2020 e o mercado dos livros
PublishNews, Leonardo Neto, 23/12/2020
Em sua retrospectiva anual, o PublishNews relembra fatos que fizeram a história do livro em 2020

A Megafauna foi uma das boas notícias de 2020 | © Felipe Campos Mello e Luiz Maudonnet
A Megafauna foi uma das boas notícias de 2020 | © Felipe Campos Mello e Luiz Maudonnet
Já é uma tradição do PublishNews. Na última edição de cada ano, nossa redação separa os acontecimentos mais marcantes e faz uma retrospectiva. Dois mil e vinte foi um ano daqueles! Saraiva e Cultura, que pediram recuperação judicial em 2018, seguiram na sua dura e longa trajetória na tentativa para evitar a falência, mas, na prática, pouca coisa mudou: as duas apresentaram novos planos de recuperação judicial ainda no primeiro semestre e terminam o ano sem conseguir aprová-los. A pandemia do novo coronavírus afetou duramente o comércio de livros e o comércio eletrônico, seguramente, terminará o ano mais forte do que nunca. Nem por isso, o ano deixou de ganhar novas livrarias. Redes pequenas e médias assumiram lojas deixadas pela Saraiva e se ampliaram e novas livrarias apareceram nas grandes cidades. Foi nesse movimento, que a Leitura se consolidou como a maior rede de livrarias em número de lojas. Não bastassem todos esses desafios, o mercado ainda teve que lutar contra a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), proposta pelo governo e que impactaria o preço final do livro, afastando boa parte dos consumidores brasileiros. Por falar nele, o leitor brasileiro aderiu – ao que tudo indica de uma forma mais permanente – aos formatos digitais, mas a Retratos da Leitura mostrou que, nos últimos quatro anos, perdemos 4,6 milhões de leitores. No mundo, a indústria mundial deu passos importantíssimos na sua consolidação, se concentrando ainda mais.

Saraiva termina o ano sem conseguir aprovar o novo plano de recuperação judicial
Saraiva termina o ano sem conseguir aprovar o novo plano de recuperação judicial
Saraiva

Para a Saraiva, o ano começou com o anúncio da contratação de Luis Mario Bielinky (ex-Fotótica e ex-Blockbuster). A temporada de Bielinky foi curta na varejista que enfrenta o processo de recuperação judicial. Três meses depois, ele pede demissão. Já sem Bielinky, a varejista pediu, em abril, prazo para apresentar novo plano de recuperação judicial. Em julho, a empresa apresentou o novo plano. A proposta era dividir a operação em unidades produtivas isoladas (UPI) e vender parte dela. O site da empresa – um dos maiores do Brasil – também entrou no negócio. Foi oferecido a gigantes do setor como Magalu, Amazon e Mercado Livre que não se interessaram. O ano encerrou sem que a varejista conseguisse aprovar o plano. A novela deve seguir em 2021. No meio dessa história, um grupo de editoras foi à Justiça pedir a devolução de mais de um milhão de exemplares estocados em lojas e armazéns da varejista. A medida foi depois estendida a outros grupos de editoras. Para completar o ano, Deric Degasperi Guilhen, que assumiu interinamente como CEO da empresa, anunciou o seu desligamento depois de 21 anos na empresa.

Livraria Cultura não conseguiu aprovar seu plano de recuperação judicial e, para evitar a falência automática, foi à Segunda Instância da Justiça
Livraria Cultura não conseguiu aprovar seu plano de recuperação judicial e, para evitar a falência automática, foi à Segunda Instância da Justiça
Cultura

Em janeiro, a Livraria Cultura conseguiu vender a Estante Virtual para o Magazine Luiza, colocando R$ 31 milhões na sua operação. Em maio, quando as lojas ainda estavam fechadas por conta das medidas de distanciamento social impostas pela pandemia, a empresa pediu à Justiça a suspensão do seu plano de recuperação judicial. Conseguiu apenas autorização para apresentar um novo plano, o que aconteceu em junho. No entanto, parte dos credores disse “não” ao plano, colocando a varejista fundada pela família Herz numa situação muito complicada. Marcelo Barbosa Sacramone, juiz que conduz o processo, deu cinco dias para que a varejista comprovasse que estava cumprindo o plano original sob pena de transformar a recuperação judicial em falência. A Cultura recorre e, na segunda instância, ganha tempo. O desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças deixou para o colegiado da 1ª Câmara de Direito Empresarial de São Paulo a decisão. O ano encerra sem que os desembargadores decidissem o futuro da empresa.

A pandemia

Em fevereiro, quando a circulação do vírus Sars-CoV-2 estava restrita à China, editores brasileiros apontaram os primeiros impactos do surto por aqui. Naquela ocasião, a preocupação era com as impressões feitas no país oriental. O pior ainda estava por vir. Na Europa, as feiras de Bolonha, Paris e Londres foram as primeiras a suspenderem suas edições de 2020. No segundo semestre, Frankfurt cancela a feira física e leva toda a sua programação para o ambiente virtual. Por aqui, os principais eventos literários também foram suspensos. A Bienal Internacional de São Paulo adiou a sua 26ª edição para 2022 e realizou uma programação virtual. A mesma medida foi adotada por festivais literários.

Na Itália, o país mais afetado pela primeira onda da pandemia na Europa, o varejo de livros despencou. Na segunda quinzena de março, os governos estaduais brasileiros determinam o fechamento do comércio e o fenômeno apontado pelos italianos se repete por aqui. Na primeira semana do comércio fechado, a Nielsen detectou queda de 40%. Entre março e abril, o tombo foi de 47%. A crise foi também registrada pelos termômetros do IBGE que apontou queda recorde no varejo nacional no mês de abril.

O sinal vermelho se acendeu e surgiram iniciativas que tentaram minimizar a gravidade da situação. O Grupo Companhia das Letras, por exemplo, criou um fundo de R$ 400 mil para socorrer pequenos livreiros. O Grupo Editorial Record fez o compromisso de colocar seus lançamentos à venda primeiro em livrarias independentes, como forma de apoiá-las. Entidades se uniram para lançar um campanha que arrecadou R$ 430 mil para ajudar livrarias e o Catarse conseguiu amealhar 1,1 mil apoiadores que doaram R$ 485 mil para socorrer livrarias, autores e editores independentes.

A pandemia pode ter impactado também o comportamento leitor do brasileiro. Pelo menos é no que acredita a Bookwire, a principal distribuidora de e-books no Brasil. O primeiro sinal disso foi apontado por Marcelo Gioia, CEO da empresa no Brasil. Em entrevista ao PublishNews em maio, ele apontou que nos primeiros 49 dias da pandemia, a Bookwire distribuiu 9,5 milhões de unidades, o que representava quase 80% de tudo o que foi vendido ao longo de 2019. A pergunta que ficava naquela época era se esse alto patamar apontado no período se manteria ao longo do tempo. Em novembro, a Bookwire encomendou ao consultor austríaco Rüdiger Wischenbart um relatório que mostrou que houve crescimento relevante nas vendas entre o pré-isolamento e o isolamento, com um pico entre abril e maio. Mas mais importante do que isso: o crescimento se sustenta nos períodos seguintes, criando um patamar de vendas superior quando comparado a 2019. "Vimos que no Brasil a crise serviu de catalisador na aceleração de uma tendência já existente em direção à transformação digital. O mercado editorial digital no Brasil foi impactado de forma relevante pela pandemia da Covid-19”, concluiu Rüdiger.

Um dos desdobramentos dessa mudança de comportamento foi a criação de selos exclusivamente digitais por grandes editoras. Foi o caso da Saraiva Educação, que lançou o Expressa, e o Grupo Editorial Record, que colocou no mercado o E-stante.

Nova Livraria da Travessa em Niterói
Nova Livraria da Travessa em Niterói
Novas livrarias

Apesar de todas as dificuldades, foi um ano marcado pela abertura de novas livrarias. Pequenas e médias redes viram na crise da Saraiva e Cultura uma chance de ampliar sua presença em cidades brasileiras. A mineira Leitura abocanhou diversas lojas deixadas pela Saraiva e se consolidou como a maior rede de livrarias em número de lojas no Brasil, chegando ao fim de 2020 com 80 unidades. Redes regionais também esticaram seus braços e alcançaram novos territórios. É o caso, por exemplo, da paranaense A Página que chegou a São Paulo e da sergipana Escariz que chegou a Salvador.

A Travessa, que em 2019, abriu sua primeira loja de rua em São Paulo e outra em Lisboa, abriu uma unidade em Niterói; a Livraria da Vila também expandiu ganhando lojas nos shoppings Eldorado (SP) e Park Shopping São Caetano, na região metropolitana de São Paulo. Há ainda a previsão de inaugurar mais uma unidade no Shopping Anália Franco (SP).

O Rio de Janeiro ganhou a charmosa Janela, capitaneada pela psicóloga Leticia Bosisio e pela editora Martha Ribas. Em São Paulo, a esperada Megafauna abriu suas portas no icônico Edifício Copan. Em Porto Alegre, a Taverna abriu nova unidade na Casa de Cultura Mário Quintana, no centro da capital gaúcha.

CBS

Um outro grande assunto de 2020 foi a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) proposta na reforma tributária apresentada pelo ministro Paulo Guedes. A alíquota de 12% incidiria sobre a receita bruta apurada com cada uma destas operações e abrangeria as pessoas jurídicas de direito privado. Se aprovada pelo Congresso, a reforma tributária acabaria com a isenção de Cofins conquistada pela indústria do livro em 2004. A reação foi imediata. Entidades do livro lançaram manifesto pela manutenção da desoneração do livro e uma campanha realizada por jovens leitoras amealhou mais de um milhão de assinaturas contra a reoneração. O assunto também foi alvo de um manifesto publicado pela International Publishers Association (IPA). A proposta está estacionada no Congresso.

Pesquisa divulgada em 2020 mostra que, entre 2015 e 2019, o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores | © Divulgação / Bienal do Livro Rio
Pesquisa divulgada em 2020 mostra que, entre 2015 e 2019, o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores | © Divulgação / Bienal do Livro Rio

Pesquisas

Em 2020, a Pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, um dos principais estudos do mercado, passou para as mãos da Nielsen. O estudo, que é sempre referente ao ano anterior, apontou que a indústria editorial cresceu em 2019. Chama a atenção o crescimento importante do canal Livrarias Exclusivamente Virtual, que saltou de 3,4% para 12,7% do faturamento global da indústria. Outro foco é o crescimento do subsetor de Obras Gerais, que cresceu 14,8%. Na contramão desse aumento, o subsetor de CTP encolheu 8,2%.

A série histórica da pesquisa apontou que, nos últimos 14 anos, a indústria encolheu 20%. De novo, o subsetor de CTP foi o que mais sentiu, encolheu 41% no período.

Uma derivação da Produção e Vendas apareceu pela primeira vez em 2020. É a Conteúdo Digital do Setor Editorial Brasileiro, cuja primeira edição foi realizada nesse ano. O estudo faz um comparativo com 2016, quando foi realizado o Censo do Livro Digital. Nessa base de comparação, o faturamento com a venda de conteúdos digitais – e-books e audiolivros – cresceu 140%, alcançando R$ 103 milhões em 2019.

Outra pesquisa muito esperada em 2020 foi a Retratos da Leitura. O estudo – realizado a cada quatro anos – mostrou que entre 2015 e 2019, o Brasil perdeu 4,6 milhões de leitores. A pesquisa comprovou ainda que a Classe C é leitora e compradora de livros. Segundo o estudo, quase 80% do consumo de livros no Brasil é realizado por famílias fora da faixa de maior renda.

Concentração

A indústria editorial ficou mais concentrada em 2020. No mundo, o grande movimento neste sentido foi a compra da Simon & Schuster pela Bertelsmann por US$ 2,17 bilhões. A aquisição consolidou a Penguin Random House como o maior conglomerado editorial no mundo. A Santillana vendeu a sua matriz espanhola para o grupo finlandês Sanoma por 465 milhões de euros. Por aqui, o Grupo Companhia das Letras – que também pertence à Penguin Random House – comprou a Brinque-Book.

[23/12/2020 08:50:00]