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The lady is a Trump
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 02/07/2020
Gustavo Martins de Almeida acompanhou todo o desenrolar (até agora) do caso de Mary Trump, sobrinha do presidente Donald Trump, cujo livro teve a circulação proibida (e depois liberada) nos EUA

A luta pela divulgação de fatos de interesse público teve novos rounds esta semana em Nova York. Na última terça-feira (30), o magistrado Hal Greenwald, da Corte Superior do Estado de Nova York, acatou um pedido de suspensão temporária (“temporarily restraining order”), até o dia 10 de julho, data de uma audiência, da edição, impressão ou distribuição do livro de Mary S. Trump intitulado Too much and never enough, how my family created the world's most dangerous man (Muito e nunca suficiente, como minha família criou o mais perigoso homem do mundo), sobre a Família Trump, inclusive o presidente Donald Trump.

Trata-se de mais um capítulo da briga entre o presidente dos EUA e a sua sobrinha Mary Trump, filha de seu irmão mais velho, Fred Trump.

A ação é movida por Robert Trump, irmão do presidente, e, na petição inicial - a qual tive acesso -, o advogado Charles Harder (que segundo o NYT também advoga para o presidente Trump) alega que o caso tem origem no litígio entre a família Trump envolvendo a sucessão de Frederick Trump, avô de Mary e pai de Donald Trump. O litígio judicial ocorreu entre 1999 e 2001 e foi encerrado com acordo de confidencialidade a respeito da relação entre os envolvidos, de modo que nada poderia ser publicado sobre a família, salvo se todos os signatários concordassem com a publicação.

Ainda segundo a inicial, em junho de 2020, Mary anunciou a publicação do livro, que sairia em 28 de julho. Robert alega que não conhece o conteúdo, mas como Mary disse que ele revelaria detalhes íntimos dos integrantes do acordo, e tal seria proibido, nem teria a indispensável concordância de todos, então ele estaria legitimado a proibir a publicação do livro.

Ainda segundo a inicial, no acordo assinado por Mary, ela teria concordado em não publicar, nem direta, nem indiretamente, nenhum diário, memória carta, história, fotografia, entrevista, artigo ensaio ou qualquer descrição de qualquer tipo, ficcional ou não, relativa ao litígio da família, e a única exceção seria se ela tivesse consentimento de todos.

A editora

Segundo informam os sites Publishing Perspectives e CNN, a editora Simon & Schuster, que também é ré nessa ação, teria, na divulgação do livro junto com Mary, informado que o conteúdo mencionaria (a) devoluções de impostos ao jornal New York Times, (b) trabalhos internos (inner workings) da família Trump, (c) alegação de que Fred Trump e Donald teriam descuidado de seu filho e irmão Fred Trump Jr, pai de Mary, o que teria causado a sua morte prematura (segundo o jornal The Sun, de alcoolismo), (d) e as impressões de Mary, como psicóloga, sobre uma família tóxica (toxic family).

Fred Trump Jr. (no centro) foi o irmão mais velho de Donald Trump. Da esquerda para a direita: Robert Trump, Elizabeth Trump, Fred Trump Jr., Donald Trump, Maryanne Trump | © Donald Trump Campaign / Reproduzida do jornal The Sun
Fred Trump Jr. (no centro) foi o irmão mais velho de Donald Trump. Da esquerda para a direita: Robert Trump, Elizabeth Trump, Fred Trump Jr., Donald Trump, Maryanne Trump | © Donald Trump Campaign / Reproduzida do jornal The Sun
A editora sustenta que adquiriu o livro num leilão com mais nove concorrentes e que Robert Trump não leu o livro, nem pediu para ver o conteúdo, e por isso não poderia proibi-lo. Alega ainda que foi surpreendida com a notícia do acordo de confidencialidade assinado por Mary, já que ao celebrar o contrato de edição a autora afirmara peremptoriamente que não havia qualquer impedimento a publicação do conteúdo do livro.

Os originais foram entregues em 7 de maio e em 25 de junho já começou a produção, que está com 75 mil exemplares prontos e outros milhares sendo distribuídos.

Relembre-se que a mesma editora Simon & Schuster acaba de publicar o livro de John Bolton, ex-assessor de segurança nacional de Donald Trump, The room where it hapenned (em tradução livre, A sala onde tudo aconteceu), que teve tentativa judicial de proibição frustrada e já vendeu 780 mil exemplares em cinco semanas.

O caso envolve dois aspectos fundamentais: o alcance de acordo de confidencialidade, ainda que implique em fatos de interesse público superveniente, e a boa-fé de editora que assinou contrato com autora, dizendo-se sem impedimento para publicar um livro, e que parece não ter correspondido à realidade.

A liberdade de expressão e liberdade contratual são os vetores desse fato. Até que ponto o acordo de confidencialidade, celebrado em 2001, quando aparentemente não havia interesse de Donald Trump em se candidatar a Casa Branca pode ser desconsiderado? Qual o alcance da vida privada de pessoa pública?

Em paralelo, a editora obteve a declaração da autora de total capacidade para divulgar o conteúdo apresentado. Se houver a proibição, como serão compostos os prejuízos suportados, relativos à impressão, adiantamentos, divulgação, venda de direitos para outros países, etc.

A ação está apenas começando, mas por si só já dá enredo para um bom livro. Mary, afinal, é uma Trump!

[23:00, 01/07/2020] - O artigo estava pronto e foi enviado 20h para o PublishNews, quando falando com minha irmã no EUA sobre o tema sou informado de que houve uma reversão da decisão.

Fui verificar e de fato o juiz Alan D. Scheinkman, de uma Corte Recursal de Nova York, reformou a decisão de suspensão temporária com relação a editora, e autorizou-a a publicar o livro, mas não o fez em relação a autora Mary Trump.

Assim, a editora pode publicar o livro, mas a autora não pode revelar o seu conteúdo. O argumento que ele usou, foi bem semelhante ao que deixei pronto na reflexão final do artigo: será que um acordo de confidencialidade envolvendo relações familiares, imóveis e aspectos patrimoniais, celebrado 20 anos atrás, quando Donald Trump estava longe de ser candidato a presidente tem o mesmo efeito no momento em que ele se torna uma pessoa pública?

Portanto, persiste a discussão sobre a possibilidade de divulgação de fatos privados em relação a pessoa pública! A editora que assinou contrato de boa-fé, segundo consta, pode ser punida? Fake news e realidade são questões centrais atualíssimas, ligadas ao infotainment, que demolem a lógica da vetusta política brasileira, segundo a qual o que importa é a versão e não o fato. O enredo promete. Essa foi a minha 75ª coluna no PublishNews, meio de supetão, mas é o ritmo do mundo. Agradeço o convite de Carlo Carrenho e o convívio com toda a equipe, representada por Leonardo Neto. É um prazer compartilhar informação com público de qualidade, como o desse veículo.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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