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Romance francês filmado por Buñuel e Renoir ganha tradução no Brasil

‘O diário de uma camareira’, de Octave Mirbeau, é lançado por ‘editora de um homem só’

O escritor Octave Mirbeau
Foto: Reprodução
O escritor Octave Mirbeau Foto: Reprodução

RIO - No ano passado, o jornalista e editor Mateus Kacowicz saiu do cinema depois de ver “O diário de uma camareira” com uma dúvida: como podiam ter feito um filme tão ruim a partir de uma história tão boa? Intrigado, descobriu que o romance homônimo, lançado pelo francês Octave Mirbeau em 1900, já tinha inspirado outras três adaptações cinematográficas bem melhores, incluindo uma do espanhol Luis Buñuel e outra do francês Jean Renoir. Não demorou a pôr as mãos no livro, e terminou a leitura com outra dúvida: como podia essa história nunca ter sido publicada no Brasil?

Kacowicz traduziu, diagramou, prefaciou e publicou a primeira edição brasileira de “O diário de uma camareira”, que acaba de ser lançada por sua “editora de um homem só”, que ele batizou de Xenon. Assim, espera apresentar aos leitores do país a obra de Mirbeau, um autor tão importante em seu tempo que Tolstói o considerava “o maior escritor francês contemporâneo, e aquele que melhor representa o gênio secular da França”.

“O diário de uma camareira” é considerado o romance mais importante de Mirbeau, que também foi jornalista e crítico de arte. Pelos olhos da narradora, a criada Celestine, o escritor faz um retrato impiedoso da burguesia francesa na virada do século XIX para o XX.

— Mirbeau se interessa pelo que está por trás do brilhareco dos salões parisienses. A camareira abre uma janela para o que acontece quando a festa acaba e as visitas vão embora, expõe a relação entre patrões e empregados — diz Kacowicz. — Mirbeau não tem papas na língua para falar dos vícios e preconceitos da época. É um moralista moderno.

LIVRO RETRATA CONFLITOS NA SOCIEDADE FRANCESA

O romance se passa durante o escândalo que ficou conhecido como Caso Dreyfus, em 1894, quando um oficial francês de origem judaica, Alfred Dreyfus, foi acusado de traição. No debate que rachou a sociedade francesa, Mirbeau foi um dos principais defensores de Dreyfus contra o antissemitismo, ao lado de Émile Zola, autor de “Germinal”.

— O Caso Dreyfus marcou o momento em que a classe média e parte da intelectualidade na França se bandearam para a cultura que veio a desembocar no fascismo do século XX. Um dos personagens do romance é um antissemita raivoso, que se torna símbolo do que Mirbeau mais combatia na França. Ele retratou a forma como o preconceito se manifesta nas atitudes cotidianas — ressalta Kacowicz.

Para situar o leitor brasileiro na sociedade francesa da época, Kacowicz preparou também as notas explicativas da edição. Depois de “O diário de uma camareira”, a Xenon vai lançar “A história do universo em quadrinhos”, de Larry Gonick, que o próprio Kacowicz havia publicado no Brasil nos anos 1980, e “Um caminho na noite”, premiado romance de Lois Lowry sobre a fuga de uma família dinamarquesa durante a Segunda Guerra Mundial.