O que os editores podem fazer com a Inteligência Artificial
PublishNews, Fernando Tavares*, 31/03/2020
Dando sequência ao seu artigo anterior, Fernando Tavares apresenta mais ideias sobre as novas tecnologias e o que é possível aplicar ao mundo editorial.

Este post é a sequência do O que a Inteligência Artificial pode fazer pelos editores e nele desejo continuar apresentando ideias sobre as novas tecnologias e o que é possível aplicar ao mundo editorial.

No texto anterior, iniciei falando sobre alguns conceitos básicos e me foquei em uma área da Inteligência Artificial chamada Processamento de Linguagem Natural (PLN) que trabalha com análise de texto e tenta criar critérios para compreender esta forma de transmissão de dados.

Ainda sobre Processamento de Linguagem Natural

Gostaria de apresentar um exemplo prático da utilização do Processamento de Linguagem Natural, para compreendermos como pode ser uma ferramenta útil para quem trabalha no mercado editorial.

Em janeiro deste ano foi publicado na PLOS ONE um artigo com o título: Wattpad as a resource for literary studies…, (indicação do Raphael Secchin @Rsrsecchin no grupo Amigos dos Editores Digitais no Facebook).

É um artigo científico, que utiliza o Processamento de Linguagem Natural para analisar o banco de dados do Wattpad e sobretudo os comentários deixados pelos jovens leitores.

Usando algoritmos de análise de sentimentos, o estudo avalia como os jovens reagem aos textos e qual o engajamento que eles possuem nas redes sociais com determinados textos literários. O estudo consegue demonstrar com dados em mãos e em detalhes, como os jovens escrevem e comentam intensamente os textos literários em uma escala nunca vista antes (quem disse que jovem não lê?).

Vale muito a pena ler o estudo. Lá estão informações que inclusive permitem reproduzir o experimento. Ele apresenta ainda muitos insights interessantes para quem trabalha com literatura. Por exemplo, só por curiosidade observem as palavras mais utilizadas nos textos publicados em Inglês, espanhol e português.

Este caso ilustra como funciona a Inteligência Artificial. Ela analisou os textos e transformou as informações não estruturadas (texto) em tabelas e gráficos (informação estruturada). Analisou as reações dos leitores e fez isso em uma enorme quantidade de textos, trazendo informações úteis aos pesquisadores.

O que agora será feito com estas informações não é mais por conta da Inteligência Artificial, mas está ligado às decisões, insights ou estratégias dos editores ou autores. Enfim, a IA é um instrumento que pode nos auxiliar a tomar decisões que sejam baseadas em dados e não mais em “achismos”.

Sistemas de recomendação

Um outro mundo fascinante que a Inteligência Artificial abre diante de nós são os chamados “sistemas de recomendação”. São algoritmos, softwares, que conseguem prever o comportamento do consumidor e recomendar para ele um produto que ele goste e que, portanto, irá aumentar a chance dele comprar/ler.

Com certeza você utiliza estes algoritmos todos os dias quando assiste a Netflix e recebe as informações do tipo: Recomendado para você. Ou quando ouvindo o Spotify recebe indicações de músicas que você gosta. Realmente ouvindo estas músicas indicadas você percebe que gosta delas! Como o robozinho do Spotify ou da Netflix conseguem prever o que você gosta?

No campo editorial a Amazon é a livraria que melhor aplica este recurso. Aliás, ela é indicada como case de sucesso por utilizar mais de uma estratégia para fazer isto. E os resultados nas vendas são bem visíveis.

Os algoritmos dos sistemas de recomendação podem ir dos mais complexos aos mais simples, com várias metodologias para conseguir avaliar e prever o gosto e o comportamento do cliente/leitor.

Entre os paradigmas utilizados está o chamado “filtragem colaborativa“. A ideia fundamental deste algoritmo é simples: ele analisa o comportamento das pessoas; encontra padrões semelhantes de comportamento; analisa as diferenças; e apresenta como recomendação o produto que um comprou e o outro não.

Um exemplo bem banal é o seguinte: Maria leu todos os livros do Harry Potter e também leu e gostou do The Witcher. João também leu toda a coleção do Harry Potter. Portanto ambos possuem um comportamento semelhante. O algoritmo irá, portanto, recomendar ao João que leia também The Witcher. Obvio, ele faz isso analisando uma quantidade de dados muito maior. A medida que na Amazon você vai comprando ou visitando as páginas dos livros o algoritmo vai “aprendendo” os teus gostos e fazendo indicações sempre mais precisas. E ele acerta na maioria das vezes.

Louco, não? Pois é, costumo dizer que isto funciona porque nós humanos somos bem padronizados, nos nossos comportamentos e até quem é rebelde pode ter o comportamento previsto.

Na vida real os algoritmos são bem mais complexos e utilizam muito mais variáveis do que no exemplo banal que dei, mas acredito que deu para entender como eles conseguem prever o comportamento do consumidor e recomendar o produto certo. Tudo isso analisando os rastros que deixamos no mundo virtual e também no mundo físico.

Não vejo muitos editores aplicando este recurso, mas acredito que represente uma chance de crescimento de vendas e sobretudo de um engajamento maior com os próprios consumidores/leitores.

Outra área onde estes algoritmos são utilizados é em banco de questões para livros didáticos ou plataformas de aprendizagem. Na medida que o aluno/leitor vai respondendo às questões, o sistema vai indicando aquelas que mais se encaixam no perfil dele ou que podem ajudar a melhorar alguma área onde ele encontre mais dificuldades.

Na realidade estes sistemas de recomendação estão por toda parte. Lojas e varejistas fazem uso deste sistema para atender a expectativa do consumidor/leitor em ter algo personalizado. A busca pela personalização leva estes algoritmos a buscarem mais informações sobre o individuo, para poder aprender sobre o comportamento dele e conseguir oferecer o produto que mais se encaixa às suas necessidades.

Famoso é o caso da Taget que conseguiu prever a gravidez de uma adolescente antes que os pais soubessem.

Sem entrar aqui na questão ética ou legal do uso de dados que as empresas fazem, de fato aprender a utilizar corretamente estes recursos podem permitir ao editor conhecer melhor seus leitores, oferecer o que eles buscam e estreitar as relação seja comercial, seja de engajamento cultural.

O futuro é agora

O BISG estará organizando um encontro intitulado: The Future Is Now: AI in Book Publishing porque é um tema que interessa o mercado. É importante falarmos sobre isto, sobretudo em um mercado tradicional como o de livros, para que ele não seja atropelado pelas tecnologias que estão chegando.

Não existe mágica e não existe milagres, costumo repetir sempre. A Inteligência Artificial e a ciência de dados podem realmente nos ajudar a melhorar nossa relação com a enorme quantidade de dados que temos em mãos; mas antes de mais nada, precisamos fazer uma reorganização nas nossas empresas e nos nossos métodos de produção e gestão.

Apesar de acharmos que Inteligência Artificial tem a ver apenas com tecnologia ou software, ela na realidade tem muito a ver com pessoas. Sem um trabalho sério de formação e de gestão das pessoas e das equipes que irão lidar com estes recursos, não vamos conseguir sair do lugar. Mas este é outro assunto.


* José Fernando Tavares é paranaense, trabalha com livros digitais desde o início de 2009 e é o embaixador do Business Club da Feira do Livro de Frankfurt no Brasil. Fundou a Booknando, uma empresa voltada às novas tecnologias e à educação corporativa. Cultiva a ilusão de que a leitura irá ajudar as pessoas a mudarem o mundo para melhor e a tecnologia pode contribuir para isso. É especialista em Tecnologias para negócios (PUCRS) e mestrando em Ciências da Computação (UEM-PR). Nunca rejeita uma boa macarronada e um bom vinho!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews

[31/03/2020 06:00:00]