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HQ da americana Noelle Stevenson discute gênero

Na lista dos mais vendidos, livro teve seus direitos de adaptação para o cinema comprados
Noelle Stevenson Foto: Reprodução
Noelle Stevenson Foto: Reprodução

SÃO PAULO - Para uma ilustradora de 24 anos, a norte-americana Noelle Stevenson tem um currículo e tanto. No ano passado, sua primeira graphic novel, “Nimona”, foi indicada ao National Book Awards, fazendo dela a mais jovem autora a figurar entre os finalistas do prestigiado prêmio literário americano. No âmbito dos quadrinhos, ganhou um prêmio Eisner e foi indicada ao Harvey pela mesma obra, recém-lançada no Brasil pela editora Intrínseca — os dois concursos são referências entre quadrinistas do mundo inteiro.

Além disso, “Nimona” entrou para a lista dos livros mais vendidos do jornal “The New York Times” e teve seus direitos de adaptação para o cinema comprados pela Fox Animation. Mas o que é que essa graphic novel tem de tão excepcional para atrair a atenção de tanta gente em tão pouco tempo?

— Nimona era um personagem que eu sempre procurei como jovem leitora. Não encontrava em nenhum lugar uma adolescente punk, gordinha e brava, que tem o poder de mudar de forma quando quer, transformando-se em um tubarão, um cachorro ou um dragão. Então, fiz uma eu mesma — diz Noelle, em entrevista por e-mail ao GLOBO, de Los Angeles, onde mora.

Na graphic novel, a menina metamorfa de pavio curto e sem nenhum apreço pelas regras se associa ao vilão Lorde Ballister Coração-Negro, cujo antagonista é o herói Sir Ambrosius Ouropelvis. Nenhum deles se encaixa nos papéis convencionais aos quais estão colados. O grande nêmesis é a Instituição de Heroísmo & Manutenção da Ordem, comandada pela verdadeira vilã da história, a terrível Diretora.

HISTÓRIAS SOBRE PESSOAS REAIS

Os nomes dos personagens, diz Noelle, vieram de referências literárias e de sua vida pessoal.

— Nimona veio primeiro, e depois eu escolhi os nomes de Ballister e Ouropelvis com base em uma convenção medieval para cavaleiros, super-heróis e supervilões. Acho que escolhi Ouropelvis para provocar meu professor e nunca mais mudei — brinca ela.

Por meio desses personagens, a artista faz uma grande reflexão sobre gênero, opção sexual e os papéis que adotamos tradicionalmente. Não por acaso, ela criou Nimona inspirada em sua atividade como cosplayer, quando se fantasiava de personagens do mundo pop. Em geral, ela escolhia figuras masculinas para recriar:

— Gênero ainda é um assunto muito importante. Meninas ainda precisam procurar muito para enxergar a si mesmas na mídia. Muito frequentemente elas são retratadas como moeda de troca ou personificam algum tipo de ideal feminino, o que não é interessante para mim em um personagem. Quero histórias sobre pessoas reais, ainda que em circunstâncias fantásticas, que sejam bagunçadas e com defeitos. Quero mostrar às mulheres que não tem problema errar e que você não precisa ser perfeita — diz.

A história de “Nimona” começa mesmo em meados de 2012, quando Noelle inicia a publicação da graphic novel de forma fragmentada em seu Tumblr, gingerhaze.com. No início, eram apenas episódios curtos de uma ou duas páginas. A revista eletrônica “Slate” considerou o trabalho a melhor webcomic do ano. Um pouco depois, a editora americana Harper Collins adquiriu os direitos de publicação.

Entusiasta dos webcomics, Noelle não vê contradição entre a plataforma eletrônica e os quadrinhos impressos. Para ela, na verdade, um ajuda o outro a crescer:

— Os webcomics estão crescendo! Há uma onda de jovens criadores fazendo exatamente o tipo de histórias que eles querem ver e publicando-as online. É uma comunidade rica e vibrante. Foi muito fácil para mim entrar nesse mundo e surfar nessa onda, alguns criadores abriram caminho para mim, e espero ajudar a abrir caminho para outros, também. Na verdade, acho que webcomics são o futuro dos quadrinhos, e eles estão apenas revitalizando as HQs impressas.

Sobre uma onda cada vez maior de livros, quadrinhos, filmes e programas infantis que incorporam personagens de orientações sexuais diversas, ela diz que acha importante mostrar que não há nada de errado nisso:

— As crianças deveriam ver essas coisas como normais e vislumbrar um futuro em que elas possam ser felizes e alegres e ridículas assim como qualquer pessoa. Muitas histórias LGBT são pesadas e restritas aos adultos. Isso tem um impacto sobre as crianças e afeta a maneira como elas veem o mundo. Acho que esses veículos têm responsabilidade de mostrar que não existe uma maneira certa de ser uma pessoa.