RIO — Folheando páginas repletas de histórias, Nilza redescobre o prazer da leitura. Cleiton passa a tarde imerso em sua pesquisa de doutorado. O morador de rua Douglas se debruça em livros nos quais projeta a esperança de construir um futuro diferente. Todos num mesmo lugar: a Biblioteca Parque Estadual. O espaço reabriu completamente transformado, após uma reforma, em 29 de março. E desde então, no coração do Rio, perto da Central do Brasil, de portas abertas para a Avenida Presidente Vargas, a Saara e o Campo de Santana, já recebeu 100 mil visitantes, ou cerca de mil pessoas por dia.
É um público diversificado, que chega atraído por um novo conceito de biblioteca. Como o próprio slogan do lugar diz, ali tem de tudo, até livros. Atualmente, são cerca de 80 mil exemplares, com meta de chegar a 200 mil. Mas seus 15 mil metros quadrados abrigam também área para exposições, laboratórios, auditório, estúdio de som, café literário, 250 computadores com acesso gratuito à internet, espaço multimídia com cerca de 20 mil filmes e, a partir desta quinta-feira, um teatro.
SHOWS E INTERNET LEVAM AO LIVRO
Foi uma fila em frente à biblioteca que despertou a curiosidade de Nilza Maria de Carvalho, de 57 anos, moradora do Centro. As pessoas aguardavam para assistir a um dos shows da primeira exposição que o espaço recebeu, sobre o centenário de Vinicius de Moraes. No dia seguinte, lá estava ela. Entrou, assistiu à mostra sobre o poetinha e, desde então, virou frequentadora assídua.
— Fiquei deslumbrada. Vim, depois, para ver filmes e usar a internet, até que peguei na estante o primeiro livro, sobre o Teatro Municipal. Não parei mais — diz Nilza, que estudou até o 7º ano do Ensino Fundamental, mas que, agora, pretende voltar à escola. — Quero estudar para ler melhor — afirma ela.
Ao passo que Nilza alimenta a nova vontade, outra mudança já está em curso, influenciada pelo mergulho no universo da leitura. Há anos ela tinha perdido sua carteira de identidade e não dava importância à falta do documento. No entanto, Nilza descobriu que, para poder usufruir de todas as possibilidades da Biblioteca Parque — como pegar emprestado e levar para casa quase todo o acervo — é necessário fazer um cadastro. E são dois os documentos necessários: uma identificação com foto e um comprovante de residência. Incentivo forte o bastante para ela correr atrás de uma nova via da identidade.
Poder levar livros, a propósito, foi um dos fatores que moveram o doutorando em Ciências Sociais da Uerj, Cleiton Maia, de 27 anos, para a biblioteca. Faz um mês que ele também virou habitué do lugar, onde complementa sua pesquisa sobre o povo cigano no Brasil:
— O acervo daqui é interessante, com livros acadêmicos novos, recém-lançados. E o diferencial é poder pegá-los emprestados. Em muitas outras bibliotecas, não acontece assim.
Desde a reinauguração, já foram oito mil empréstimos realizados pela instituição, com cinco mil pessoas cadastradas, diz Vera Schroeder, superintendente da Leitura e do Conhecimento da Secretaria estadual de Cultura. Ela lembra que há espaços nos mesmos moldes em Manguinhos, na Rocinha e em Niterói. A ideia foi se aproximar de experiências bem-sucedidas no exterior, como na Colômbia e na Europa, com a criação de ambientes atraentes, despojados e coloridos, em que a leitura conversa com várias outras formas de expressão.
— As bibliotecas, assim como os museus, são os espaços que hoje mais se reinventam. São cada vez mais vivas e alegres, diferentes daquele modelo mais tradicional e sisudo de anos atrás — diz Vera.
Outra prerrogativa da Biblioteca Parque, afirma ela, é ser um lugar acessível a todos, como espaço público que é. Há um setor com equipamentos de última geração, para pessoas com dificuldades cognitivas ou motoras. E mediadores sociais entram em cena para acolher os moradores de rua que circulam na região e que encontram ali o início de novas perspectivas.
O jovem Douglas Marques da Silva, de 19 anos, por exemplo, mora na rua e viu na biblioteca a chance de manter contato, pelas redes sociais, com a família, de Seropédica. Lá, descobriu ainda que podia ocupar parte do tempo assistindo a filmes, nas cabines de vídeo. E, como já está se tornando comum acontecer entre frequentadores, suas atenções saltaram rapidamente do universo multimídia para os livros. Em especial, sobre o assunto que mais o interessa: desenho.
— Lendo, mantenho a cabeça ocupada. Sou desenhista — disse, revelando uma possível vocação.
Foram as linhas do prédio reformado e moderno, projeto dos anos 1980 do arquiteto Glauco Campelo, que chamaram a atenção de Douglas. Na revitalização, o lugar ganhou ainda janelas que reduzem o calor, mobiliário de Bel Lobo e paisagismo da Fundação Burle Marx. Um ambiente tão convidativo que, na semana passada, durante a Copa, virou ponto de encontro até de torcedores argentinos. E que, com uma área infantil e ambiente lúdico, estimula as crianças.
— Foi minha filha, Julia, que pediu para vir — contava Maria da Conceição de Jesus, de 30 anos, moradora de Macaé em férias no Rio e que, na última sexta-feira, foi conhecer com a família a novidade.
NOVO TEATRO SERÁ ABERTO NA QUINTA
Um teatro que dialoga com o acervo da Biblioteca Parque Estadual. Essa é a novidade que, a partir desta quinta-feira, se junta às atrações do espaço. Com capacidade para 310 espectadores e 250 metros quadrados, o lugar tem uma estrutura modular, que pode tomar diferentes formas, dependendo da montagem apresentada.
A proposta é que seja um teatro aberto à experimentação, com espetáculos inéditos, atividades vinculadas ao incentivo à leitura, laboratórios de dramaturgia, performances e shows musicais, entre outros usos. A abertura oficial será com o espetáculo “Nem mesmo todo o oceano”, baseado num romance do escritor que dá nome ao espaço, Alcione Araújo, com a Cia OmondÉ e direção e adaptação de Inez Viana. A peça ficará em cartaz nos dias 17, 18, 19, 22, 23 e 24 de julho, às 19h. E, antes das apresentações, nos dias 19, 22 e 23, às 17h, acontecerão leituras de obras de Alcione Araújo, sempre com entrada gratuita.
SERVIÇO
Horário de funcionamento: Terça a domingo, das 10h às 20h.
Para fazer carteirinha: É preciso apresentar um documento de identificação com foto (RG, carteira de motorista, carteira de trabalho ou passaporte) e um comprovante de residência com no máximo três meses (conta de luz, gás, telefone ou atestado de moradia).
Onde fica: Avenida Presidente Vargas 1.261, no Centro. Telefone para contato: 2332-8647.