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Em meio a disputa de herdeiros, Cecília Meireles volta às livrarias

Escritora tem dois boxes e obra reunida em papel-bíblia
500 ANOS - BRASIL 500 ANOS - REGIONALISMO - CECÍLIA MEIRELES, EM FOTO DE 1965. CDI Foto: A autora Cecília Meireles, que tem sua obra relançada / Arquivo
500 ANOS - BRASIL 500 ANOS - REGIONALISMO - CECÍLIA MEIRELES, EM FOTO DE 1965. CDI Foto: A autora Cecília Meireles, que tem sua obra relançada / Arquivo

RIO — Com a chegada ao mercado, neste mês, de dois boxes (“Poesia completa”, em dois volumes, e “Crônicas de educação”, em cinco), a Global Editora encerra a primeira etapa de trazer novamente ao leitor a produção mais conhecida de Cecília Meireles , que até 2011 tinha ficado sem reedições, durante quase dez anos, devido a brigas na Justiça envolvendo o pagamento de direitos autorais.

Outra boa notícia é que a obra reunida da escritora carioca sai do prelo em 2018, no clássico papel-bíblia da Nova Aguilar, que também faz parte do Grupo Global. E ainda haverá novidades.

— O essencial de Cecília já está de volta: a poesia completa e uma boa parte do que ela escreveu em prosa, principalmente as crônicas. Mas ainda há muito a descobrir, porque a obra dela é muito mais vasta do que imaginamos — adianta André Seffrin, coordenador editorial da obra.

“Tem mais de 30 anos que esta história se arrasta. Revolvê-la de novo não ajuda em nada. A obra de minha avó é que estava sendo prejudicada.”

Alexandre Teixeira
Neto de Cecília Meireles

Professora, jornalista e pintora, Cecília Meireles foi uma das mais celebradas poetas e escritoras brasileiras, com livros admirados por todas as faixas etárias. Não por acaso, ganhou prêmios importantes como o Jabuti — um em 1963, pela tradução do livro “Poemas de Israel”, e outro em 1964, pelo livro “Solombra”. Em 1965, um ano depois de sua morte, recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.

MUITO A SER DESCOBERTO

Seffrin diz que a Cecília cronista ganha cada vez mais destaque, e que também deve alcançar mais visibilidade nos próximos anos o seu trabalho como ensaísta, com estudos seminais sobre arte popular e folclore.

— Permanece inédita em livro a maior parte das crônicas que ela escreveu para jornais e revistas, dos ensaios, conferências e, principalmente, a correspondência dela. É material ainda pouco conhecido, ao qual tiveram acesso alguns pesquisadores e leitores mais assíduos. As centenas de cartas que escreveu ao poeta português Armando Côrtes-Rodrigues, por exemplo, só foram editadas nos Açores, em 1998 — explica o editor.

— Quanto a outros inéditos, como os manuscritos, é material de fato muito vasto, e sua publicação tem sido realizada ao longo do tempo, desde os anos 1970. Um trabalho que envolveu dezenas de pesquisadores e ainda vai envolver muitos outros. Aguardemos, portanto.

Segundo Luiz Alves Junior, fundador e diretor-geral do Grupo Global, desde 2011, quando foi assinado o contrato com a Solombra, agência literária que negocia a obra de Cecília, já foram publicados cerca de 60 títulos da autora:

— Antes disso, Cecília ficou fora do mercado, com sua obra estagnada. Com os dois boxes, encerramos o trabalho inicial de edição desta obra. E agora vai sair uma edição em papel-bíblia. Serão quase quatro mil páginas.

VIDA MARCADA POR TRAGÉDIAS

A vida de Cecília Meireles é marcada por perdas amorosas e pela solidão. Nascida em novembro de 1901, ela não chegou a conhecer o pai, que morreu pouco antes, e perdeu a mãe aos 3 anos, tendo sido criada pela avó materna. Começou a escrever poemas aos 9 anos, e aos 18 publicou o primeiro livro, “Espectro”, uma coleção de 17 sonetos.

Casou-se em 1922 com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve três filhas. Deprimido, o marido se suicidou em 1935. Cinco anos depois, ela se casou novamente com o professor Heitor Vinícius da Silveira Grilo. Cecília morreu de câncer em 1964, dois dias depois de completar 63 anos.

Os títulos mais vendidos de Cecília Meireles atualmente são “O menino azul”, “Ou isto ou aquilo”, “Romanceiro da Inconfidência”, “Canção da tarde no campo” e “As palavras voam”.

Com exceção de “Romanceiro”, os demais são infanto-juvenis e estão em alta graças à adoção destes títulos por escolas, como leitura paradidática. O campeão de audiência, “O menino azul”, por exemplo, fez parte da campanha Leia para uma criança #issomudaomundo, do Itaú Social. O sucesso foi tão grande que em uma semana os pedidos esgotaram a tiragem de 1,6 milhão de exemplares.

Com todo esse sucesso de público, uma pergunta intriga seus leitores: por que uma poeta e cronista tão querida, especialmente pelas crianças, ficou tanto tempo afastada do mercado?

A resposta está com os herdeiros de Cecília, que não chegaram a um acordo quanto à administração da obra da escritora e ainda brigam na Justiça por seus direitos autorais.

DISPUTA SE ARRASTA HÁ 30 ANOS

Tudo começou com um documento de cessão de direitos que uma das três filhas de Cecília, Maria Mathilde, teria assinado pouco antes de morrer, em 2007, em favor do sobrinho Ricardo Strang, filho de Maria Elvira, deserdando seus próprios filhos, Alexandre Teixeira, Fátima Dias e Fernanda Dias. Alexandre, no entanto, continuou administrando os direitos autorais relacionados à obra da avó, via agência Solombra.

A assinatura do acordo comercial com a editora foi possível porque Strang acabou ficando com dois terços dos direitos autorais, e tem o apoio do primo Alexandre.

Sentindo-se lesada, no entanto, a atriz Maria Fernanda (única filha viva da escritora) juntou-se às sobrinhas Fátima e Fernanda e moveu uma ação contra Ricardo, que, por força de uma sentença judicial, deveria lhe repassar cerca de R$ 2 milhões em direitos autorais atrasados, segundo o advogado dela, Roberto Halbouti.

— Ele está sendo executado — diz Halbouti, que chegou a questionar a autenticidade da assinatura de Maria Mathilde no polêmico documento. — A assinatura foi julgada autêntica, mas é muito estranho que um documento não fale em preço. Ela poderia ter assinado um papel em branco...

Alexandre Teixeira não gosta de falar sobre o assunto:

— Tem mais de 30 anos que esta história se arrasta. Revolvê-la de novo não ajuda em nada. A obra de minha avó é que estava sendo prejudicada. O contrato foi assinado por quem tem dois terços dos direitos sobre a obra. Graças a isso, ela está podendo voltar a ser editada.

Já o editor Luiz Alves Júnior faz questão de frisar que a Global não tem qualquer problema com os herdeiros:

— A briga é deles. A Global tem uma relação fantástica com todos, que recebem seus direitos autorais, alguns em juízo. Estamos fazendo um trabalho de alto padrão. E já quebramos o recorde de venda de Cecília Meireles.

Capa do box "Crônicas de educação", de Cecília Meireles Foto: Divulgação / Divulgação
Capa do box "Crônicas de educação", de Cecília Meireles Foto: Divulgação / Divulgação

“Crônicas de Educação”

Cecília Meireles

Crônicas

Global Editora

1.152 páginas

R$ 199

Capa do box "Poesia completa", de Cecília Meireles Foto: Divulgação / Divulgação
Capa do box "Poesia completa", de Cecília Meireles Foto: Divulgação / Divulgação

“Poesia completa”

Cecília Meireles

Poesia

Global Editora

1.956 páginas

R$ 199