Nivelar o campo de jogo para livros em tradução
PublishNews, Andrej Ilc*, 13/09/2019
Às vésperas do início da maior feira de negócios do livro no mundo, editor esloveno escreve artigo defendendo que reter um manuscrito para tradução é um mau negócio

Pavilhão da Feira do Livro de Frankfurt | Frankfurter Buchmesse
Pavilhão da Feira do Livro de Frankfurt | Frankfurter Buchmesse
A comunidade editorial global já está ansiosa pela próxima Feira do Livro de Frankfurt. Você encontra autores, parceiros, colegas e amigos. Conversa, reclama, elogia, discute e compartilha. Sente-se parte dessa família apaixonada por livros. Mas será realmente algo tão idílico?

Hoje em dia, quando tudo está a um clique de distância, as pessoas no mundo todo esperam que a mais nova temporada das grandes séries de TV, como The Handmaid's Tale ou Game of Thrones, seja entregue em suas telas mais ou menos simultaneamente ao lançamento original. com legendas correspondentes em croata, macedônio, sérvio, esloveno... Há muitas pessoas envolvidas com a produção, e os riscos à segurança são extremamente altos, mas ainda assim – a mágica acontece.

Portanto, é um pouco surpreendente que no setor editorial estejamos testemunhando uma prática discriminatória que foi ficando cada vez mais comum nos últimos anos. De fato, chega a ser um tipo de símbolo de status que divide os autores centrais dos outros apenas grandes ou importantes. Na minha editora eslovena, Mladinska Knjiga, ainda recebemos os novos romances do Sr. Barnes ou da Sra. Hawkins ou do Sr. McEwan ou do Sr. Nesbø ou do Sr. Walliams muito antes da publicação original (o Sr. Nesbø ainda gentilmente fornece a tradução completa para o inglês para quem não consegue traduzir do norueguês!), embora esse não seja o caso de autores (marcas?) como Dan Brown, John Green ou J.K. Rowling. Até o segundo romance de Harper Lee, Vá, coloque um vigia, ficou estritamente embargado até a publicação da edição em inglês. E agora acontece a mesma questão com The testaments, de Margaret Atwood.

A razão apresentada é sempre a mesma: segurança. A agência de Atwood nos disse: “Se este manuscrito vazar, as consequências são enormes e, portanto, precisamos ter uma estratégia que minimize o risco”.

Uma estratégia? Alguns (bem, a maioria) de nós obviamente não são confiáveis. Mas não é só isso. O que era uma prática universal no começo, agora virou uma “estratégia” que não está isenta de exceções. Por exemplo, a versão alemã de The testaments está programada para publicação simultânea com o original – assim como a espanhola e a italiana. Será apenas uma variação da velha e boa história de quem “paga mais”? (Nós nos perguntamos quanto os próprios autores sabem sobre tudo isso, todas ótimas pessoas, que geralmente são sinceramente gratas a cada um de seus editores no mundo.)

A lista de favoritos ao Booker Prize acabou de ser anunciada e inclui The testaments. É uma ótima notícia. Significa que o livro é bom. Mas também significa que os jurados receberam o manuscrito antes da publicação também. Como funcionam os procedimentos de segurança nesse caso? Prefiro não especular, mas vou dizer que isso só nos deixou mais furiosos.

Tenho certeza de que todos concordamos que os negócios têm como base a confiança. Se você não confia em seus parceiros de negócios, por que se preocupar? No caso de The testaments, ficamos especialmente desapontados porque tinha sido prometido inicialmente que receberíamos o manuscrito em março (tempo justo para publicar mais ou menos simultaneamente), mas depois nos disseram que teríamos que esperar até 12 de setembro.

Por que isso é tão importante? Vamos perder o embalo promocional global e a imagem da editora ficará ruim entre nossos leitores, livreiros e bibliotecários: o livro já foi publicado, onde está a versão eslovena? A maioria deles pensará que o editor é bastante desleixado e lento.

O resultado: vamos vender menos. E isso é tão importante para editores alemães quanto para editores eslovenos, eslovacos e islandeses. Best-sellers literários são extremamente raros. Portanto, é preciso aproveitar todas as oportunidades de venda, e publicar junto com a edição original é algo bastante eficaz.

Claro, existem casas que contratam vários tradutores para concluir a tradução em duas semanas, permitindo que a editora publique o livro a tempo para as vendas de Natal. Mas você realmente gostaria de ver ou ler o resultado? Margaret Atwood é uma excelente escritora, uma das melhores. Seus livros merecem um tradutor comprometido e uma dedicação editorial adequada. E para isso é preciso tempo. Aqui está outro fator que mostra como essa estratégia está errada: a reputação do autor está em jogo.

Tenho a firme convicção de que essa estratégia deveria ser reconsiderada. As questões de segurança devem ser levadas a sério, mas não devem ser usadas de forma discriminatória. Todos os editores devem ser tratados igualmente, independentemente do tamanho do seu território. E por último, mas certamente não menos importante: o novo livro de Margaret Atwood está chegando; todos deveríamos estar cheios de expectativa positiva em vez de nervosos e perdendo tempo com essas estratégias.

Realmente não sei o que a Margaret Atwood sabe e pensa sobre tudo isso, mas uma vez ela escreveu essas palavras simples, mas fortes: “Espero que as pessoas finalmente entendam que existe apenas uma raça - a raça humana - e que todos somos membros dela”. Se todos na comunidade editorial entendessem o que essas palavras realmente significam, poderíamos esperar pelos dias em Frankfurt com expectativa ainda mais positiva.


* Andrej Ilc é editor da Mladinska Knjiga, uma das maiores editoras da Eslovênia.

** Matéria originalmente publicada na Publishers Weekly.

[13/09/2019 06:00:00]