FRANKFURT - Aos poucos, uma nova geração de escritores brasileiros vai se tornando conhecida no exterior. Esse movimento é comprovado por dados compilados pela coordenação do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), a pedido do GLOBO. Na lista de dez autores mais traduzidos com auxílio do programa, ao lado de clássicos como Machado de Assis e Clarice Lispector e nomes consagrados como Ferreira Gullar e Rubem Fonseca, estão autores como Alberto Mussa, Adriana Lisboa, Daniel Galera, Luiz Ruffato e Michel Laub.
No programa, são as editoras que inscrevem as obras a serem traduzidas com o apoio da bolsa. Para participar, é necessário ter contrato assinado com o autor. Editores estrangeiros presentes na Feira do Livro de Frankfurt afirmam que o apoio do governo brasileiro é decisivo para a publicação. Contudo, por conta do ajuste fiscal e da disparada do dólar, só foram distribuídas 83 bolsas esse ano, contra 169 em todo o ano de 2014. Diante dos temores de retrocesso no programa, o Ministério da Cultura se compromoteu a investir R$ 250 mil nas bolsas de tradução e agendou uma reunião de seleção de propostas para 4 de novembro, como noticiou nesta sexta-feira o colunista do GLOBO Ancelmo Gois.
Segundo os editores, as bolsas são importantes por causa do alto custo da tradução e do risco envolvido em lançar um autor com pouco ou, às vezes, nenhum reconhecimento internacional. Gianluca Catalano, da italiana Edizioni E/O, cita o caso do romance “O senhor do lado esquerdo”, de Alberto Mussa, também lançado nos Estados Unidos, pela Europa Editions, do mesmo grupo
— Recebemos o livro da agente dele na Europa e gostei muito do modo como Mussa apresenta o Rio, constrói a atmosfera da cidade. Tivemos repercussão positiva na imprensa italiana, mas, sinto dizer, não foi um sucesso comercial — diz Catalano.
“A bolsa permite que o trabalho de tradução seja bem remunerado. A literatura brasileira não é muito conhecida na Romênia, então esse apoio é muito importante”
Mussa é um dos recordistas de traduções, com 15. Na Romênia, seus cinco romances foram publicados com apoio da Biblioteca Nacional. O autor carioca acredita que o interesse por seu trabalho vem da maneira como incorpora as mitologias africana e ameríndia presentes na cultura brasileira, além da história do Brasil e do Rio.
— Isso dá a ela esse caráter “exótico”, termo que muitos consideram depreciativo. Não concordo. Exotismo, etimologicamente, é olhar para fora. É, portanto, a busca da alteridade, o encontro com o Outro. Para mim, é atitude fundamental, urgente, num mundo cada vez mais globalizado — diz o autor, surpreso pela posição na lista.
Para a editora romena Saya Rodica, da Vivaldi, a bolsa foi fundamental para a publicação de “Mãos de cavalo”, de Daniel Galera. O romance foi indicação da tradutora Micaela Ghitescu, que conheceu o livro quando o Brasil foi homenageado na Feira de Frankfurt, em 2013.
— A bolsa permite que o trabalho de tradução seja bem remunerado. A literatura brasileira não é muito conhecida na Romênia, então esse apoio é muito importante — afirma Saya.
Das 11 traduções de Galera, só a da Vivaldi e a da francesa Cambourakis, que lançou “Cachalote” (colaboração com o quadrinista Rafael Coutinho), não foram do romance “Barba ensopada de sangue”. O escritor se surpreendeu com a repercussão da obra no Brasil e no exterior, por considerá-la muito pessoal e arriscada. Uma das razões para o sucesso do livro, acredita ele, foi o fato de a alemã Suhrkamp ter comprado os direitos de publicação em 2012, ainda antes do lançamento, o que desencadeou um efeito dominó.
— Coincidiu com o período recente de aumento do apoio da Biblioteca Nacional às traduções, ou seja, houve um contexto que favoreceu — diz Galera.
“Meus livros vão bem na Alemanha, Finlândia e França, que têm realidades bastante distantes das nossas, e não tão bem em outros, como Argentina e México, que se parecem conosco.”
Michel Laub também viu seu livro de maior repercussão no Brasil ter apelo no exterior. Ele é o único caso da lista em que todas as bolsas de tradução foram dadas a um mesmo romance, “Diário da queda”.
— O tema (Segunda Guerra) e o momento de crescimento brasileiro, já que o livro é de 2011, ajudaram a chamar a atenção de editores de fora. Mas as qualidades do romance devem influir também, como influíram internamente — diz Laub.
Recomendações de agentes, escritores e tradutores são decisivas para que uma editora concorra à bolsa de tradução. Theo Bruns, da alemã Assoziation A, conheceu o trabalho de Luiz Ruffato por indicação do professor e tradutor Carlos Abbeseth. A editora acaba de lançar “Estive em Lisboa e lembrei de você” e publicou os cinco volumes do ciclo “Inferno provisório”.
— Li “Eles eram muito cavalos” numa edição em espanhol e fiquei fascinado por sua escrita experimental ao narrar a vida cotidiana nas grandes metrópoles — lembra Bruns, que já levou o autor para leituras na Alemanha, na Áustria e na Suíça.
Ruffato teve o primeiro livro lançado no exterior em 2003. Das 25 edições estrangeiras de sua obra, 12 receberam bolsas de tradução da Biblioteca Nacional. O autor, que acaba de voltar de um lançamento na Itália, diz que é difícil explicar a aceitação de uma obra em cada lugar.
— Meus livros vão bem na Alemanha, Finlândia e França, que têm realidades bastante distantes das nossas, e não tão bem em outros, como Argentina e México, que se parecem conosco. O motivo? Não sei.
Os números revelam grande interesse de países do Leste Europeu por autores contemporâneos brasileiros. Adriana Lisboa, por exemplo, foi publicada em Croácia, Polônia, Romênia e Sérvia. Ela atribui isso à aposta de alguns editores para ter um catálogo diversificado e ao interesse pessoal de alguns deles por outras culturas. Mas é pessimista quanto ao impacto da literatura nacional no exterior.
— A verdade é que a nossa literatura tem pouquíssima importância fora do Brasil. Temos casos isolados, um ou outro autor que fez sucesso aqui ou ali, com algum livro, em algum momento. Mas não é significativo.
O repórter viajou a convite do Consulado da Alemanha no Rio