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Na Flip, a vez das editoras independentes

Pela primeira vez na seleção oficial, pequenas editoras ganharam visibilidade
Raquel Menezes, da Oficina Raquel, e Mariana Warth, da Pallas Foto: Ana Branco / O Globo
Raquel Menezes, da Oficina Raquel, e Mariana Warth, da Pallas Foto: Ana Branco / O Globo

RIO — A tão comentada pluralidade da 15ª Festa Literária Internacional de Paraty, encerrada no último domingo, não se resumiu apenas aos autores, ao público nas ruas e aos temas debatidos nas mesas. Estendeu-se também às editoras que participaram do evento. Nunca uma edição havia reunido tantas casas independentes em sua programação principal. A grande maioria dos escritores convidados estava representada por pequenas editoras, incluindo duas das principais atrações, a ruandesa Scholastique Mukasonga, que lançou, pela Editora Nós, dois livros no Brasil (“Nossa Senhora do Nilo” e “A mulher dos pés descalços”); e Conceição Evaristo, que chegou no evento com várias obras publicadas pela Pallas e pela Malê.

Para várias editoras, foi a chance de estar pela primeira vez no centro do evento e atingir um novo patamar. O impacto nas vendas e na visibilidade é imenso, assim como o desafio de se adequar sua estrutura às novas exigências. Ao se lançar na aventura de publicar Scholastique, uma premiada autora de renome internacional, a novata Nós teve que negociar os direitos com uma das principais editoras do mundo, a francesa Gallimard, e correr contra o tempo para traduzir dois livros em três meses. Também quadriplicou sua tiragem: em vez dos mil exemplares habituais, imprimiu 4 mil para cada um dos títulos da autora.

MARKETING DE GUERRILHA

O esforço compensou. “A mulher dos pés descalços” foi o segundo livro mais vendido na festa; “Nossa Senhora do Nilo”, o quinto. Em apenas três dias, a editora vendeu mil exemplares, sem contar os eventos da pós-Flip.

— Para nós, ter um autor na programação principal pela primeira vez foi um divisor de águas — diz a diretora editorial Simone Paulino, que fundou a Nós em 2015. — Mas há todo um desafio de profissionalismo e investimento. Não dá para confundir independência com amadorismo.

Há quatro anos no mercado, a Relicário esteve na programação com o livro “Jamais o fogo nunca”, da chilena Diamela Eltit. Segundo a editora Maíra Nassif, o evento trouxe “uma visibilidade imediata”.

— Enquanto do ponto de vista da produção fazemos os livros tão bem ou até melhor que as grandes editoras, no aspecto da divulgação e na distribuição estamos quase sempre atrás, pois dependem da concessão de um espaço por terceiros. Estarmos pela primeira vez no evento promove certa inversão de papéis: se antes éramos nós a implorar por espaço, dessa vez passamos a ser solicitados.

A chancela da Flip, diz Maíra, abre portas antes fechadas para as editoras menores.

— Funciona como um passaporte, atestando o que há muito já sabíamos e tentávamos dizer: que apesar de independentes não somos amadores. Que independência e pequeno porte não são sinônimos de precariedade ou ausência de qualidade.

Embora estivesse na programação principal com “Livro aberto: leituras da Bíblia”, de Frederico Lourenço, Raquel Menezes, da Oficina Raquel, também aproveitou os eventos paralelos da Flip e compensou a estrutura menor da editora com marketing de guerrilha. Deu certo: seu livro ficou entre os 20 mais vendidos.

— Na Flip, as editoras pequenas precisam se virar nos trinta — diz. — A programação paralela, da Casa Libre e Nuvem de Livros, nunca esteve tão cheia e isso ajudou no sucesso das independentes.

Mariana Warth, da Pallas, viu sua autora, Conceição Evaristo, se transformar na estrela da festa literária. Antes mesmo de sua mesa, no domingo, último dia do evento, a escritora já vinha vendendo bem ao longo dos debates da programação paralela. Na sexta, quando a Livraria da Travessa pediu nova remessa, não havia mais como transportá-la, conta Mariana. No final, faltou livro. Dois dos três títulos de Conceição, “Olhos d'água” e “Ponciá Vicêncio”, esgotaram durante a sessão de autógrafos após a mesa. A editora acha que poderia ter vendido mais.

— A livraria subestimou seus pedidos para a Flip — lamenta. — O pedido de reposição só veio na sexta, depois das 19h. Impossível de atender.

Sócio da Travessa, Rui Fausto explica que, em função da crise, fez pedidos menores para todas as editoras. Antes do evento, ele trabalhava com uma redução de 30% no total das vendas; para sua surpresa, aconteceu o contrário: um aumento de 30%. Segundo Fausto, as editoras maiores usaram até helicóptero para fazer a reposição. Já as independentes não tiveram os mesmos recursos.

A diversidade que norteou a curadoria da jornalista Joselia Aguiar, em seu primeiro ano na função, foi elogiada no fim do evento. Mas também houve críticas à falta de nomes mais conhecidos na programação. Grandes editoras reclamaram que ofereceram autores consagrados e que não foram aceitos pela curadoria.

Para Mariana Warth, as casas independentes aumentaram seu protagonismo este ano justamente por oferecer o tipo de título arriscado e provocador que a curadoria buscava; já Simone Paulino vê as escolhas como um reflexo natural da sociedade e do mercado.

Joselia, por sua vez, confirma que a opção por editoras independentes foi uma proposta da curadoria.

— Como jornalista de livros, eu já vinha acompanhando bem essas iniciativas. Notava um crescimento cada vez maior. Quando me tornei curadora, procurei as independentes e também fui procurada por elas. Conheci os catálogos, sugestões etc. Queria ter o quadro mais amplo possível para fazer escolhas mais variadas.