Livros, vídeos, um gambá e dois lápis fumegantes
PublishNews, André Argolo*, 19/09/2019
André Argolo, o homem da PublishNewsTV, leu um artigo no The Bookseller e resolveu fazer um manifesto mostrando que 'é fundamental às editoras a utilização da ferramenta vídeo'

Isto é um texto sobre vídeo. E é um texto sobre livros. No último dia 5 de setembro, saiu no The Bookseller (veículo-colega do PublishNews na Inglaterra) um artigo intitulado O futuro do vídeo no mercado editorial. O texto traz depoimentos de Peter Rossiter, que cuida da produção de vídeos da Penguin Random House. Na apresentação do artigo, Francesca Pymm, da redação do site, começa perguntando aos publishers se estão dando mesmo a devida atenção ao contínuo crescimento do vídeo como ferramenta de marketing e sustenta que o YouTube é o segundo site mais acessado no mundo atualmente, só perdendo para a própria mãe, o Google (gênero e grau de parentesco são coisa minha). Nessa abertura, apresenta Rossiter com números – em três anos dele no grupo editorial, o canal de YouTube da Penguin saltou de 40 mil para 250 mil visualizações por mês.

Criatura do ramo de produção de vídeo, a vivência no mercado editorial que ele relata vem de 2016. A chave, em sua opinião, é cada editora encontrar sua audiência adequada. O que não é simples, nem tem fórmula pronta. "Isso me tomou quase um ano na Penguin". Tentou formatos diferentes, teve o tempo de plantar e colher fracassos antes de encontrar um caminho. E o que encontrou foi um público mais a fim de conteúdo longo, bem explorado e apresentado, do que graciosas animações ou gracinhas, que fazem sucesso na internet, mas não servem para a conversa dessa editora com esse público. Em outro ponto, resume o caso: é menos Buzzfeed, mais TED Talks.

– Quem vai fazer isso na editora? Quem pode fazer isso?

Na visão de Rossiter, como é necessário ser constante além de pertinente, o ideal e mais econômico também é formar uma equipe "em casa" para a produção de conteúdo em vídeo, coordenada por alguém que (linguagem corporativa) seja sênior.

– Quanto se gastou pra isso? Vendeu mais livro?

Em certo ponto, Rossiter até afirma que a exibição de vídeos longos com autores da casa resultou em aumento de vendas, mas não apresentou números a respeito – duvido que haja meio de comprovar diretamente uma coisa com outra, a não ser em alguns casos. E ele mesmo diz: "Assim como em qualquer outra estratégia, seu canal deve ter um propósito maior do que o de vender produtos".

Tenho minha própria experiência nessa empreitada. Principalmente com o PublishNews e com a Global Editora, além de trabalhos eventuais para outras casas. O primeiro me abriu as portas há sete anos e é onde estou atualmente, fazendo a PublishNewsTV. Na Global ganhei a chance de realizar um trabalho consistente: mais de 400 vídeos produzidos entre 2013 e 2018. Eles são patrimônio do grupo editorial agora e o acesso a eles é livre, pela internet. Esses vídeos proporcionam coisas surpreendentes: o dos 80 anos de Marina Colasanti é um exemplo desses. Nas primeiras semanas não deve ter chegado a 300 views e atualmente passa de 30 mil. Como um bom fundo de catálogo, quase todos seguem rendendo, fazendo valer o investimento.

Outro fator relevante nessa produção é a possibilidade de estreitar relações entre autores e editora com a produção de vídeos. É mais uma forma de valorização real do que fazem, do que são e de suas obras. Os depoimentos tornam-se documentos fidedignos de consulta, no mar de incertezas da internet.

É claro que tem um custo. É mais alto do que eu consegui cobrar para sobreviver nesse tempo, isso é certo. Sei porque meu equipamento é o mesmo desde o início: nunca alcancei investir em novas câmeras e melhorar meu cada dia mais velho computador. Mea culpa, sou péssimo empresário e, em vez de estudar vídeo e suas possibilidades tecnológicas, o que faço é estudar literatura. Mas não é um mercado descoberto por mim nem muito menos feito para mim: é, sim, uma necessidade que pode ser atendida por muita gente. O jornalismo em crise me parece uma oportunidade para editoras pescarem profissionais. Formar uma equipe dentro de cada editora também me parece, como confirma o colega da Penguin, a decisão mais adequada a se tomar, ainda mais quando o catálogo é grande (acima de mil títulos) e há mais de três lançamentos por mês, em média.

Cada casa, um bolso, claro. Mas com equipamento simples é possível produzir bons produtos em vídeo. Mais importante é quem vai fazer, o tempo dedicado, a liberdade para buscar formatos, a integração entre as áreas e que as pessoas sejam ouvidas (tanto quanto abertas a escutar), um bom computador para edição (talvez o item mais caro como investimento inicial), o entendimento do que se deseja alcançar, além da definição de rumos básicos de acordo com as características da editora, seu ser no mundo do livro. Para bons trabalhos provavelmente deva-se gastar mais saliva e neurônios que dinheiro.

Este texto é um pequeno manifesto sobre como é fundamental às editoras a utilização da ferramenta vídeo, mas incluo podcasts na conversa.

Sobre o futuro, Peter Rossiter, da Penguin Random House, diz ainda em seu relato que as editoras ainda podem pensar em tornar suas produções em vídeo uma fonte de recursos, explorando a necessidade de empresas de streaming (como Netflix e Amazon) terem bom material de exibição. Afinal, fala-se mesmo em edição de conteúdo, não somente de livros, certo? Uma coisa impulsiona a outra e, em contrapartida, traz novos desafios de gestão disso tudo. Nada que possa piorar o sono dos resilientes empresários do livro no Brasil, obviamente famintos de expansão.

Por fim, não tenho nada a dizer sobre o tal gambá nem dos lápis fumegantes do título. Era só pra criar alguma imagem e chamar atenção.


* Além de ser o homem por trás das lentes da PublishNewsTV, André Argolo é jornalista e pós-graduado em escrita criativa pela Vera Cruz. É autor de Vento Noroeste (Patuá) e de Bazar (Ateliê de Palavras), este escrito em parceria com Eber de Gois. Recentemente colocou no ar o seu blog Nacos de Livros em que reúne a sua produção em texto, vídeo e fotos.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do PublishNews.

[19/09/2019 09:00:00]