Um passeio pelo Brasil para fazer reflexões sobre a bibliodiversidade
PublishNews, Leonardo Neto, 07/10/2019
No último fim de semana, nosso editor voou do Rio de Janeiro para Recife pensando sobre a compra da Zahar e fala um pouco sobre isso

Dia desses, o Estevão nos presenteou com uma tirinha d’Os Passarinhos que retrata bem o meu segundo semestre. Ele brincou com o número de eventos que aparecem no segundo semestre. Cheguei a fazer as contas. Do último dia 3 até o próximo dia 6, eu percorro 46.347 km... Isso dá uma volta na circunferência da terra e ainda sobram uns seis mil quilômetros. E a peregrinação começou pelo Rio de Janeiro, onde fui acompanhar a Primavera Literária, um evento realizado pela Liga Brasileira de Editores (Libre). Fiz parte da programação do Dia do Editor, que nesse ano buscou diálogos com outras indústrias para pensar a do livro um pouco melhor.

Eu estava lá, almoçando um arroz de polvo no Berbigão ao lado de pessoas como Alexandre Martins Fontes, Ismael Borges, Raquel Menezes e Bruno Mendes, quando soube, ao pé do ouvido, que a Zahar estava sendo incorporada ao Grupo Companhia das Letras.

Como se sabe, a bibliodiversidade é a principal bandeira da Libre. E o fato de eu estar ali, naquele momento, me fez pensar muito nisso. Como esses movimentos – irrefreáveis, é bom que se destaque – de concentração do mercado pode afetar a diversidade da nossa indústria editorial?

Esse conceito de bibliodiversidade, como também deve ser do conhecimento de muitos, nasceu nos países latino-americanos, em especial no Chile e na Argentina. Nesses dois países, a indústria é extremamente concentrada. Fernando Zambra, um amigo argentino com quem converso todos os anos quando vou à Feira do Livro de Buenos Aires, me conta que 40% do mercado editorial está nas mãos praticamente dois grandes grupos editoriais: Planeta e (adivinha quem?) Penguin Random House. Quando se olha para a lista dos mais vendidos, esses dois grupos dão conta de coisa de 80% dos títulos. É muita coisa.

Ainda falando de Argentina, lá, ao contrário daqui, o varejo é disperso. As duas maiores redes (Yenny e El Ateneu) são donas de um marketshare de 25%. O resto é dividido entre Cúspide e as infinitas livrarias independentes do País. Por aqui, boa parte da crise por que passa o varejo brasileiro de livros, se deve à altíssima concentração, com Saraiva e Cultura, até antes da recuperação judicial, abocanhando coisa de 40% do mercado.

Aos meus olhos, o tema bibliodiversidade é um tema fundamental para o presente do mercado editorial argentino. Para o nosso é uma preocupação futura. A nossa indústria (pensando no livro de interesse geral, deixando os didáticos de lado, por favor) está muito longe de ser tão concentrada quanto a dos nossos hermanos. Mas, é inegável que ela vem nesse processo de consolidação. E uma consolidação – a exemplo do que já aconteceu lá – orquestrada essencialmente por grupos estrangeiros.

A concentração (ou consolidação, as you wish) é um limitador importante da bibliodiversidade. Longe de ser o único, mas foi nele, ainda impactado pela notícia da Zahar, que eu pensava quando embarquei para o Recife. Estava indo para a Bienal do Livro do Pernambuco. Rogério Robalinho, diretor da feira, me escalou para falar sobre a tal crise (e o meu medo de passar para a história do livro como o cavaleiro do apocalipse?!), ao lado do Wellington Melo, da CEPE, e do colega Schneider Carpeggiani. Para minha surpresa, o assunto Companhia das Letras / Zahar tomou boa parte da mesa, suscitando, inclusive, perguntas da plateia.

Lembrei aos presentes de que quem comprou a Zahar não foi a Companhia das Letras e sim a Penguin Random House, controladora e dona de 70% da editora fundada pela família Schwarcz nos anos 1980. É bom ressaltar que, de acordo com o último Global 50, relatório que ranqueia as 56 maiores editoras do mundo, a Penguin Random House é a quinta maior (a segunda se olhar apenas para as de interesse geral), com faturamento de 3,42 bilhões de euros no ano passado.

O relatório financeiro da Bertelsmann, empresa-mãe da PRH, referente ao ano de 2018, traz um gráfico que mostra a divisão de suas receitas por região. Apenas 2,9% do que entra no grande conglomerado de mídia de origem alemã vem de outros países que não sejam da Europa ou os EUA. E olha que eles têm operação em todo o mundo... ou seja, os números específicos do Brasil são algo perto de nada para esse universo todo.

Portanto, o Grupo Companhia das Letras – por mais relevante que seja no nosso imaginário e na nossa realidade – é apenas um baldinho de areia nessa imensa praia. A Zahar, dentro desse contexto, não passa, então de um grãozinho.

E mais: a crise enfraqueceu o nosso mercado, deixando tudo muito barato para os grandes players internacionais. Saraiva e Cultura, por exemplo, ficaram devendo quase R$ 3 milhões à Zahar. Em português bem claro, isso é troco de pinga para uma Penguin Random House, mas significa um impacto muito grande nas finanças de uma empresa do porte da editora comprada, por mais que Cristina e Mariana Zahar digam que a editora enfrentou (sim, no passado, como se ela já fosse passado) com "galhardia" a crise.

É inegável, no entanto, a importância do catálogo da Zahar para o leitor brasileiro. Seria bom que o Grupo Companhia das Letras conseguisse manter a sua independência. Por falar nisso, Jorge Zahar, um sujeito que tive a chance de conhecer apenas por ler o excelente A marca do Z (Zahar) e a sua participação na série Editando o editor (Com Arte / Edusp), foi um sujeito que prezava a sua independência, tanto do ponto de vista editorial quanto do empresarial. Deixou registrado: “Você está falando com um editor absolutamente independente. Desculpe a ênfase, mas eu faço questão disso, ser totalmente independente”.

É bom dizer que a Zahar que conhecemos hoje é a terceira encarnação do legado de Jorge Zahar. A primeira nasce em 1956, em parceria com os irmãos. Ganha o nome de Zahar Editores. Desfeita a sociedade, os irmãos ficam com as livrarias que também pertenciam à família, e Jorge faz sociedade com Pedro Lorch, da Editora Guanabara-Koogan – um grande grupo editorial na época que depois foi dar origem ao Grupo GEN, ainda em atividade.

Jorge se ressente dessa consolidação e resolve refundar a sua editora – dessa vez ao lado dos filhos – e nasce a Jorge Zahar Editor, que é a empresa que foi vendida à Penguin Random House.

Jorge e Luiz Schwarcz tinham uma relação muito próxima, inclusive de colaboração na distribuição de seus livros. Luiz tem na figura de Jorge uma espécie de mentor e o respeita muito. Por mais que seja sincero esse sentimento (e eu realmente acho que é), quem manda agora é a força da grana que ergue e destrói coisas belas.

* Texto atualizado em 07/10/2019 às 17h15

[07/10/2019 11:00:00]