Um jeito diferente de ensinar a cozinhar
PublishNews, 15/06/2012
Um jeito diferente de ensinar a cozinhar

Minha amiga Karina quer aprender a cozinhar e pede sugestões de livros indicados para principiantes. Vou à estante e logo encontro dois títulos: Professoras na cozinha (Senac São Paulo, 386 pp., R$ 79), de Laura de Souza Chauí e Marilena de Souza Chauí, e Revolução na cozinha (Globo, 360 pp., R$ 78 – Trad. de Leonardo Antunes), de Jamie Oliver. Ambos tratam do beabá: começam listando utensílios indispensáveis e ingredientes básicos antes de partir para receitas triviais (arroz, feijão, bife e batata, no livro brasileiro) ou um pouco diferentes (massas, curries, saladas e sopas, no volume britânico), tudo simples e, de preferência, rápido, escrito para quem não tem muita intimidade com o fogão

Mas ultimamente tem aparecido um tipo diferente – e muito bem-vindo – de livro de cozinha, que não ensina apenas a refogar a cebola e dar uma fritadinha no arroz antes de juntar a água e tampar a panela. São obras que, em lugar de listar ingredientes e o modo de preparo das receitas, revelam o funcionamento de técnicas básicas e incentivam os leitores a pensar sobre a comida, estimulando o conhecimento e a capacidade de cada um. Dois exemplos lançados recentemente no Brasil foram escritos por Harold McGee, um ex-professor de literatura e escrita que, desde a década de 1980, dedica-se a desvendar a ciência culinária: Dicas para cozinhar bem (Zahar, 576 pp., R$ 69,90 – Trad. Camila Werner) e Comida e cozinha (WMF Martins Fontes, 977 pp., R$ 125 – Trad. Marcelo Brandão Cipolla). De início, McGee pode parecer um tanto árido ao falar sobre a anatomia dos peixes, as enzimas do tomate e o efeito da temperatura nas propriedades físicas e químicas dos alimentos. Mas ao trocar as fórmulas prontas por informações e boas histórias sobre o surgimento e a evolução de pratos variados, ele também explica que a berinjela não deve ser mantida por muito tempo na geladeira e que os resquícios de gema interferem na formação da espuma quando as claras são batidas em neve.

Nos Estados Unidos saiu An everlasting meal (Scribner, 272 pp., US$ 25), de Tamar Adler, que faz a linha do “comer bem com menos” tratada brilhantemente por M.F.K. Fisher em Como cozinhar um lobo (Companhia das Letras, 248 pp., esgotado – Trad. Pedro Maia Soares). Mas Adler, ao contrário de Fisher, não escreve em época de guerra ou de privações, e por isso seus textos, pontuados apenas aqui e ali por receitas convencionais, deixa qualquer um com vontade de ir para a cozinha testar as sugestões imaginadas por ela para aproveitar melhor os legumes de cada época ou fazer bom uso de uma panela de água fervente.

Os livros de McGee e de Tamar Adler são apenas uma amostra de obras escritas não para aprender a cozinhar, mas para aprender a gostar de cozinhar.

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Pequeno complemento à minha última coluna: depois de escrever cinco livros sobre massas, Giuliano Hazan – filho de Marcella Hazan, professora respeitada e autora de ótimos títulos sobre a culinária italiana – está passando o chapéu para conseguir a verba necessária ao desenvolvimento de seu enhanced e-book, a um custo estimado de US$ 19.950. Faltam três semanas para terminar o prazo de sua vaquinha eletrônica e ele ainda não arrecadou nem metade do valor. Diante disso, eu me faço duas perguntas: a) se mesmo um profissional conhecido e de sucesso, como Giuliano, não conseguiu que nenhuma editora bancasse seu projeto, quem há de conseguir?; b) será que um livro de cozinha digital, ainda que cheio de imagens e com diversos vídeos, como promete o chef, precisa mesmo custar essa pequena fortuna para ser produzido? (Mais: e como se pagaria?) Falta alguém descobrir o caminho do meio – e eu aposto que existe não apenas um, mas vários meios-termos possíveis.

[14/06/2012 21:00:00]