A retrospectiva de 2021 em oito tópicos
PublishNews, Leonardo Neto, 17/12/2021
PN apresenta a sua tradicional retrospectiva do ano, apontando movimentações no varejo, no consumo de conteúdos digitais, no mercado internacional e em Brasília

Quando o assunto é a indústria do livro, a palavra “retomada” poderia resumir bem 2021. Foi ano em que o varejo apresentou crescimentos consistentes e sequenciados; as pequenas e médias redes de livrarias passaram a ocupar espaços deixados por Cultura e Saraiva, em recuperação judicial desde 2018, e também foi o ano que as editoras viram seu faturamento apurado com a venda de livros digitais crescer.

Mas também foi ano em que o mercado precisou demonstrar força e se impor contra uma proposta de tributação do livro e também de luta a favor de uma regulação do comércio de livros no país.

1- O varejo

Embora hoje seja a última newsletter de 2021, o ano ainda não acabou para o varejo de livros no Brasil. As esperadas semanas de vendas de Natal estão por vir e isso deve mexer nos números gerais do varejo. Feita essa observação, vale retomar o último Painel do Varejo de Livros no Brasil, realizado pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e pela Nielsen. Pela apuração do instituto de pesquisa, o conjunto de estabelecimentos monitorados vendeu 43,9 milhões de exemplares e faturou R$ 1,83 bilhão de janeiro até o início de novembro. Isso representa, na comparação com 2020, crescimento de 33% em volume e de 31% em valor.

Mas, mais importante que isso, os números superam os registrados em 2019, quando não se falava em pandemia. O 11º Painel daquele ano registrava a venda de 33,5 milhões de cópias no acumulado do ano, o que redundou em faturamento de R$ 1,43 bilhão. Ou seja, o varejo de livros cresceu mesmo se comparado com 2019: 31% em volume e 28% sobre o faturamento, acima da inflação acumulada que, segundo o IPCA foi de 15,01%.

Muito desse resultado veio de vendas realizadas por e-commerces. De acordo com a última edição da Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro (PeV), também realizada pela Nielsen por encomenda do SNEL e da Câmara Brasileira do Livro (CBL), as “livrarias exclusivamente virtuais” ganharam força. Em 2020, as editoras venderam por esses canais 53 milhões de exemplares (em 2019 foram 21 milhões) e faturaram R$ 923,37 milhões (R$ 502 milhões em 2019). A participação de varejistas como Amazon e Submarino no faturamento das editoras registrou crescimento de 84% e elas já são o segundo maior canal de vendas de livros no Brasil, representando 24,8% das vendas das editoras.

Pelo relato de editores, esse crescimento veio para ficar e deverá se refletido na PeV referente a 2021. Os resultados da pesquisa saem, normalmente, em maio.

Apesar disso, livreiros apostaram forte nas lojas de argamassa e tijolo. Se em 2019 e 2020 foram anos marcados fortemente pela crise de Saraiva e Cultura, 2021 traz na sua marca o fortalecimento de pequenas e médias livrarias.

Exemplo claro disso é a Leitura, que saltou de 80 lojas em 2020 para 94 em 2021. Na sua participação no Sabatina PublishNews, Marcus Teles, diretor da rede, disse que seu plano é chegar a 100 lojas em 2022, quando a rede completa 50 anos.

E não foi só a Leitura que ganhou musculatura com a retomada do varejo de livros em 2021. A Livraria da Travessa, por exemplo, prometeu e cumpriu. Abriu uma nova unidade em Brasília, ampliou a sua loja de São Paulo e abriu uma unidade em Niterói, no finalzinho de 2020.

A Livraria da Vila também buscou ocupar espaços deixados por Saraiva e Cultura, abrindo lojas no Center Norte, no Shopping Morumbi e em Campinas.

Este mesmo movimento foi acompanhado por redes como Disal, Escariz e Promolivros.

E as livrarias independentes também fizeram bonito em 2021. Com a possibilidade de reabertura do comércio, São Paulo ganhou novas livrarias como a gato sem rabo, a Livraria do Brooklin, a Miúda, a Ponta de Lança, a Pé de Livro e a Nossa Cidade, que abre suas portas neste sábado (18). Vale citar ainda o nascimento da virtual Dois Pontos.

Voltando a falar de Amazon, a “loja de tudo” arrochou editoras brasileiras pedindo mais descontos na compra de livros.

De imediato, a Liga Brasileira de Editores (Libre) se posicionou e editores reunidos no grupo Juntos pelo Livro também vieram a público deixar claro que não há espaços para mais descontos na relação comercial entre eles e a gigante de Seattle.

Em nota enviada à redação do PN, a empresa disse: "Na Amazon, acreditamos que autores, editores e livreiros trabalham juntos para conectar os leitores aos livros. Nós não comentamos acordos específicos com nossos parceiros comerciais".

Falando em outra gigante, a Avon, que foi uma grande força de venda de livros por catálogos no Brasil, abandonou o setor, marcando o fim de uma era.

2- Os conteúdos digitais

Em março, representantes da Companhia das Letras e da Globo revelaram, em um evento realizado pelo portal MobileTime, que o seu faturamento com conteúdos digitais (e-books e audiolivros) tinha dado um salto entre 2019 e 2020. Mauro Palermo, diretor da Globo, disse que em 2019, a venda com esses formatos representava 6% do faturamento total da empresa. Em 2020, tinha saltado para 11% em importância. Marina Pastore registrou que na Companhia das Letras, onde trabalha como gerente de produtos digitais, esse índice tinha chegado a 10% durante a primeira onda da pandemia e que encerrou 2020 com os digitais representando algo em torno de 9% do faturamento total da empresa.

A Pesquisa Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro, que mostra os números da produção e vendas de e-books e audiolivros, confirmaram, em parte, o que a Companhia das Letras e a Globo deixaram registrado no evento da MobileTime.

A pesquisa aponta que, em 2020, o faturamento das editoras com conteúdo digital apresentou crescimento nominal (sem considerar a inflação) de 43% em relação a 2019. Em termos reais, o crescimento foi de 36%. Em números absolutos significa dizer que o faturamento das editoras com a venda desses produtos saltou de R$ 103 milhões para R$ 147 milhões. Em 2020, 92% desse faturamento veio das vendas de e-books e 8%, de audiolivros.

Ao comparar esse faturamento com o apurado pela PeV, a Conteúdo Digital conclui que, em 2020, os e-books e audiolivros passaram a representar 6% do mercado editorial brasileiro. Em 2019, esse índice era de 4%.

A partir de dados da Bookwire, a maior distribuidora de conteúdos editorias em formatos digitais em operação no Brasil, o consultor austríaco Rüdiger Wischenbart construiu o Digital Consumer Book Barometer e conclui que em 2021, o consumo desse tipo de conteúdo se mantém estável e os modelos de assinatura ganham força. O PN, inclusive, apresentou sete plataformas que operam nesse modelo de negócios.

3- A tributação do livro

A possível tributação do livro, um assunto herdado de 2020, seguiu no centro dos debates do mercado editorial brasileiro. Pela proposta de reforma tributária apresentada pelo governo federal ao Congresso, seria criada a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que substituiria Pis e Cofins, tributos dos quais o livro é isento desde 2004.

Em 2020, o ministro Paulo Guedes, da Economia, argumentou que o livro no Brasil é produto de elite, para pessoas que podem pagar a mais pelo livro e, como contrapartida aos milhares de consumidores para quem o preço é algo sensível ofereceu uma proposta: “O governo dará livros de graça aos pobres”.

Estes mesmos argumentos foram repetidos em um relatório realizado pela Receita Federal.

No Congresso Nacional, o relatório da Receita Federal foi duramente criticado por membros da Frente Parlamentar do Livro e, em uma audiência pública realizada na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, Fernando Mombelli, representando a Receita, chamou a indústria para conversar sobre a CBS.

Esta proposta de reforma tributária segue estacionada no Congresso e os representantes da indústria editorial atentos a qualquer movimentação.

O assunto foi tema de um artigo escrito pela economista Mariana Bueno e de um episódio do Podcast do PublishNews.

4- A privatização dos Correios

Outro assunto de Brasília que mexeu com os humores do mercado foi a privatização dos Correios. Editores e livreiros emitiram manifestos contra a privatização e o Podcast do PublishNews ouviu quem era a favor e quem era contra a privatização da estatal.

5- Lei do Preço Fixo

Outro debate que esteve nas discussões do mercado foi a lei do preço fixo, agora apelidada de Lei Cortez. O tema foi amplamente debatido em praticamente todas as edições do Sabatina PublishNews. Foi defendido por Marcus Teles, da Livraria Leitura; por Fernanda Melchiona, por Marcos da Veiga Pereira e por Luiz Schwarcz.

6- O retorno das feiras

As feiras internacionais de negócios do livro que tradicionalmente acontecem no primeiro semestre precisaram ser ou canceladas ou foram para o mundo virtual. Foi assim com Londres e Bolonha. Já as que acontecem no segundo semestre aconteceram presencialmente. A mais importante delas, a Feira do Livro de Frankfurt, aconteceu de forma híbrida, com presença de editores e montagem de estandes, mas também com uma programação e com plataformas virtuais que permitiram a interação entre agentes, editores, vendedores e compradores de direitos autorais.

Juergen Boos, diretor geral da Feira de Frankfurt, disse em entrevista ao PN em Espanhol, que o formato exclusivamente virtual não satisfez.

Bienal do Livro Rio 2021
Bienal do Livro Rio 2021
A feira aconteceu, mais tímida e menos pujante do que o seu normal, mas no seu balanço, registrou a participação de 73,5 mil pessoas.

Outra feira do segundo semestre foi a de Sharjah, porta de entrada de editoras internacionais para o mundo árabe. Foi a única feira internacional coberta presencialmente pelo PN. Talita Facchini, repórter do PN, esteve lá, conversou com Abdulrazak Gurnah, o Prêmio Nobel de 2021. E foi também em Sharjah que a editora brasileira Tabla recebeu um prêmio pela tradução de Onze astros, de Mahmud Darwich, feita por Michel Sleiman. Pelo prêmio, editora brasileira levou o equivalente a R$ 1,4 milhões.

Por aqui, também 2021 marcou a retomada dos eventos presenciais. O mais importante deles foi a Bienal do Livro Rio, que reuniu 250 mil pessoas em dez dias de evento. As editoras que estiveram por lá se deram bem, com crescimentos importantes sobre o registrado na última edição, em 2019.

Já a Bienal de São Paulo, que acontecerá em julho de 2022, anunciou que Portugal será o seu convidado de honra.

7- Internacional

Fortes movimentações também no mercado internacional. A Penguin Random House, maior grupo editorial de interesse geral do mundo, anunciou a compra da Simon & Schuster, uma das big five do mercado americano. A compra, no entanto, encontrou resistência no Departamento de Justiça nos EUA.

A Scholastic, a Hachette e a Amazon anunciaram novos comandos em 2021.

E o Global 50, ranking que reúne as maiores editoras do mundo, contou mais uma vez com duas editoras brasileiras na sua lista: Somos e FTD.

E o mercado global de audiolivros também deu uma chacoalhada nesse fim de ano, com o Spotify comprando Findaway, distribuidora de audiolivros nos EUA, e com a Storytel entrando no mercado norte-americano com a compra da Audiobooks.com.

8- Memória

O ano que está chegando ao fim foi de muitas despedidas. Morreram os editores Ricardo Feltre, José Xaver Cortez, Heitor Paixão, Dinu Manole, Roberto Calasso, Carlos Andreotti e Gumercindo Rocha Dorea.

Morreram ainda os livreiros Tarcisio Pereira e Antonio Carlos de Carvalho.

E ainda os escritores Arthur Xexeo, Anne Rice, Edy Lima, as poetas Maria Lúcia Alvim e Vera Pedrosa, o crítico Alfredo Bosi e os tradutores Ivo Barroso e Bernardina Pinheiro.

[17/12/2021 10:40:00]