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‘A resistência’ consagra curta trajetória de Julián Fuks como escritor

Terceiro romance do autor foi premiado no Jabuti e no Oceanos
Premiado. Julián Fuks escreveu ‘A resistência’ a pedido do irmão mais velho, Emi, após um processo de terapia familiar para melhorar curar feridas Foto: edilson dantas/ agência O globo
Premiado. Julián Fuks escreveu ‘A resistência’ a pedido do irmão mais velho, Emi, após um processo de terapia familiar para melhorar curar feridas Foto: edilson dantas/ agência O globo

Tudo começou há dez anos, quando o escritor paulistano Julián Fuks e sua família passaram por um processo de terapia para melhorar a relação e o convívio entre eles. Filho dos psicanalistas argentinos Mario e Lucia Barbero Fuks, que chegaram ao Brasil em 1977, um ano depois do golpe militar no país vizinho, ele tem um irmão mais velho, Emi. Esse núcleo familiar e suas questões, esquadrinhadas naquele consultório, foram a fonte de inspiração para o seu terceiro romance “A resistência” (Companhia das Letras), que quase conquistou a Tríplice Coroa da literatura brasileira: venceu o Prêmio Jabuti na categoria livro de ficção, ficou entre os finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura e conquistou, há quatro dias, o segundo lugar no Oceanos (antigo Portugal Telecom).

— “A resistência” me rendeu muita coisa. Ou seja, está dando para viver disso. Ao mesmo tempo, sei que é circunstancial e passageiro. Então, tenho que buscar outras formas de sobreviver ligadas à escrita — disse ele, que embolsou R$ 65 mil como resultado do Jabuti e do Oceanos, em entrevista numa cafeteria no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Embora seja classificado como ficção, o romance tem óbvios elementos autobiográficos. Acompanha o esforço do filho de uma família imigrante em crise que procura ajudar o irmão adotado a descobrir a sua origem. Filhos de pais argentinos que se exilaram no Brasil após o golpe militar de 1976, os irmãos suspeitam que o mais velho seja rebento de desaparecidos políticos.

— Meu irmão nasceu em 1976, na Argentina. Meus pais o adotaram e vieram para cá. Meu pai queria ir ao México para retomar a militância, enquanto a minha mãe queria ficar no Brasil para ter uma vida estável. Depois, eles resolveram voltar à Argentina, quando eu tinha 6 anos. Vivi lá com eles dois anos, fui alfabetizado em espanhol. Era um momento tenso de disputa política, mas meus pais não se adaptaram e voltaram para cá — contou Fuks, de 35 anos, comentando os paralelos entre o seu novo romance e a sua própria biografia.

Livro foi pedido do irmão

O tema da adoção, revela o escritor, sempre esteve presente na sua vida familiar. Como psicanalistas e especialistas em assuntos de família, os pais dele tinham a ideia clara de que não se deve esconder de uma criança que ela foi adotada.

— Mas isso foi se transformando, aos poucos, em não dito, em um tabu. Até porque meu irmão não queria que a gente falasse sobre isso — disse ele. — No fim desse processo ( de terapia ), ele me falou, num momento muito intenso, de autorreconhecimento, para escrever sobre isso.

De início, o escritor não deu muita importância ao pedido do irmão. Só mais tarde, começou os esforços para atendê-lo.

— Isso está narrado no livro, essa passagem que ele me pede para escrever. Quando fui procurá-lo para dizer que eu pretendia fazer isso, ele já não se lembrava mais. Fui, então, percebendo que, para escrever sobre o meu irmão, era necessário resgatar a história dos meus pais e a relação deles com a ditadura argentina.

Além das leituras, entrevistas e pesquisas habituais, o escritor buscou livros de autores da segunda geração de argentinos que viveram a ditadura militar. Nomes como Patricio Pron, Andrés Neuman, Laura Alcoba entre outros.

— São relatos de pessoas para quem a ditadura se converteu em um discurso sobre o passado, numa rememoração feita de palavras, não de atos e traumas diretos. Eu queria saber como as pessoas dessa geração, que é a minha, sentiam os efeitos da ditadura e da repressão — explicou ele.

Relatos discordantes

As entrevistas com os pais foram incorporadas a “A resistência” de forma a deixar evidentes as discordâncias de versões sobre o que ambos passaram durante a ditadura argentina e as avaliações que cada um fazia dos acontecimentos. Emi, o irmão adotado, não foi entrevistado e ainda não leu o romance.

— Parece-me que acabei criando um mecanismo interessante para realizar uma reflexão mais profunda. Não tive como principal preocupação a reconstrução de fatos históricos com precisão, mas, em vez disso, trabalhei em cima de impressões pessoais e reações ao que aconteceu — afirmou.

Fuks — que já havia sido finalista do Jabuti e do Portugal Telecom/Oceanos com os livros “Histórias de literatura e cegueira” (2007) e “Procura do romance” (2012) — escreveu a “A resistência” graças a outro prêmio, o Icatu de Artes, criado em 1995 para reconhecer e incentivar a produção de artistas brasileiros. Ele fez parte do primeiro grupo de escritores contemplados pelo programa de mecenato e passou dez meses em Paris, vivendo em um ateliê na Cité Internationale des Arts, no bairro de Marais. Foi para a França em setembro de 2013 e voltou em junho do ano seguinte. O livro foi concluído em março de 2015 e lançado em novembro do mesmo ano.