Alguns meses na transmissão do vírus foram suficientes para paralisar as atividades econômicas na tentativa de diminuir o número de óbitos, o número de pessoas contaminadas e para desnudar as deficiências do Sistema Público de Saúde.
Como um aluvião incontrolável, o novo coronavírus encurralou o mundo, desafiou a ciência e colocou a prova a capacidade de resposta que necessariamente as sociedades e os seus representantes políticos tem de articular.
O mercado editorial, especificamente, já vinha enfrentando sucessivas crises a partir dos anos de 1990 com a expansão de um modelo de negócio hiper concentrador.
As novas tecnologias, se bem deram uma enorme contribuição para agilizar os processos de produção e comercialização, também contribuíram e contribuem para potenciar mais ainda a concentração de capitais. Como resultado, o mercado editorial e livreiro está, a olhos visto, cada dia mais controlado por menos empresas.
A concorrência desenfreada e muitas vezes desleal, ao mesmo tempo que beneficia o consumidor, depreda o sistema acenando para a distopia do produtor-vendedor único.
As livrarias resistem. Resistem porque são historicamente um lugar de resistência, um lugar de encontro, um lugar de produção cultural, um lugar civilizatório.
O homem, em tanto ser gregário, precisa encontrar seus pares. Encontrá-los fisicamente como na ágora grega, para compartilhar seus projetos, suas comemorações e até para oferecer seus produtos e serviços. Enfim, precisa conviver em comunidade, agora também virtual.
A nova era das livrarias estará marcada pela evolução rumo a um modelo de negócio híbrido, transitando entre atividades presenciais, a criação de conteúdos transmitidos em modo virtual e as transações online.
Esse parece ser o caminho que a atual pandemia desenhou, acelerando um processo que sem sombra de dúvidas, estava em curso.
As livrarias brasileiras, assim como as de outros países, reagiram dentro das suas possibilidades.
Aquelas que já trabalhavam com o comercio eletrônico, impulsionaram suas ações via internet e fecharam temporariamente suas lojas físicas.
As que não estavam preparadas, fizeram das mídias sociais seu canal de comunicação com os clientes e até em alguns casos, conseguiram expandir suas audiências e gerar alguma renda.
Mesmo com todos os esforços e profissionalismo demonstrados pelos livreiros, a quebra de faturamento foi dramática. Dramática ao ponto de comprometer a continuidade dos negócios por falta de capital de giro, essencial para seu normal funcionamento.
A Associação Nacional de Livrarias (ANL), juntamente com as demais entidades nacionais do livro, colaborou na formatação de dois projetos de lei específicos para o conjunto do mercado editorial (PL 2.148/2020 e PL 2604/2020) e um outro já sancionado, hoje conhecido como Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/2020) que aponta a fortalecer toda a economia da cultura enquanto vigorar a emergência sanitária.
No entanto, precisam tomar consciência os legisladores da necessidade de reconhecer as livrarias de forma permanente como empresas culturais e não apenas como meras pessoas jurídicas da área comercial. Empresas que contribuem para a produção e circulação das ideias. Empresas estimuladoras da escrita e da leitura. Empresas que promovem ações civilizatórias e, nesse sentido, que estimulam a socialização e colaboram na construção de cidadania.
O Projeto Retomada -- iniciativa de um grupo de editores, distribuidores e livreiros com apoio da Câmara Brasileira do Livro (CBL), da ANL, e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) -- é uma ação concreta de arrecadação de contribuições voluntárias visando auxiliar 50 pequenas livrarias com uma injeção de capital de giro, simbolicamente um respirador, de modo a que possam recuperar parte da dinâmica perdida.
Bem que o poder público poderia encampar a ideia e assumir sua responsabilidade sob a bandeira do Projeto Retomada promovendo ações eficazes e permanentes para fortalecer de uma vez e para sempre o ecossistema do livro.
Simples, assim: criar editais para estimular atividades de mediação de leitura, diminuir a carga tributária, oferecer linhas de crédito de fato acessíveis para viabilizar a transformação digital das empresas, renovar os estoques, renegociar dívidas, executar reformas e possibilitar a ampliação da rede de varejo, medidas todas elas em prol da sobrevivência das livrarias, centros irradiadores de conhecimento, de descobertas e de inclusão social.
Bernardo Gurbanov é presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL) e proprietário da Editora Letraviva. Para conhecer mais sobre sua história livreira e de vida, leia aqui mesmo no PublishNews matéria A saga dos livreiros Gurbanov na Argentina e descubra porque ele é nosso argentino brasileiro predileto.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews
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