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Caderno de leilões
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 20/04/2021
Gustavo Martins de Almeida acordou numa segunda-feira passada e resolveu passar os olhos pelo caderno de leilões do jornal. O resultado é uma crônica daquelas boas de ler.

Manhã de segunda-feira no jornal o caderno de leilões, mesmo magro, chama sempre a atenção, pela variedade de temas e imagens; imóveis, móveis, quadros, veículos, joias (“imponente anel estilo Kate Middleton”), relógios, esculturas, formas, estilos, materiais, cores. Constato que a versátil professora e historiadora Vera Tostes agora também atua como leiloeira pública. Mas nessa edição destaque para... uma biblioteca. Do Dr. George Bittencourt Doyle Maia, médico e professor, reitor e vice-reitor de Faculdade de Medicina, Cavaleiro da Ordem de Malta. Estante de madeira antiga repleta de livros na capa. Oba! Vamos ver!

Antes de mais nada, com a internet o interessado pode lançar (fazer oferta de preço) antes do leilão e deixar registrado no site o valor do seu lance.

O catálogo bonito impressiona, com 1.012 lotes. Uma rápida folheada digital e começam as surpresas. O quarto lote tem O Rio antigo do fotógrafo Marc Ferrez: paisagens e tipos humanos do Rio de Janeiro - 1865-1918 (3. Ed. São Paulo: Ex Libris, 1989. 220 p.: il. p&b.; 31 cm x 27 c) lance inicial R$ 20. A consulta aos lances antecipados mostra dois lances, um de R$ 20 e um de R$ 10. Uma checada posterior mostra que na Amazon o mesmo livro novo está por R$ 320, e na Estante Virtual um usado ofertado por R$ 119. Então bom, não, ótimo preço a oferta do leilão!!!!

Reflexão incidental. Se a Estante Virtual foi adquirida pelo Magazine Luiza, o multisensível faro de Luiza Trajano aponta para o setor de livros. Um alento, há exemplares no fim da prateleira.

Mais adiante, o lote 1.971 é o livro é O Palácio da Cidade, 1975-1979. (Rio de Janeiro: Riex, 1979. 115 p. il. col.; 31 cm x 23 cm) sobre a Prefeitura do Rio de Janeiro – a antiga embaixada britânica onde a Rainha Elisabeth jantou e assistiu desfile da Mangueira, com o saudoso Príncipe Phillip, em 1968 – tendo como lance inicial R$ 10. Sede da Prefeitura da Cidade de São Sebastião com 115 páginas por R$ 10!

Mudo de página do catálogo e a faixa de preços até R$ 30 continua. Por exemplo, o lote 2011 é a obra de João do Rio, A Alma encantadora das ruas do Rio de Janeiro: 1952, ofertado pelo preço inicial de idênticos R$ 10.

Para a turma de São Paulo, o caprichado Augusto de Azevedo Militão: São Paulo nos anos 1860 (263 páginas), do craque Pedro Corrêa do Lago, está com oferta inicial de R$ 20, no lote 2.032.

Entre surpreso e tentado, vou folheando. Lote 2.096, Spix e Martius: Viagem pelo Brasil, lance R$ 20. O zoólogo e o botânico percorreram o Brasil ente 1817 e 1820 e traçaram perfil profundo da flora e fauna brasileiras em obra histórica. Mais adiante Claude-François de Méneval: Mémories pour servir a lhistoire de Napoléon I: depuis 1802 jusqua 1815. Paris: E. Dentu, 1894. (545 páginas) R$ 10 de lance inicial; uma trouvaille!

E segue o catálogo. Capa dura, brochura, encadernação de couro, letra dourada, folha amarela, anedotário francês, erotismo no Japão, os temas e livros se multiplicam no catálogo do Humanista falecido em 2017.

Já o lote 2.108 impressiona. C. J Dunlop: Apontamentos para a História da Iluminação da Cidade do Rio de Janeiro – 1949. Livro raro, tiragem de 100 exemplares com dedicatória. Valor inicial R$ 500 e .. zero, nenhum lance! Coceira na mão!!!

A biblioteca é a projeção da personalidade (às vezes oculta) do dono, num conjunto de livros.

Parei! 1.012 lotes. Melhor não olhar mais. Só comprei livros durante a pandemia. Roupas não são necessárias para sair, só as caseiras, salvo boa camisa para zooms e lives. Anna Wintour, editora da Vogue, diz que hoje as pessoas só se vestem da cintura para cima. Meu escritório já não tem mais espaço para livros, mas é cada oferta...

E observando o mercado vejo que a Biblioteca do Professor Celio Borja está à venda; que o Germano, mais antigo livreiro do Rio, fechou a histórica Livraria São José (na qual adquiri algumas relíquias afetivas); que a de Carlos Lessa foi para o BNDES e que a turma digital gosta mesmo é de uma tela de cristal. Paradoxos e singularidades de bibliófilos e neoreaders.

Prosseguindo na ronda pelos leilões, no mesmo site, dou de cara com um de histórias em quadrinho.

Curioso, 164 itens no catálogo e vamos dar uma olhada rápida. Aí vem a surpresa! O Lobinho, um gibi com um desenho que me pareceu ser o Super-Homem na capa, (Grande Consórcio Suplementos Nacionais, ano 4, n. 47, fev. 1944) está com lance inicial de R$ 700 e já tem oferta de R$ 750!

E as revistas do tal Lobinho vão sendo disputadas, todos os lotes com lances, assim como um gibi mensal. Alguns lotes na faixa até R$ 50, mas os Lobinhos e gibis nas centenas de reais e disputados.

Então um Lobinho vale 35 Marc Ferrez?! Essa comparação motivou o presente artigo.

O mercado editorial secundário tem seus mistérios. Os gibis do leilão são raridades que justificam lance inicial alto. Os demais livros, apesar de alguns esgotados, ainda são encontrados em sebos (em tempos de e-books e audiobooks não se imagina um mercado secundário, será Camila Cabete?)

Obviamente, a curiosidade impulsiona a pesquisa e vê-se que por trás dos exemplares da revista Lobinho está a lendária figura de Adolfo Aizen, um judeu russo nascido em Ekaterinoslav, atual Dnipro, na Ucrânia, que veio para o Brasil.

Segundo a Tribuna do Paraná, foi Adolfo Aizen quem trouxe os quadrinhos para o Brasil; foi o primeiro que aqui publicou os mais populares heróis de papel, como Flash Gordon, Tarzan, Príncipe Valente, Mandrake, Pato Donald e Mickey, Super-Homem, Batman, Zorro, Homem-Aranha e tantos e tantos outros;

Trabalhou na editora O Malho, que publicava o Tico Tico e depois ofertou suplemento de história em quadrinhos para Roberto Marinho, que teria recusado a oferta e aí lançou o Lobinho, para evitar que o Globo lançasse um Globinho.

Posteriormente, em 1945, veio a fundar a famosíssima EBAL Editora Brasil-América Limitada, pioneira na introdução de temas e heróis brasileiros nas histórias em quadrinhos (Wikipedia, sorry). Segundo Lawrence Halleywell, no Livro no Brasil, Adolfo contratou para traduzir os quadrinhos o então jovem Alfredo Machado.

A história desse editor exige um artigo inteiro, ao menos.

O fato é que um leilão de bibliotecas puxa uma coleção de gibis que é a ponta do iceberg de editor pioneiro. Cada livro, cada gibi é uma peça de mosaico, que se desprende do suporte construído pelo colecionador antigo e através do leilão vai para outra prateleira, compor nova obra, representando as ideais de outro bibliófilo, ou gibífilo.

Ah! O anel estilo Kate Middleton, lote 1.679 do leilão de joias, está com lance inicial de R$ 8.800. Pechincha! Pelos preços do catálogo, definitivamente livro não é necessariamente para ricos!

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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