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Correspondência entre Alceu Amoroso Lima e filha ganha edição digital

Material tem diversos extras, incluindo vídeos e colunas de Tristão de Athayde

Alceu de Amoroso Lima
Foto: Arquivo
Alceu de Amoroso Lima Foto: Arquivo

RIO - Em 1951, Lia, a filha mais nova do crítico literário e intelectual católico Alceu Amoroso Lima, entrou para vida religiosa no mosteiro dos beneditinos, em São Paulo. Nas décadas seguintes, o crítico, mais conhecido pelo pseudônimo Tristão de Athayde com que assinava seus textos na imprensa, escreveu para ela quase todos os dias. Apesar da falta de respostas, já que Lia, agora madre Teresa, vivia reclusa, ele continuou. Parte desse conjunto, que abrange textos de 1958 a 1968 lançados no livro “Cartas do pai” em 2004 pelo Instituto Moreira Salles (IMS), ganha edição em e-book com diversos extras, incluindo vídeos e colunas de Tristão de Athayde.

Dois grandes temas atravessam a correspondência: a religião e a política. Em 25 de dezembro de 1961, o Papa João XXIII convocou o Concílio Vaticano II, que permitiu uma série de reformas e transformações na Igreja. Entusiasmado, Lima faz uma avaliação das mudanças no calor dos acontecimentos nas cartas para a filha. O crítico foi um dos representantes brasileiros no Concílio.

Segundo Amoroso Lima Filho, sua irmã era a grande interlocutora familiar de seu pai para temas teológicos. Lia manifestou o desejo de seguir a vida religiosa logo após fazer a primeira comunhão.

— Meu pai tinha uma afinidade de pensamento muito grande com a minha irmã. O fato de ela ser monja foi algo muito especial para ele, que só se converteu ao catolicismo aos 35 anos — conta Lima Filho, relembrando que a mãe não aceitou com facilidade a decisão de Lia. — Minha mãe ficou muito chateada. As duas ficaram sem se falar, mas depois as coisas se acalmaram e ela passou a visitar a minha irmã junto com meu pai.

A política se faz muito presente nas missivas a partir do golpe militar de 1964. Nas suas colunas no “Jornal do Brasil”, o crítico literário fez duras críticas ao novo regime por restringir as liberdades. Entre os extras do e-book está a coluna “Terrorismo cultural”, de 7 de maio de 1964, que rendeu um telefonema do então presidente Castello Branco para Amoroso Lima.

O jornalista criticava então a utilização de processos antidemocráticos numa “revolução democrática”, “ao demitir juízes e professores, prender estudantes, jornalistas e intelectuais em geral”. Não à toa, Lima Filho lembra, o banqueiro Walther Moreira Salles, fundador do IMS e do Unibanco, dizia que as cartas deveriam ser publicadas pois “contavam a História do Brasil”.

Em um depoimento em vídeo, incluído nos extras do e-book, o filho do crítico literário conta como foi o processo de edição do material. O principal desafio foi decifrar a caligrafia de seu pai. Para tanto, Lima Filho viajou diversas vezes para São Paulo e se hospedou no mesmo mosteiro onde a irmã vivia. Ela lia em voz alta os textos e ele digitava. O trabalho, entretanto, teve que ser interrompido por conta de um problema na visão de Lia, causado pelo diabetes. Ela morreu em 2011, depois de completar 82 anos de idade e seis décadas de vida no mosteiro.

— Minha impressão, ao fazer esse trabalho de digitar as cartas, foi de construir uma pessoa. Porque ele escrevia todos os dias, os assuntos eram os mais diversos possíveis, inclusive a vida doméstica. Terminados esses dez anos que foram publicados, decidimos continuar a digitar o resto. Chegamos a fazer de 1969 até o início de 1970. Mas um dia ela me disse que não poderia continuar porque não conseguia enxergar direito — diz Lima Filho, ressaltando que ainda há muito material inédito.