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Luciano Trigo lança livro de poemas inspirado pelo fim de um casamento

Escritor e jornalista critica repetição de convidados em feiras literárias

Vibração certa. Luciano Trigo defende que vontade e disciplina não bastam para criar poesia
Foto: Divulgação/Clarice Saadi
Vibração certa. Luciano Trigo defende que vontade e disciplina não bastam para criar poesia Foto: Divulgação/Clarice Saadi

RIO – Três anos após lançar o seu primeiro livro de poemas, “Motivo”, o escritor e jornalista Luciano Trigo está de volta ao gênero com “Separação” (ambos publicados pela editora 7Letras). Assim como na sua estreia, os poemas do novo livro foram escritos num curto espaço de tempo, com exceção de alguns texto guardados, e refletem sobre relações familiares e afetivas, como o próprio título sugere. Autor de romances e contos, Trigo demorou para retornar à poesia pelo tempo próprio que ela exige.

— A poesia, pelo menos para mim, depende muito de conseguir entrar numa certa energia, numa certa onda. Se você dispõe das ferramentas e da bagagem necessárias, escrever um romance, um conto ou um ensaio só depende de ter vontade e tempo, disciplina e perseverança. Com a poesia é diferente — diz o poeta, em entrevista por e-mail.

Quando ele entra nessa vibração, explica, tudo pode virar matéria-prima: uma frase ouvida na rua, a cena de um filme ou o pedaço de um sonho. Depois, esses elementos vão se juntando e terminam por se materializar na ideia de um futuro poema. A etapa seguinte é escrever, cortar, reescrever, seguidamente, o texto no computador, até que esteja satisfeito.

No nascimento dos poemas de “Separação”, que já ganhou elogios do poeta Armando Freitas Filho (“Fica difícil escolher os melhores poemas, pois todos parecem ter sido escritos sem descansar a mão”), está uma experiência pessoal: o fim de um casamento, que fez com que o tema da separação aparecesse em vários momentos. Contudo, o poeta ressalta que não se trata de um relato autobiográfico, com a exceção de “Romeu”, que fala do cachorro da sua filha. A matéria-prima da poesia, afirma, “não é o sentimento, é a palavra”:

“Você tem poetas veteranos produzindo poesia de grande qualidade e tem uma miríade de poetas mais jovens com uma produção bastante desigual. O que os distingue é a capacidade de inserção em determinados circuitos, mais do que a qualidade”

Luciano Trigo
Jornalista e poeta

— Os relacionamentos são questões que ocupam uma boa parte da vida das pessoas e que nunca se resolvem de forma plena, então esse é um território comum, um canal de comunicação potencial entre escritores e leitores. A poesia pode funcionar, assim, como uma comunhão, um compartilhamento de experiência vividas. É claro que o tema é apenas um dos fatores da equação: se bastassem sentimentos e experiências para escrever poesia, todo mundo seria poeta.

Um trecho do poema “Diálética” diz: “escrever poesia é quase pedir esmola, / um minutinho da atenção do leitor.” A poesia é sempre um gênero considerado “difícil” de vender, e Trigo argumenta que parte da culpa é dos próprios autores. Na sua opinião, a literatura brasileira contemporânea sofre de “um certo ‘umbiguismo’”, pois os autores parecem escrever apenas para si mesmos ou os seus pares. Incapazes, portanto, de refletir o Brasil de hoje.

POESIA MARGINAL CAUSOU ‘GRANDE MAL’

No caso da poesia, especificamente, o escritor diz que o último movimento com traços bem claros, a poesia marginal, causou um grande mal às novas gerações ao limitar as experiências com a linguagem, algo que tinha um sentido no contexto cultural e social da década de 1970. Trigo aponta também um “padrão poético” identificável entre os poetas que frequentam os principais eventos literários no país, como a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).

— Hoje você tem poetas veteranos ainda em atividade produzindo poesia de grande qualidade e tem uma miríade de poetas mais jovens com uma produção bastante desigual. O que distingue esses poetas é a capacidade de inserção em determinados circuitos, mais do que a qualidade da sua poesia. Por exemplo, vou todos os anos à Flip e a outros eventos literários e percebo, nas mesas dedicadas à poesia, a repetição de um determinado padrão. Não só um padrão poético, mas na própria forma de falar e de se colocar no mundo, de defender determinadas ideias. E vejo também poetas que não são de forma alguma inferiores, mas que não se encaixam nesse padrão, ficarem de fora desse circuito, que se autoalimenta pela reiteração dos mesmos nomes, por assim dizer, eleitos — critica ele.

“Separação”

Autor: Luciano Trigo.

Editora: 7Letras.

Páginas: 76.

Preço: R$ 34.