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SNEL divulga pesquisa sobre mercado editorial
PublishNews, 28/05/2014
SNEL divulga pesquisa sobre mercado editorial

O Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) divulgou pesquisa fruto de bolsa de estudo financiada pela entidade junto ao Instituto Coppead de Administração. Esse apoio resultou em uma tese de mestrado, de autoria de Leonardo Bastos da Fonseca, intitulada Crescimento da indústria editorial de livros do Brasil e seus desafios, orientada pela professora Denise Lima Fleck.

É uma iniciativa importante, até pela escassez de estudos analíticos e sistemáticos sobre o tema. A própria bibliografia apresentada no trabalho mostra uma abundância de matérias jornalísticas vis-à-vis à produção mais extensa e pesquisada.

Uma das caraterísticas significativas do estudo é a sua perspectiva de análise, centrada nas questões e temas da administração de empresas. Para quem, como eu, está mais familiarizado com conceitos da História e das Ciências Sociais em geral, a terminologia técnica usada apresentou algumas características esotéricas que nem sempre foram explicitadas no texto, limitado à indicação das referências de estudos e de trabalhos teóricos na área da administração de empresas. Essa abordagem via questões da administração de empresas oferece algumas perspectivas interessantes, embora em momentos perca uma visão sistêmica dos mecanismos de articulação propriamente sociais. A equiparação das empresas do setor como entidades individualizadas que se relacionam com outras do mesmo tipo lembra fortemente uma visão da sociedade como um simples mecanismo de relações entre indivíduos. Isso deixa de fora da análise condicionantes de ordem histórico-social significativos, embora o autor se esforce por incluir uma visão – ainda que às vezes isolada do contexto social mais amplo – da história do setor. Assim, o contexto social mais amplo fica entendido como “ambiente externo” às empresas e à sua dinâmica de relacionamento como entidades individualizadas. Uma mencionada “Teoria dos arquétipos de crescimento”, por exemplo, passou por toda a tese sem que eu conseguisse realmente entender do que se trata.

No final da pesquisa, sugerindo outras linhas de trabalho, o autor levanta a necessidade de análises individualizadas da trajetória das empresas. E cita dois casos: “O escopo da presente pesquisa não contemplou o levantamento interno junto às livrarias, editoras e distribuidoras sobre os sistemas, processos, pessoas e recursos dedicados ao gerenciamento das informações que são trocadas com outras empresas e que apoiam o processo de decisão”. É uma abordagem de viés claramente administrativo-editorial (nada contra, aliás), que mostra um possível caminho profissional para o autor. Sugere ele também “outra linha de investigação [que] diz respeito ao fim de editoras, livrarias e distribuidores. Como teria sido o processo de declínio dessas empresas, o que as levou à decadência e que lições podem ser tiradas para as empresas atuantes na IELB” (Indústria Editorial de Livros do Brasil, no acrônimo que ele usa) (p. 126/7). Lembro, aliás, o trabalho de Gustavo Sorá sobre a José Olympio (Sorá, Gustavo: Brasilianas: José Olympio e a Gênese do Mercado Editorial Brasileiro; São Paulo: Editora da Universidade de S. Paulo: Com-Arte, 2010) Há também um ruído constante com o uso de pseudo-conceitos em inglês e português ao mesmo tempo (slack/folga; stakeholders/acionistas; compliance/exigências), ou meramente descritivos (product-minded; Empire-builders). Mas são mais vícios acadêmicos. Afinal, dissertações de mestrados devem estar recheadas de referências...

O trabalho se fundamentou na análise das fontes de referência (o livro do Hallewell, certamente, é um dos pontos centrais para a análise feita das “etapas” de desenvolvimento da IELB); levantamento e análise do arquivo digitalizado do jornal O Estado de S. Paulo; mas o núcleo das observações sobre a situação se fundamenta em 41 entrevistas (39 entrevistados): seis autores, 11 livreiros, 15 editores, dois agentes literários, dois gráficos e três distribuidores. Perpassa no texto, também, a falta de familiaridade do autor com o funcionamento da indústria editorial, suprida tão somente por essas entrevistas. Não é explicitado o critério de escolha dos entrevistados e eu diria também que há omissões importantes de pessoas, em todos os segmentos. Não há observações sobre eventuais recusas de outros entrevistados.

No entanto, a análise mostra não apenas várias coincidências com percepções de outros estudos, como aponta para os possíveis efeitos danosos para as empresas, e para o próprio mercado editorial, relacionados com o que chamaria de “problemas estruturais” da industrial editorial brasileira.

Vamos repassar isso.

“A maior parte de livrarias e editoras não consegue criar disciplina para aprender sistematicamente com suas falhas e sucessos. A carência de informação e/ou análise sobre compradores e leitores, sobre o desempenho de títulos bem ou mal sucedidos e sobre a eficácia de estratégias passadas de produção, lançamento, distribuição, etc, dificulta o processo de aprendizado. Isso reforça a crença difundida na indústria de que o sucesso ou fracasso de determinado título é imprevisível e que depende “de boa dose de sorte”. Tal crença, por sua vez, retroalimenta o desinteresse pela (sic) indústria em estabelecer novos processos sistemáticos de registro e análise de informações que a conduzam ao aprendizado, a partir de seus erros, o que permitiria assim o aperfeiçoamento (exploiting) de suas funções (criação, seleção, produção e distribuição) e o melhor direcionamento de seus recursos” (p. 119).

No ponto. Mas ainda falta. Essa “crença” no acaso leva também à passividade na exploração e desenvolvimento de mercados específicos. Por exemplo, é crença na indústria editorial que só podem ser atendidos pedidos de um valor mínimo arbitrariamente definido pela editora. Ou seja, só vale vender se for em uma certa quantidade. Gabriel Zaid (Livros demais, Summus), já chamava atenção para um adágio: livro se vende um a um. Jeff Bezos, da Amazon, foi até mais longe: livro é commodity, um exemplar é igual a outro, e o importante é atender todos os que desejam aquele exemplar de um título (menos, é claro, quando ele está forçando a barra com as editoras, como faz agora com a Hachette, mas isso é outra história). O segmento do porta-a-porta (cuja importância, aliás, é pouco apreciada no trabalho) aprendeu isso e vai atrás do cliente onde ele esteja. A ideia da “sorte” no sucesso está por trás da preguiça em detectar os mercados específicos para cada título, o que pode transformar cada um deles em um sucesso relativo. Não que entre nas listas de best-sellers, mas que alcance todo o seu público potencial. Para isso, é preciso ter e analisar o máximo de dados dos compradores de todos e de cada um dos títulos. Ou seja, é imprescindível ter bons sistemas de metadados para recolher as informações de modo significativo e capacidade para analisa-los. Mas, como os editores sempre estão em busca do grande sucesso, acabam desprezando as potencialidades reais de cada título lançado.

E mais: “Por outro lado, identificamos que a falta de integração sistêmica entre os diferentes elos da cadeia produtiva se mantêm mesmo diante do aumento significativo de empresas atuando em cada uma das funções da indústria. A falta de sistemas que integrem a comunicação entre editoras, livrarias e distribuidores, impede a disponibilidade e prazo dos livros nas livrarias, gerando erros, falhas de comunicação” (p. 119). Outra observação no alvo. Recentemente, a entrada no mercado de empresas como a GfK e a Nielsen BookScan começou a suprir, em parte, essa deficiência. Mas a observação indica que os editores e livreiros consideram o investimento em informação como gastos, destinados eventualmente a satisfazer curiosidades, e não como um investimento fundamental para seu negócio. É verdade também que pequenas editoras eventualmente não possuem capital suficiente para adquirir e analisar essas informações. E partem para as lamentações, e não para a busca de soluções. “As livrarias pequenas também podem explorar mais ações conjuntas através de suas entidades de classe como ANL e AEL/RJ para, por exemplo, compartilharem melhores práticas comerciais e de gestão, uma vez que grande parte das livrarias independentes não concorre entre si. A aquisição de insumos, serviços, e até mesmo treinamento da equipe de vendedores poderiam ser realizados de forma coletiva. Os sistemas utilizados pelas livrarias também poderiam ser comprados de forma unificada (grifo meu. FL)”. Parece óbvio, mas quem vive o dia-a-dia das instituições do livro sabe o quanto isso é difícil.

Ainda sobre as livrarias: “As grandes redes de livrarias (físicas e virtuais) também dispõem de maior capacidade em termos de espaço e pontos de venda para viabilizar essas “apostas” de lançamento [...]. Muitas delas desenvolveram sistemas próprios de distribuição que lhes permitem maior capilaridade, cobertura geográfica e controle sobre a disponibilidade de livros físicos.” (p. 123).

Aqui, na minha opinião, o autor superestima a capacidade gerencial das redes e seus sistemas de gerenciamento de informações. Os investimentos em sistemas se dirigem muito mais para a segurança nas operações de venda do que no gerenciamento. As redes, na verdade, abriram espaços para a comercialização de seus espaços privilegiados. Dessa maneira, acabam é retroalimentando as deficiências das editoras, porque também não exigem qualidade gerencial. Esse aspecto fica particularmente evidente na observação das funcionalidades dos sites das grandes livrarias e cadeias. Só se acha algum título se já se sabe o que se procura. Não há busca eficiente por palavras-chaves e categorias. O curioso é que algumas dessas grandes livrarias, hoje redes de prestígio, cresceram no período pré-informática exatamente na busca de clientes, com ofertas levadas aos locais de trabalho dos lançamentos de cada área. Essa busca de desenvolver e cultivar clientes não foi acompanhada com mecanismos de busca e gerenciamento de ofertas. A Amazon, particularmente, dá uma surra em todas elas nessa área. Mas, mesmo na administração do estoque físico das lojas, o que se observa é uma desatenção crescente para o aspecto curatorial na seleção dos títulos presentes, e a pesquisa sugere que, principalmente para as pequenas livrarias, esse aspecto e o fortalecimento da livraria como “espaço cultural” são fundamentais para sua sobrevivência.

A pesquisa volta uma e outra vez à importância do estabelecimento de sistemas de avaliação e gerenciamento. “As editoras não costumam empreender buscas para entender porque parte significativa de seus lançamentos não foi economicamente rentável ou porque determinados títulos se tornaram um sucesso retumbante. [...] sem uma rotina sistemática de avaliação, as justificativas para o ‘fracasso’ de alguns títulos se resumem a explicações genéricas. [...] O mesmo acontece quando um livro é um sucesso em termos de vendas”. Na verdade, a precariedade dos sistemas da maioria das editoras é tal que às vezes não conseguem nem selecionar adequadamente títulos com temas similares para participar de programas específicos ou desenvolver sistemas de oferta (“Quem comprou esse livro também comprou....”).

Em relação ao livro eletrônico e ao desenvolvimento da impressão sob demanda, o estudo avança pouco, e as avaliações são parciais. Assinala que as editoras mantiveram (ou ainda mantem?) atitudes muito tímidas em relação ao livro eletrônico, e assinala o receio de que aumente a pirataria. A sobrevivência das pequenas livrarias e sua presença no mundo digital são tratadas de forma ligeira. Na verdade, o autor sugere que as pequenas livrarias não têm chance de competir no livro digital e deveriam se concentrar no cultivo do mercado circunvizinho e no fortalecimento da ação cultural dentro de seus espaços.

A impressão sob demanda passa também por esse mesmo tipo de avaliação: o processo tecnológico permite eventualmente o aumento da contrafação. Assinala a importância da impressão sob demanda para recolocar em circulação títulos que não mais comportam tiragens em máquinas planas ou rotativas, mas passa longe de compreender ou antever as imensas potencialidades logísticas que a impressão sob demanda pode proporcionar para a IELB.

Os temas e observações da pesquisa ainda nos levariam muito mais longe. Mas é importante destacar uma observação sobre os programas de compras governamentais. Leonardo Fonseca destaca corretamente a importância crescente, do ponto de vista econômico e financeiro, desses programas. E afirma que deixam as editoras em uma situação confortável e diminui o impulso pela busca de ampliação de mercado. É uma verdade, mas parcial, e revela, de certa maneira, as limitações da abordagem “administrativa” do trabalho. As compras governamentais hoje são decorrentes de uma demanda social fortíssima, vinculada inclusive à exigência de melhoria na qualidade da educação, e não simplesmente o resultado de pressão e demanda dos editores. Como nada é eterno, esses programas podem sofrer retrocessos, mas a sua continuidade está muito mais garantida pelas exigências sociais dos usuários do sistema de educação pública do que à pressão dos editores. Assim, a busca pela ampliação do mercado não-governamental deve ser vista no contexto de aproveitamento máximo das possibilidades do mercado potencial.

Enfim, como já disse, muitos outros temas e percepções são vislumbrados pela pesquisa. Nem sempre concordo com as conclusões, mas, no seu conjunto, trata-se de importante e valiosa contribuição para o entendimento da indústria editorial brasileira. Pode, inclusive com o fortalecimento dessa visão “gerencial-administrativa” dos problemas, motivar e orientar editores, distribuidores e livreiros para enfrentarem seus desafios e continuarem crescendo sem algumas das distorções e deficiências detectadas.

No entanto, cabe uma palavra final sobre a própria capacidade da IELB de investir em formação, conhecimento e métodos. O caráter inédito da pesquisa, sua excepcionalidade na abordagem a partir das questões de administração de empresas, revela que a indústria editorial brasileira está longe de compreender a importância de manter esse tipo de atividade de forma sistemática. O exemplo mais evidente de uma maneira proativa e sistemática de enfrentar os desafios da indústria editorial, para mim, é o BISG – Book Industry Study Group, mantido pelos editores dos EUA. O BISG não apenas desenvolve pesquisas sistemáticas e continuadas, como também estabelece padrões – O ONIX, por exemplo e, mais recentemente, o “Thema”, sistema de metadados de assuntos que já conta com a participação de doze países em sua elaboração (o Brasil está fora) – assim como a edição de manuais das “melhores práticas” em várias áreas. Na Europa também existem experiências similares (de iniciativa da indústria ou sob responsabilidade estatal, como na França), mas no Brasil pouco se faz, além da pesquisa sobre produção (CBL/SNEL, hoje executada pela FIPE e sobre a qual já manifestei aqui várias restrições) e o “Retrato da leitura no Brasil”, que teve uma primeira edição em 2000 feita pela CBL, patrocinada pela Bracelpa, e mais duas sob a responsabilidade do Instituto Pró-Livro. Importantes, mas insuficientes.

Como o estudo foi o primeiro, quem sabe conseguiremos chegar a algo semelhante?

Felipe Lindoso é jornalista, tradutor, editor e consultor de políticas públicas para o livro e leitura. Foi sócio da Editora Marco Zero, diretor da Câmara Brasileira do Livro e consultor do CERLALC – Centro Regional para o Livro na América Latina e Caribe, órgão da UNESCO. Publicou, em 2004, O Brasil pode ser um país de leitores? Política para a cultura, política para o livro, pela Summus Editorial. Mantêm o blog www.oxisdoproblema.com.br. Em sua coluna, Lindoso traz reflexões sobre as peculiaridades e dificuldades da vida editorial nesse nosso país de dimensões continentais, sem bibliotecas e com uma rede de livrarias muito precária. Sob uma visão sociológica, ele analisa, entre outras coisas, as razões que impedem belos e substanciosos livros de chegarem às mãos dos leitores brasileiros na quantidade e preço que merecem.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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