Cultura vai recorrer da decisão do juiz que não aceitou alterações no voto de credores
PublishNews, Redação, 24/09/2020
Depois da divulgação do resultado, os credores Estação Liberdade e JBQ Consultores se manifestaram querendo alterar seus respectivos votos, sob a alegação de erro

No último dia 14, depois de quase sete horas de uma assembleia virtual, os credores da Livraria Cultura apreciaram e votaram sobre um aditamento ao plano de recuperação judicial da varejista. A maioria dos credores de classe IV (titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte) votaram contrários à mudança no plano. Depois de divulgado o resultado, dois credores – a editora Estação Liberdade e a consultoria JBQ – solicitaram a retificação dos seus votos, sob a alegação de erro.

Como manda a Lei de Falências, o impasse foi levado ao juiz Marcelo Barbosa Sacramone, responsável pela condução do caso na 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo.

Na sua decisão, o magistrado argumentou que, nos dois casos, não há, “qualquer sentido em se permitir o arrependimento do credor pós deliberação, pois o credor deve ser consciente do poder dever que tem ao expressar o próprio voto e, inclusive, após diversas suspensões, teve tempo mais do que suficiente para pensar se o plano de recuperação judicial lhe era conveniente”.

Assim, encerrando a sua decisão, o juiz deu cinco dias para que a Cultura comprove o cumprimento do plano de recuperação judicial já homologado.

A Cultura informa, por meio dos seus advogados, que recorrerá da decisão de o magistrado não reconhecer a alteração dos votos dos dois credores. Em nota (que pode ser lida na íntegra ao fim desta matéria), Fabiana Solano, da Felsberg Advogados, sustenta que, se os votos desses dois credores tivessem sido computados conforme solicitaram depois da divulgação do resultado, o placar seria favorável à Cultura.

“A Livraria Cultura entende que o juiz decidiu de forma equivocada ao não computar o voto manifestado por esses dois credores da Classe IV, dentro do prazo indicado pela administradora judicial para a formulação de ressalvas à assembleia virtual”, diz a nota que ressalta também que existe, ainda, forma alternativa de homologação do plano que não foi considerada no caso.

Leia abaixo a íntegra da nota enviada à redação do PublishNews

COMUNICADO À IMPRENSA – LIVRARIA CULTURA

Prezados Senhores,

Diante das notícias veiculadas na imprensa a respeito do ocorrido na última assembleia de credores da Livraria Cultura e da decisão do juiz da 2ª Vara de Recuperações Judiciais e Falências, na qualidade de advogados da empresa, vimos esclarecer os seguintes pontos:

1. Desde abril de 2019 a Livraria Cultura vinha cumprindo com seu plano de recuperação judicial, que foi aprovado pela maioria ostensiva de seus credores.

2. Entretanto, seguindo a esteira da grande maioria das empresas de varejo, a partir de março de 2020 a Livraria Cultura sofreu abruptamente os impactos da pandemia e teve todas as suas lojas fechadas compulsoriamente por mais de 4 meses (a partir de atos normativos expedidos por diversos Estados e Municípios), o que causou uma queda abrupta de mais de 73% do seu faturamento bruto (se comparado ao mesmo período do ano de 2019). O modelo de negócios da Livraria Cultura está baseado em lojas físicas, ancorado no apoio indispensável de serviços digitais. A migração para um modelo de e-commerce exclusivamente digital nesse momento não é uma opção para a empresa, dada a sua estrutura atual e modelo de negócios.

3. Essa situação prejudicou em muito o equilíbrio financeiro da Livraria Cultura, e foi justamente o que a levou a apresentar uma proposta ajustada de pagamento aos credores (“Aditivo ao Plano”), que refletisse essa nova realidade financeira.

4. No dia 14.9.2020, a assembleia de credores para votação desse Aditivo ao Plano transcorreu de maneira virtual, em razão das restrições ainda vigentes de contato social impostas pela pandemia. Após cerca de 10 horas de assembleia, com mais de 150 pessoas conectados em seus computadores, o placar de votação dos credores foi o seguinte:

a. Credores trabalhistas (classe I): aprovação por 95,17% dos créditos e por 96,88% dos credores presentes

b. Credores quirografários (classe III): aprovação por 68,88% dos créditos e por 61,62% dos credores presentes

c. Credores ME/EPP (classe IV): 57,95% de aprovação por créditos presentes e 46,67% de credores presentes

5. O quórum regular de aprovação é de maioria simples dos credores presentes (50% + 1). Ou seja, na classe de credores ME/EPP, pelo anúncio do resultado de votação na própria assembleia de credores, o placar foi pela rejeição do plano apenas no voto computado por “credores presentes”: num total de 45 credores, 21 votaram a favor do plano e 24 contra.

6. Ocorre que dois credores da Classe IV informaram um erro ao proferir seus votos eletronicamente e, em razão deste erro, seus votos acabaram sendo computados como desfavoráveis ao Aditamento ao Plano. Esses credores solicitaram à Administradora Judicial a retificação dos seus votos logo após o encerramento formal da votação, dentro do prazo estabelecido pela própria administradora judicial para envio de ressalvas (11h00 do dia seguinte, 15.9.2020).

7. Se os votos desses dois credores tivessem sido computados da forma como desejavam – ou seja, pela aprovação do plano e não por sua rejeição – o placar final seria de 23 votos pela aprovação (51,11% do quórum votante) e de 22 votos pela rejeição (48,89% do quórum votante), de modo que o Aditamento seria considerado aprovado. Ou seja, a vontade real da maioria dos credores presentes à assembleia virtual foi pela aprovação do Aditivo ao Plano.

8. Após a questão ser levada à apreciação do juiz da 2ª Vara de Recuperações Judiciais e Falências do Estado de São Paulo, a Livraria Cultura foi surpreendida com a decisão do juiz de não computar a alteração de voto solicitada por esses dois credores da Classe IV, que manifestaram essa intenção após o desafio de enfrentarem mais de 10 horas de assembleia praticamente ininterruptas, em um formato que não é o usual. Diante disso, o juiz concedeu 5 dias para que a Livraria Cultura comprove o cumprimento das obrigações previstas no plano hoje em vigor, sob pena de convolação da recuperação judicial em falência.

9. Em primeiro lugar, a Livraria Cultura esclarece que, como colocado pelo juiz, a rejeição do Aditivo ao Plano não implica a falência da empresa, mas significa a manutenção das condições de pagamento atuais estabelecidas no seu atual plano de recuperação.

10. Além disso, a Livraria Cultura entende que o juiz decidiu de forma equivocada ao não computar o voto manifestado por esses dois credores da Classe IV, dentro do prazo indicado pela administradora judicial para a formulação de ressalvas à assembleia virtual. Existe, ainda, forma alternativa de homologação do plano que não foi considerada no caso.

11. Em certa reportagem sobre o tema, insinuou-se a possibilidade de que supostamente teriam sido oferecidas condições diferenciadas aos credores que mudaram o voto. A Livraria Cultura nega veementemente essa alegação. A ressalva de voto foi manifestada por eles a tempo e no modo estipulados pela Administradora Judicial, seguindo o procedimento expresso antes da própria assembleia virtual do caso.

12. Por fim, como consequência da pandemia, o poder judiciário e as partes num processo de insolvência tiveram que se adaptar com agilidade e da melhor forma possível para permitir que os processos em andamento tivessem seu curso normal e pudessem ter suas assembleias de credores realizadas sem maiores entraves. Hoje as assembleias virtuais são uma realidade nos processos de insolvência, mas ainda não há normas regulando esse procedimento. Os administradores judiciais, que conduzem a assembleia com o apoio de empresas e sistemas de tecnologia, têm estabelecido a forma e o procedimento a ser seguido casuisticamente, com a aprovação do juiz da causa, exatamente como ocorreu no caso da Livraria Cultura.

13. Acreditamos nessa nova realidade, que em nossa opinião veio para ficar.

14. Entretanto, é necessário que todos os envolvidos no processo entendam que existem diferenças sensíveis e significativas entre os procedimentos virtual e físico das assembleias de credores. O procedimento virtual, adaptado para ser o mais assemelhado possível ao físico, necessariamente sofre adaptações em sua dinâmica, no que tange à forma e aos prazos. Punir erros passíveis de correção, dentro do prazo e do procedimento estipulados previamente pelo próprio administrador judicial, representa um rigor excessivo, não previsto em lei, e com consequências gravíssimas para as partes. Significa tolher os direitos de devedores e credores dentro dessa nova dinâmica.

15. Por todos esses motivos, a Livraria Cultura recorrerá ao Tribunal de Justiça e está confiante de que fará valer os seus direitos.

Fabiana Solano

Felsberg Advogados

[24/09/2020 10:00:00]