Cultura Livros

Crítica: ‘Angela Maria, a eterna cantora do Brasil’

Rodrigo Faour lança biografia de 839 páginas sobre a diva
500 ANOS - BRASIL 500 ANOS - EMILINHA BORBA PASSA A FAIXA DE "RAINHA DO RÁDIO" PARA ANGELA MARIA. 1954. CDI. Foto: ARQUIVO/1954
500 ANOS - BRASIL 500 ANOS - EMILINHA BORBA PASSA A FAIXA DE "RAINHA DO RÁDIO" PARA ANGELA MARIA. 1954. CDI. Foto: ARQUIVO/1954

RIO — O irresistível fascínio que as "divas" da música brasileira exercem sobre Rodrigo Faour acaba de render mais uma alentada biografia em livro: "Angela Maria, a eterna cantora do Brasil". São 839 páginas de tirar o fôlego. Não só pelo que contam, mas pela forma como contam: as vidas - pessoal e artística - de uma figura extremamente popular, entremeadas numa narrativa em forma de detalhado relatório cronológico.

A exemplo dos volumes dedicados por Faour a Dolores Duran, Claudette Soares e - por que não? - Cauby Peixoto, o livro é um trabalho de fã. Só que neste, mais que nos outros, o pesquisador assume o papel principal e se sobrepõe ao fã. Com todos os exageros que este ainda comete (por exemplo, dizer que não é possível contar a História do Brasil "sem mencionar o nome de Angela Maria"), é do pesquisador o trabalho de colher tudo, rigorosamente tudo (entrevistas, artigos, reportagens, colunas, críticas) que se escreveu na imprensa sobre Angela Maria, desde sua estreia em 1951. Com habilidade, ele soma esses dados ao muito que ouviu da cantora, seu marido, parentes, amigos, gente da música, quem quer que a tenha conhecido.

Se a leitura não tem o sabor de um romance, como a vida de Angela Maria sugere, nada escapa ao autor. A menina pobre que canta em coro de igreja batista e sai de casa para tentar a carreira em horas de calouros e dancings, até se profissionalizar e fazer sucesso, ganhar prêmios e virar celebridade, são apenas o lado menos original da história, comum a tantas cantoras. Outros pontos, porém, distinguem Angela Maria como personagem singular. Dois em especial: o impressionante número de seus fracassos amorosos, resultando em casamentos desfeitos, escândalos e tentativas de suicídio ("... não nasci para ser amada"); e o modo como ela enfrentou a distância entre o repertório de que sempre se orgulhou ("... gosto de cantar em churrascaria, canto para o povão") e o que a crítica diz dessas músicas. Nenhuma cantora de sucesso foi tão desaprovada por suas canções à Adelino Moreira, suas "concessões ao mau gosto", suas versões de música estrangeira, suas repetições de "Babalu". Poucas são as canções lançadas por ela com a qualidade de "Gente humilde", "Miss Suéter" ou mesmo de alguns sambas-canções que, gravados quando era jovem, inspiravam-se em Dalva de Oliveira e inspirariam Elis.

Faour não tenta explicar o porquê de tudo isso. Relata os fatos, simplesmente. Por falta de sorte ou, para quem acredita, carma, Angela Maria foi explorada pela maioria dos homens que se aproximaram dela, até o casamento com Daniel D'Angelo, oficializado em 2012, após 33 anos vivendo juntos (Faour recorda o quanto de preconceito o casal teve de enfrentar, ele com 18 anos, ela com 50, quando se conheceram em 1979). Vida amorosa que, decerto, daria um romance, prudentemente evitado pelo autor.

A copiosa pesquisa conclui com filmografia e discografia. Até onde uma primeira leitura permite avaliar, ambas completas. Prova de que Angela Maria construiu uma obra, em mais de 60 anos de carreira. Importante ou não, que decidam fãs e críticos. Mas fica claro que - mesmo com as incontáveis opiniões negativas sobre a maioria de seus discos e shows - nunca houve quem ousasse contestar a excepcional voz com que Angela Maria se deu às suas canções. Se as canções não estavam à altura da voz, é delas que "a eterna cantora do Brasil" ainda se orgulha.

COTAÇÃO: BOM