RIO - Nascida no Iluminismo, a ideia de “progresso” foi um amálgama para uma sociedade que assistia à primeira revolução tecnológica, que colocava Deus em xeque e buscava as respostas para as questões mais fundamentais através da razão, e depois da ciência. A civilização caminhava para frente rumo à terra prometida do futuro. Passados mais de três séculos, a utopia do progresso está mais para a distopia ambiental e humanitária. Com o objetivo de refletir sobre o que aconteceu, o ciclo de conferências “Mutações”, capitaneado por Adauto Novaes, começa na próxima terça-feira com o tema “Dissonâncias do progresso”. A palestra inaugural será do filósofo e professor da USP Vladimir Safatle, cujo título é “Teoria da revolução, progresso e emergência”, às 19h, no Teatro Maison de France. Em diálogo com Marx, Safatle vai discutir como a produção do excesso no capitalismo engendra um sistema contínuo de contradições e, consequentemente, de crises. Na ocasião, será lançado o livro do último ciclo, “Entre dois mundos” (Edições Sesc).
Novaes destaca que “progresso” não chegar a ser um conceito.
— Progresso é uma forma, talvez menos do que isso, um clichê e um slogan. Sem conteúdo, mas com um enorme efeito sobre a Humanidade, posto que se tornou uma crença. Tanto a esquerda quanto a direita se encontram no elogio ao progresso. Se você for pensar bem, os partidos de esquerda e direita não questionam a ideia de progresso — afirma Novaes.
Ao longo das conferências do ciclo, que vão acontecer no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em Brasília até o fim de outubro, os convidados vão abordar as origens da ideia de progresso no Iluminismo, a transformação por que ela passou e seus diversos desdobramentos. No dia 27, Marcelo Jasmin, professor do Departamento de História da PUC-Rio, vai apresentar a conferência “Civilização, des-civilização e violência” e, no dia 18 de outubro, a francesa Céline Spector vai tratar de “Civilização e desrazão — Ambivalências das Luzes”.
— Nietzsche diz que é preciso olhar como as coisas se constituíram na sua origem — diz Novaes. — O progresso virou quase uma religião. De repente, ele ganhou uma autonomia muito grande em relação à própria organização da sociedade. Virou um fim em si mesmo.
O organizador do ciclo há 31 anos conta que esta edição é também uma forma de resistência: pela primeira vez, o Ministério da Cultura não autorizou que o projeto captasse recursos através da Lei Rouanet, sob a justificativa que o “Mutações” não seria um projeto cultural. Assim, o dinheiro arrecadado com as inscrições — através do site www.mutacoes.com.br — será utilizado para arcar com os custos de passagem e hospedagem dos convidados.
— São 31 anos de ciclo, 37 livros publicados, três prêmios Jabuti. Nada disso serviu. Os conferencistas vêm generosamente. Eles (do Estado) têm medo do pensamento — critica Novaes, que contou com o apoio da Embaixada da França e do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais.