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Escritor banido pelos nazistas é traduzido nos EUA

Kurt Tucholsky, crítico de instituições reacionárias alemãs, ganha edições no mercado americano

NOVA YORK — Os nazistas tinham uma lista longa de escritores com os quais queriam acertar contas, mas um deles, em especial, os inflamava: o satirista de esquerda Kurt Tucholsky. Em artigos de revistas e em poemas cômicos, ele mirava em nacionalistas, militaristas e figurões. Ao descrever Hitler e seus seguidores num de seus poemas mais famosos, “Die mäuler auf!” (”As bocas abertas!”), ridicularizou-os com a alcunha de “gente pequena”.

Na Alemanha da República de Weimar, Tucholsky era grande, o mais brilhante e espirituoso jornalista cultural do seu tempo. Ele continua grande na Alemanha, com vendas na casa dos milhões. No mundo falante de inglês, contudo, ele praticamente não existe. A pequena editora Berlinica, fundada pela jornalista alemã Eva C. Schweitzer, quer reparar essa injustiça.

— Ele é um escritor genial, e muito de seu trabalho, embora fosse jornalismo, ainda parece atual — diz Eva.

No ano passado, a Berlinica publicou “Berlin! Berlin! Despachos da República de Weimar”, uma coleção da obra jornalística de Tucholsky em prosa e verso. Em maio, veio a primeira tradução de “Rheinsberg: Uma história para amantes”, romance que botou Tucholsky no mapa da literatura quando foi publicado, em 1912. Um pouco maior que um conto, “Rheinsberg” conta a história de um casal de namorados que viaja num fim de semana, com sexo nos planos, rumo a Rheinsberg e seu castelo, outrora lar de Frederico, o Grande.

— Pelo estilo e pela atmosfera, tinha-se a impressão da chegada de uma nova geração — avalia Peter Böthig, diretor do Museu Kurt Tucholsky.

A Primeira Guerra Mundial mudou tudo. Tucholsky, arregimentado após terminar seu doutorado em direito, voltou um pacifista e um esquerdista ainda mais convicto. Escrevendo para o periódico semanal de teatro “Die weltbühne” (“O palco mundial”), que havia se tornado a principal voz da esquerda independente, ele despejava palavras de desprezo pelas instituições reacionárias do velho regime, pelos disparates da República de Weimar, pelas pretensões dos berlinenses e pelas peculiaridades do caráter alemão. Ele inventou quatro pseudônimos, com quatro personalidades artísticas, para abordar a grande variedade de assuntos que o mobilizavam.

“ARRUINEI A ALEMANHA”

Tucholsky usava a expressão “cinco dedos de uma mesma mão” para descrever suas personalidades literárias. “Nós marchamos separadamente, mas atacamos o mesmo inimigo”, escreveu ele. Seus escritos eram temperados com humor e acidez. “O caos que havia sido anunciado para ter início às 8h30m foi adiado por um decreto de emergência do governo”, escreveu em 1931, no primeiro texto de uma série de notícias inventadas sob inspiração de sucessivas manchetes sensacionalistas de jornais que anunciavam uma crise após a outra.

Depois de tomarem o poder em 1933, os nazistas queimaram os livros de Tucholsky e tiraram a sua cidadania.

“Eu estou enlouquecendo aos poucos por ler sobre como eu arruinei a Alemanha”, escreveu ele a um amigo. “Por 20 anos, uma coisa me atormenta — o fato de não ter sido capaz de tirar um único policial de seu posto”.