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Acervo de Lima Barreto vira ‘memória do mundo’ da Unesco

Páginas reúnem dissabores, angústias, inquietações e reflexões do escritor

Lima Barreto
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Arquivo
Lima Barreto Foto: Arquivo

RIO — No dia 3 de janeiro de 1905, Lima Barreto escreveu, em seu diário: “Resolvi fazer dessa nota uma página íntima, tanto mais íntima que é de mim para mim, do Afonso de vinte e três anos para o Afonso de trinta, de quarenta, de cinquenta anos”.

Morto aos 42 anos (em 1922), o escritor não pôde rever, aos 50, as páginas íntimas em que despejava dissabores, angústias, inquietações e reflexões sobre seu cotidiano no Rio de Janeiro. Mas elas foram preservadas, e fazem parte, com outros 1.100 documentos, aproximadamente, do Arquivo Lima Barreto, da Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Todos eles integram, a partir deste mês, o Programa Memória do Mundo, da Unesco.

Não é a primeira vez que o título é concedido a um acervo da Biblioteca Nacional, mas trata-se de uma conquista importante num ano em que o autor de “Triste fim de Policarpo Quaresma” tem merecido destaque — foi o homenageado da 15ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty. Ainda que não ofereça aportes financeiros diretos, o projeto ajuda na divulgação dos arquivos contemplados.

— Esse título dá mais visibilidade ao acervo, muitas vezes ajudando a trazer patrocínios. Também podemos usar o selo Memória do Mundo para publicações futuras desse material — diz Ana Lucia Merege, da Divisão de Manuscritos da biblioteca e responsável pelo processo de inscrição no edital do órgão das Nações Unidas. Segundo ela, é um espaço importante de reconhecimento do valor do material preservado.

— Temos os originais literários dele e os diários. E também anotações sobre literatura e correspondência com nomes importantes da época, como Monteiro Lobato, que foi editor de Lima, e Olavo Bilac. Trata-se de uma obra que abordou importantes questões sociais e culturais. Traça um panorama do Rio e do país na virada do século — avalia ela.

O Arquivo Lima Barreto inclui ainda recortes de jornais e material relativo à publicação de livros (contratos, recibos, faturas...), além de documentos pessoais. Todos os itens estão sendo digitalizados pela Biblioteca Nacional, que prevê submeter à Unesco outros acervos sob sua guarda.

— É possível propor parcerias quando não é todo o material que está aqui. Poderíamos fazer isso no caso de Carolina de Jesus — explica ela, referindo-se aos originais e outros documentos da autora de “Quarto de despejo”, depositados em mais de uma instituição.