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“Magnólia” – O valor de cada área no projeto editorial
PublishNews, 18/01/2012
“Magnólia” – O valor de cada área

Cresci ouvindo uma história que versava sobre a importância de um parafuso numa engrenagem gigante. Cada um tinha sua importância e mesmo aqueles célebres, feitos de material nobre, não poderiam executar bem suas tarefas sem que o minúsculo parafuso de ferro fizesse a sua parte. Este é o tema da coluna de hoje.

Para quem gosta de um pouco de filosofia, psicanálise ou simplesmente um ótimo entretenimento, “Magnólia” tem tudo isso. Com um elenco incrível (Juliane Moore, Philip Seymour Hoffman, Alfred Molina, Tom Cruise, numa criação interessante, William H. Macy, Jason Robards e muitos outros), vale a pena descobrir ou rever esse filme. Nele há espaço para excelentes atuações de quase todo mundo, pois não é uma história com foco no olhar de uma pessoa, mas de várias, que se conectam ao final, sem forçar a barra como fazem alguns filmes, entre eles “Crash – sem limites”, onde o bom vira mau e o mau parece bom. Não, “Magnólia” não tem esses clichês e coisas que foram criadas nele já foram repetidas em outros filmes, de tão boas. Quem gostou de “Beleza americana”, “Short cuts”, “Amores brutos” ou “A pele que habito” pode gostar deste.

O filme conta um dia na vida de nove personagens, mostrando seus dramas, sonhos, desesperos e busca por felicidade. Uma criança que é usada pelos pais para vencer em concursos de perguntas no estilo “Quem quer ser um milionário?”; um adulto, que parece ser a versão adulta da criança, só que com todas as consequências de ter perdido sua vida e se tornado um objeto de disputa dos pais, que se separaram; uma mulher que se casou com um velho pelo dinheiro e descobre, quando ele está para morrer, que o ama; um homem que cresce odiando o pai que abandonou sua mãe quando ela estava com câncer, deixando-o sozinho para cuidar dela, e ainda uma jovem que se tornou dependente de drogas e, com a ajuda de alguém que a ama, consegue quebrar o silêncio a respeito do fato que a levou ao comportamento autodestrutivo.

É um filme longo, de três horas, mas que voam. Apesar de fortes, as histórias se desenrolam com delicadeza, sem tentar emocionar os leitores mais do que a história permite. Pelo contrário. Os personagens, ainda que sejam bem diferentes, não buscam essa emoção fácil. Ou deve ser o roteiro e a direção cuidadosa de Paul Thomas Anderson (“Boogie nights”, “Sangue negro”) ou o motivo pelo qual me parece um filme que considero indispensável.

A película mostra como as atitudes acontecem em cadeia, levando a outras, a outras, até que provoquem o efeito final. Na abertura, que vale a pena ver e rever, há um vídeo-documentário que parece totalmente deslocado da história da Rua Magnólia, mas que fornece a mensagem central. São vídeos antigos, narrados como se fossem histórias policiais, em que coisas fatais acontecem quase como um golpe do destino. Numa delas, um casal que briga escandalosamente todos os dias, chegando a disparar tiros com a arma descarregada, acaba por acertar o corpo do próprio filho, que, na hora da briga, jogava-se da janela em suicídio do andar de cima. Como fora morto não pela queda, mas pelo tiro, ainda que por acidente, o casal vai para a cadeia pelo assassinato do filho(que é quem tinha carregado a arma, pois não agüentava mais as brigas). São três incríveis coincidências. Mas prefiro pensar que me parece um destino cavado pelas próprias vítimas. Veja o vídeo. A cena é tragicômica, como se fosse um filme mudo de Chaplin, e esse é um dos traços da obra.

Talvez seja um fato mais recente, por conta de utilizarmos muitos colaboradores freelancers, mas toda a minha memória da área editorial indica que, mesmo ela sendo a responsável pela atividade fim de uma editora, há quase sempre um número maior de funcionários trabalhando nos departamentos administrativo, financeiro, comercial/marketing que editorial. Eles interferem no sucesso/fracasso de um lançamento com detalhes muito sutis – de práticas administrativas, fiscais, tecnológicas etc - e podem levar uma empresa a qualquer dos patamares, para o bem ou para o mal.

Creio que ser editor é uma das atividades mais perigosas. Deveria se ganhar algum adicional de insalubridade. Há o risco de ficar egocêntrico (por ser quem publica aquilo que outros terão a oportunidade de ler) ou de ficar isolado, e ainda há o peso de responsabilizar-se por palavras diante de uma grande massa crítica, o que pode levar a processos judiciais (mais especialmente no passado) e, atualmente, a ameaças no Twitter ou Facebook. Mas a principal dificuldade é lidar com a frustração de ver um livro, pensado e planejado durante vários meses e até anos, perder suas chances de chegar ao público, quando lançado, por alguma falha no processo industrial/administrativo. E penso que, como essas falhas acontecem o tempo todo, parte delas ocorre porque os demais setores envolvidos no processo do livro não conhecem a trajetória do projeto.

Em linhas gerais, um livro para ser contratado precisa de um autor que coloque nele a bagagem de sua vida. Alguns carregam 40 anos de pesquisas, outros uma história comovente da infância, guardada no coração para um dia ser compartilhada com as pessoas. É a memória do holocausto como as de Anne Frank; a experiência política de Gandhi, que mostrou como poderia divergir sem violência; ou a história da mulher comum que se apaixonou num grande navio por outro homem e largou o seu marido. E o navio naufragou. São histórias que podem não ter transformado muitas pessoas no mundo, mas só teriam chances de ser contadas para uma grande audiência numa oportunidade. Assim acontece com um livro.

Vi muitos lançamentos serem atropelados por erros bobos: fiscais, gráficos; erros de projeto, de estocagem, de prazo; a perda de uma data importante, a chegada ao ponto de vendas em data distante da campanha de marketing ou da divulgação na imprensa; o envio de convites em cima da hora, o não envio de livros para a cidade onde o autor é conhecido; a livraria que coloca a obra numa seção inadequada, a falta de crédito do autor de todas as fotos, desenhos ou ilustrações... Daria para fazer uma grande lista. Certa vez, o papel de um livro que editei foi trocado em cima da hora, mas a gráfica não pediu a alteração de lombada. Resultado: Dois anos de trabalho, 40 autores envolvidos e o livro novo dava a impressão de ser um livro de saldo, pois a capa parecia ter sido reaproveitada, escapando da área em que deveria estar e entrando na lombada. E eu poderia dar mais exemplos, como um “shrink” desnecessário, que inibe a abertura de um livro, ou a falta de envio de exemplares para um evento importante – como uma feira de Porto Alegre – onde o autor é o grande palestrante.

Foi-se o tempo (e eu presenciei) em que os departamentos editoriais eram os bons numa editora. Adoro que isto seja passado, pois não enxergo superioridade em uma área que não se movimenta de forma independente. Mas creio que vale a pena dar a conhecer a todos os outros departamentos como um livro nasce, quanta negociação existe, quanta expectativa está envolvida, qual é seu objetivo, que público visa atender; por que ele não deve sair “shirinkado”, por que deve ser colocado na prateleira correta, por que o pagamento de direitos autorais deve ser feito na data indicada ou o atraso deve ser avisado, por que o relatório de prestação de contas deve ser claro, objetivo. Um único fato como o do livro ser catalogado em seção errada (seja pelo assistente editorial, pelo setor comercial da editora ou pelo setor de compras da livraria) e todo o trabalho vai para o espaço, pois o livro não vai ser encontrado. Todos esses cuidados podem indicar se a editora conseguirá ter acesso àquele que pode ser o próximo grande best-seller, que vai manter todos trabalhando com felicidade, ou se reduzirá sua participação no mercado, deixando muitos sem emprego.

Permitir que os setores de toda a empresa conheçam essa variedade de ações e etapas na produção de um livro pode não evitar todos os problemas, mas acredito em duas vantagens. Primeiro, compartilha a felicidade de se trabalhar numa empresa editorial, aproximando as áreas mais distantes e dignificando a finalidade de cada uma no processo. Em segundo lugar, favorece um diálogo maior entre áreas distintas, reduzindo ruídos e convergindo as forças para um objetivo: atingir o maior número de leitores.

Até a próxima coluna. Comentem em meu blog.

Pedro Almeida é jornalista profissional e professor de literatura, com curso de extensão em Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões. Atua no mercado editorial há 26 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Saraiva. E como editor associado para Arx; Caramelo e Planeta. É professor de MBA Publishing desde 2014 e foi presidente do Conselho Curador do Prêmio Jabuti entre os anos 2019 e 2020. Em 2013 iniciou uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial.

Sua coluna traz exemplos recolhidos do cinema, de séries de TV que ajudam a entender como funciona o mercado editorial na prática. Como é o trabalho de um ghost writer? O que está em jogo na hora de contratar um original? Como transformar um autor em um best-seller? Muitas dessas questões tão corriqueiras para um editor são o pano de fundo de alguns filmes que já passaram pelas nossas vidas. Quem quer trabalhar no mercado editorial encontrará nesses filmes algumas lições importantes. Quem já trabalha terá com quem “dividir o isolamento”, um dos estigmas dos editores de livros. Pedro Almeida coleciona alguns exemplos e vai comentá-los uma vez por mês.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews

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