alaúde), Daniel Pellizari (Estação Liberdade), Isabel Diegues (Cobogó), Isabella Santiago (Zahar), Iuri Pereira (Hedra), Mariana Warth (Pallas) e acompanhada pelo PublishNews.

Editores brasileiros visitam Schöffling, casa que publica Clarice Lispector na Alemanha | © PublishNews
Editores brasileiros visitam Schöffling, casa que publica Clarice Lispector na Alemanha | © PublishNews

Além de ser a casa de Clarice Lispector na Alemanha, a Schöffling é conhecida por duas linhas editoriais bastante distintas. A primeira, uma coleção de calendários com citações literárias, em especial uma linha que traz gatos estampados. As “folhinhas” são responsáveis por financiar a segunda, com títulos literários, de ensaios e de memórias do Holocausto. Em média, a casa publica 25 títulos por ano, mais três ou quatro calendários.

Sabine Baumann, editora da Schöffling, foi quem recepcionou os editores brasileiros e a eles indicou um dos livros do catálogo da Schöffling. Lançado em 2011, Kaiserhofstraße 12, de Valentin Senger, conta a história de um homem judeu que, durante o Holocausto, esconde as suas origens e finge não ser judeu. O título integrou o festival One city, one book, que convidou todos os moradores de Frankfurt a fazerem uma leitura compartilhada da obra. “Durante o festival, fizemos tours guiados passando pelos endereços citados no livro. Ao fim, as pessoas perguntavam excitadas qual seria o próximo livro”, lembrou Sabine.

Reflexos da homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt

Depois do encontro com a equipe da Schöffling, os editores brasileiros fizeram uma reunião com Michael Kegler, que se apresentou como “tradutor e divulgador de literaturas de língua portuguesa” na Alemanha. Na contabilidade de Michael, em 2011, quando começou a desenhar a homenagem do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt, havia 60 títulos de autores brasileiros traduzidos para o alemão. Mais da metade, eram livros de Paulo Coelho. A outra metade, eram clássicos ou livros fora do catálogo. O cenário mudou no ano seguinte. “Com o apoio do Programa de Tradução da Biblioteca Nacional, entre 2011 e 2013, esse número dobrou. Os números divergem um pouco, mas foram algo entre 50 e 70 títulos lançados nesse período”, disse Michael.

O tradutor, no entanto, lamenta que, no ano seguinte, esse número caiu praticamente a zero. Em 2014, foram publicados na Alemanha O mundo inimigo, de Luiz Ruffato, pela Assoziation A; o e-book Bandeira negra, amor, de Fernando Molica, pela Edition Diá, e Noites de alface, de Vanessa Bábara, pela A1 Verlag. “Estamos cientes que nunca mais vamos chegar aos números de 2013, mas se chegar a dez títulos por ano já é um sucesso”, disse. “Dois mil e treze [ano em que o Brasil foi homenageado] foi muito bom. O problema foi a falta de continuidade”, observou o tradutor.

Em 2015, o número voltou a crescer. Foram publicadas traduções de livros de André Sant´Anna, Beatriz Bracher, Caio Fernando Abreu, Carola Saavedra, Daniel Munduruku, Luiz Ruffato, Marcelo Pimentel e Vanessa da Matta.

“Carola Saavedra, por exemplo, é um caso raro de escritora brasileira que chegou a ter um segundo título publicado na Alemanha [em 2013, publicou Paisagem com dromedário e em 2015, Flores azuis]. Hoje ela já não é conhecida como ‘autora brasileira’ e sim como ‘escritora’. Temos que sair dessa bolha de ser literatura brasileira e passar a ser literatura universal”, defendeu Michael.

[22/02/2016 21:01:41]