CBL se manifesta sobre erro de curador do Prêmio Jabuti em redes sociais
PublishNews, Redação, 26/05/2020
No fim de semana, Pedro Almeida usou suas redes sociais para questionar aumento de óbitos em decorrência da pandemia do novo coronavírus

Pedro Almeida assume que errou ao fazer post em que questiona o número de óbitos causados pelo novo coronavírus
Pedro Almeida assume que errou ao fazer post em que questiona o número de óbitos causados pelo novo coronavírus

No último sábado (23), quando mais de 22 mil pessoas tinham morrido de covid-19, o editor Pedro Almeida usou as suas redes sociais para transmitir uma inverdade relacionada à pandemia. A partir de dados de relatórios do Portal da Transparência, concluiu equivocadamente que não houve aumento no número de mortes por causas respiratórias entre o mês de abril e maio quando comparados ao igual período do ano passado. Com isso, ele concluiu: “O covid, pelo menos no Brasil, não causou mais mortes, nem por doenças respiratórias, nem por todos os motivos juntos”.

No post, ele faz uma outra constatação equivocada: “Estou falando que não há um dado claro que indique a necessidade de parar o país e ferrar com a economia por uma mortandade de pessoas, porque não há esse aumento de óbitos”.

Ocorre que o próprio Portal da Transparência tem um alerta sobre os prazos legais para registro de óbitos e também em relação ao processo de atualização do sistema, o que acarreta um atraso importante, dificultando a correlação direta entre os dados.

O post equivocado do editor, que é também curador do Prêmio Jabuti e colunista do PublishNews, teve enorme repercussão, o que levou Pedro a apagá-lo.

Um grupo de escritores, editores e intelectuais criou uma petição on-line que já amealhou mais de 7,5 mil assinaturas declarando que Pedro está “moralmente desautorizado para o cargo [de curador do Prêmio Jabuti]”.

Pedro usou novamente as suas redes sociais para uma retratação: “Fiz um post com dados incorretos; errei por acreditar que eram corretos. Assim que amigos me avisaram disso, apaguei o post. Não desejava colocar inverdades e, como jornalista, sempre confiro antes de divulgar. Mas apostei na fonte”.

E, na noite desta segunda-feira (25), a Câmara Brasileira do Livro (CBL), realizadora do Prêmio Jabuti, enviou à redação do PublishNews uma nota em que diz: “Pedro Almeida, atual curador do Prêmio Jabuti, realizou um trabalho reconhecido por todos na última edição da premiação, mas seus recentes comentários em redes sociais sobre a Covid-19 provocaram indignação e protestos. Foi um erro grave, reconhecido por ele, e objeto de retratação. A CBL mais uma vez lamenta o corrido e reforça que nenhum colaborador está autorizado a falar em nome da Câmara. Opiniões manifestadas por colaboradores e parceiros em seus canais pessoais e redes sociais são de responsabilidade exclusiva de seus autores.”

O PublishNews, onde Pedro mantém uma coluna voluntária (não há qualquer vínculo empregatício ou monetário com o editor), também se manifestou dizendo que “repudia qualquer tentativa de minimizar essas mortes”.

Leia abaixo as íntegras das notas

Íntegra da nota de Pedro Almeida

RETRATAÇÃO

Fiz um post com dados incorretos; errei por acreditar que eram corretos. Assim que amigos me avisaram disso, apaguei o post. Não desejava colocar inverdades e, como jornalista, sempre confiro antes de divulgar. Mas apostei na fonte.

PANDEMIA

Lamento profundamente todas as mortes por COVID-19. Tenho amigos que perderam parentes por conta dessa pandemia, dei toda a minha solidariedade e afeto a todos eles na época em que essas perdas aconteceram. Uma amiga perdeu o pai e é muito próxima a mim. Ela sabe que nunca desprezei essas mortes e foi a primeira a me dar apoio quando as redes começaram a discutir meu post, pois sabia que o sentido que ele ganhou não foi o mesmo de quando o escrevi.

ISOLAMENTO

Foi criado um manifesto afirmando que sou contra o isolamento. Está equivocado. Não sou contra o isolamento, não nego o vírus nem seu potencial. Ao contrário, me preocupo com ele e recomendo a todos que mantenham o distanciamento social o máximo que puderem, e sigam as recomendações das autoridades médicas para a devida higienização neste período tão angustiante e preocupante.

TRABALHO SOLIDÁRIO

Em nenhum momento neguei a necessidade de isolamento, mas descobri que há muita gente que não tem como fazer essa escolha. E resolvi fazer algo.

Quem me acompanha nas redes sociais sabe que tenho tomado todos os cuidados e seguido todos protocolos para realizar esse trabalho com segurança, porque considero imperioso enfrentar a COVID 19 com solidariedade e empatia. Desde o início da quarentena decretada em São Paulo, tenho dedicado vários dias por semana a distribuir refeições, cestas básicas, produtos de higiene, agasalhos e cobertores a moradores de ruas, de albergues, favelas, prostitutas, travestis, crianças de rua, detentos recém-libertados fora de sua cidade de origem. Sou testemunha participante de que enfrentamos uma situação desesperadora para quem não tem condições de moradia ou reserva financeira.

HISTÓRIA

Nasci numa família que sempre realizou atividades caritativas desde a década de 1960. Ver hoje tanta gente desempregada e nas ruas me fez perceber quantos correm mais riscos que eu. Tive medo de pegar o vírus? Claro, mas sempre fui uma pessoa de frente de batalha. Então recebo surpreso a notícia de que meu post foi reduzido à voz de “um negacionista”. Me recuso a aceitar essa acusação, ela simplesmente não é verdadeira. E estou nas ruas porque desejo evitar mais mortes, mais desespero.

CENSURA E PATRULHAMENTO

Opiniões e posts que emito em minhas redes sociais pessoais não podem ser confundidas ou estendidas às instituições com as quais colaboro. Sou livre para pensar e me expressar. Não aceito censura. Quando erro, reconheço e me desculpo. Tenho opiniões que ora desagradam à esquerda ora à direita e não vou admitir censura, nem viver em regime de autocensura. Sou homossexual e ateu. Terei de fingir algo que não sou para ocupar um cargo? Se fizer isso uma vez, perco a minha voz e o meu respeito próprio. Não há no meu trabalho profissional nenhum desabono, nem sobre meu caráter, nem sobre minha capacidade de ouvir todas as vozes.

PRÊMIO JABUTI

O Prêmio não tem nada a ver com o meu post. Os premiados são avaliados por aspectos artísticos e técnicos por um corpo de jurados formado por nomes respeitados em suas áreas. O conselho do Prêmio é composto por quatro pessoas que, muitas vezes, pensam diferente de mim e nos respeitamos. Também existe uma Comissão da Câmara Brasileira do Livro que acompanha as atividades da seleção: não estamos diante do trabalho de uma única pessoa. A edição de 2019 do Prêmio foi um grande sucesso, recebi o reconhecimento de centenas de pessoas do mercado, inclusive daquelas que discordam de mim em muitos domínios. O nível elevado que o Prêmio alcançou resulta da atuação de um número enorme de profissionais que trabalham para valorizar o livro e a leitura no Brasil. E é isso que deve importar.

MEUS SENTIMENTOS ÀS FAMÍLIAS DE TODAS AS VÍTIMAS DA COVID-19.

Íntegra do manifesto assinado por escritores, intelectuais e editores

Nós, escritores, editores, jornalistas e profissionais do livro abaixo-assinados, manifestamos nossa indignação com as declarações do presidente do conselho curador do Prêmio Jabuti, Pedro Almeida, publicadas no domingo 24 de maio em sua página no Facebook, que negam os riscos relacionados à Covid-19 e questionam a gravidade da doença e a mortalidade por ela provocada, além de colocar em dúvida a necessidade do isolamento social para debelar a crise.

Mais importante prêmio literário brasileiro, o Prêmio Jabuti é um patrimônio cultural e científico de todos os intelectuais e profissionais do livro do país e tem um compromisso inegociável com a ciência, a responsabilidade social e o combate à disseminação de notícias falsas.

O posicionamento de Pedro Almeida é incompatível com a responsabilidade do curador de um prêmio que celebra a produção científica brasileira, bem como a obra de escritoras e escritores que hoje se encontram vulneráveis à Covid-19. Além de irresponsáveis, tais palavras desonram nomes como o do escritor Sérgio Sant'Anna, vencedor do Jabuti, que morreu de Covid-19, bem como do cronista Aldir Blanc, do tradutor Fernando Py, da tradutora Olga Savary e de outros grandes intelectuais brasileiros cuja memória as declarações de Pedro Almeida desrespeitam.

Nós, abaixo-assinados, entre os quais há muitos vencedores do Prêmio Jabuti, o declaramos moralmente desautorizado para o cargo e aguardamos uma resposta imediata da Câmara Brasileira do Livro.

Íntegra da nota da CBL

O país e o mundo vivem um momento de grandes dificuldades, de grave crise de saúde, com muitos infectados e óbitos, o que deve ser tratado com a maior seriedade e respeito às pessoas que perderam entes queridos. A Câmara Brasileira do Livro (CBL) sempre atuou em defesa da democracia, liberdade de expressão, da cultura e da ciência e lamenta que comentários desprovidos de base científica ou sem argumentação sólida sejam divulgados em uma situação tão grave como a que vivemos.

Pedro Almeida, atual curador do Prêmio Jabuti, realizou um trabalho reconhecido por todos na última edição da premiação, mas seus recentes comentários em redes sociais sobre a Covid-19 provocaram indignação e protestos. Foi um erro grave, reconhecido por ele, e objeto de retratação.

A CBL mais uma vez lamenta o corrido e reforça que nenhum colaborador está autorizado a falar em nome da Câmara. Opiniões manifestadas por colaboradores e parceiros em seus canais pessoais e redes sociais são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

A Câmara tem trabalhado para manter os serviços aos associados e garantir uma atuação com responsabilidade e foco nos desafios e dificuldades que ainda vem pela frente para o mercado editorial e para toda a sociedade.

Íntegra da nota do PublishNews

O mundo transita em um mar de incertezas, mas uma única convicção deveria nos unir a todos: a nova pandemia nos afeta como indivíduos, como setor e como sociedade. Os impactos dela estão presentes e são inegáveis. Até este domingo (24) foram registradas oficialmente 22.013 mortes, só no Brasil. No mundo, a Organização Mundial da Saúde já soma 337.736 pessoas. Mais do que números (por mais assustadores que sejam por si só), do que se fala é de vidas, de pessoas, que deixaram família, amigos, colegas de trabalho e uma história interrompida. O PublishNews não só se solidariza com aqueles que perderam os seus como repudia qualquer tentativa de minimizar essas mortes.

[26/05/2020 09:50:00]