RIO - Setenta e oito cartas que faziam parte do acervo Mário de Andrade, sob a guarda do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São Paulo (USP), desapareceram. A revelação foi feita em reportagem da revista “Época”, publicada no último fim de semana. Segundo a reportagem, as cartas constam no catálogo do acervo, elaborado entre 1995 e 2003. No entanto, em 2005, quando começou o processo de digitalização, missivas de Di Cavalcanti, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Ronald de Carvalho e Menotti Del Picchia, descritas no catálogo, tinham desaparecido das caixas. A informação foi confirmada pela universidade nesta quinta-feira. O acervo Mário de Andrade é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Apesar da descoberta, só quatro anos depois a chefia do arquivo designou uma estagiária para fazer uma varredura em busca das cartas desaparecidas. Ao todo, 78 sumiram, mas, de acordo com a revista, o caso foi tratado em segredo pela equipe do acervo Mário de Andrade e a direção do IEB não foi notificada. Só em 2010, após pressão de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que queriam ver as missivas de Ronald de Carvalho, é que o caso chegou à então diretora Ana Lúcia Lanna. Depois de uma nova varredura, que confirmou o desaparecimento, ela fez um registro de ocorrência na 51ª DP e instaurou uma sindicância interna.
Contudo, nenhuma das duas investigações avançaram. A sindicância, a qual “Época” teve acesso através de pedido pela Lei de Acesso à Informação, apontou que, no período referido, nenhum pesquisador externo à USP teve acesso ao material, só aqueles vinculados à equipe comandada pela professora Telê Ancona Lopes, além de funcionários e estagiários do arquivo. Parte das missivas desaparecidas permanecia inédita, como as de Di Cavalcanti (3), Ronald de Carvalho (9) e Menotti Del Picchia (13).
Procurada pelo GLOBO, a USP justificou a demora entre a descoberta do sumiço e a notificação da direção do IEB citando o relatório da comissão de sindicância: “a docente responsável [Telê Ancona Lopez] e a equipe técnica de pesquisadores acreditavam que as cartas não localizadas estivessem deslocadas dentro do acervo e que seriam encontradas durante os trabalhos de digitalização e troca de capas”, diz o texto.
Pelo mesmo motivo, alega a universidade, o Iphan não foi contatado em 2005, mas apenas em 2010, quando foi feito o registro de ocorrência. Por se tratar de um patrimônio tombado pelo órgão federal, o instituto deveria ter sido comunicado a fim de acionar a Polícia Federal (PF), responsável por incluir as cartas no Cadastro de Bens Procurados. O Iphan confirmou que foi notificado em 2010 e encaminhou o caso para a PF.
A USP defende que todas as medidas foram tomadas pela direção do IEB, “não tendo havido, portanto, nenhuma omissão da parte dos funcionários, dos docentes, dos pesquisadores e da direção deste instituto da USP, reconhecido nacional e internacionalmente”.