Mercado argentino do livro perde 20% de valor em 2018
PublishNews, Leonardo Neto, 03/05/2019
Crise econômica afeta desempenho da indústria do livro dos nossos hermanos

Com 47% de inflação registrado no ano passado e com a economia vivendo (mais uma) crise, a Argentina viu o seu varejo de livros encolher cerca de 20% segundo dados da Promage, consultoria que acompanha e monitora a venda de livros no país. Fernando Zambra, diretor da empresa, disse ao PublishNews durante a Feira do Livro de Buenos Aires que segue com a sua programação até o próximo dia 13, que o primeiro e o último trimestre foram razoáveis, mas tudo o que estava entre esses dois períodos foi catastrófico.

No balanço final, o mercado perdeu 3,2% em volume e viu o seu faturamento crescer 23,4% em termos nominais, mas considerando a inflação, perdeu mais de 20% em valor. O mercado de interesse geral viu suas vendas caírem 2,6% em volume e o faturamento cresceu nominalmente 27,5%.

Fernando Zambra é o diretor da Promage, empresa que monitora o mercado do livro na Argentina
Fernando Zambra é o diretor da Promage, empresa que monitora o mercado do livro na Argentina
“A boa notícia dentro da crise é que as pessoas não deixaram de comprar livros, mas compraram livros mais baratos. O grave deste ano passado foi o preço. As pessoas compraram até certo preço e não foram além disso”, concluiu.

A exemplo do que aconteceu por aqui, o período de volta às aulas não foi muito bom para as livrarias nesse início de 2019. Segundo dados da Promage, as vendas diretas de livros didáticos aumentaram. “Estávamos com níveis de vendas diretas entre 12% e 14%, mas nesse ano, parece que subiu muito. As livrarias estão sentindo esse volume que não passaram pelos seus caixas”, analisou Zambra.

Mas o problema não foi só esse. “Tem sido um período muito ruim para os livros escolares. O uso de fotocópias aconteceu como nunca antes se havia visto. Nas escolas, os livros de literatura entraram em esquema de rodízio. Os próprios professores dividem as salas em grupos e cada grupo compra um único título que gira entre os colegas. Então, se antes cada aluno compraria quatro livros, nesse ano cada um comprou um único livro e esse livro circulou na sala de aula. Isso pode ser bom pelo lado do consumidor, mas horrível para o mercado. A crise é grande”, atestou.

As vendas governamentais, como já havia adiantado María Teresa Carbano, presidente da Fundação El-Libro, não aconteceram. “A crise se soma a um governo que não comprou”, comentou Zambra.

O consultor notou ainda um movimento de fechamento de livrarias no país, mas, segundo sua análise, não foi causado somente pela crise e sim por “mudanças geracionais”. Os filhos dos fundadores de muitas livrarias não continuam o negócio depois da morte dos pais.

Daniel Benchimon é otimista em relação ao mercado de livros digitais no país
Daniel Benchimon é otimista em relação ao mercado de livros digitais no país
Digital e os audiolivros

Apenas 17% dos livros produzidos na Argentina estão em formato digital. Esse índice baixo se justifica pela falta de uma plataforma eficiente de distribuição de e-books no país. Há iniciativas, mas ainda muito tímidas, como a Bajalibros e o seu recém-lançado Leamos que oferece serviços de subscrição de livros digitais. Daniel Benchimon, o nome mais proeminente quando o assunto é livro digital no país vizinho, acredita que há um “negócio latente”. Prova disso é o projeto Desafio Leer, que disponibiliza livros digitais gratuitos a crianças de 0 a 12 anos. Com uma plataforma de gamificação acoplada, o Desafio já alcançou mais de 80 mil crianças que já baixaram mais de 3 milhões de e-books e, com eles, tiveram mais 110 mil horas de leitura.

Ele explica ainda que editoras de livros didáticos também têm investido em soluções, já que muitos sistemas de ensino só compram se há o digital, mas reconhece que não há um interesse por parte de editores, livreiros ou entidades que representam a cadeia do livro em promover a escala do negócio digital no país.

Zambra coloca dúvidas sobre um movimento argentino de acompanhar o boom dos audiolivros percebido em países da Europa, além dos EUA, mas Benchimon, acredita que pode acontecer, sim. “Há um furor de consumo de podcasts na Argentina, o que pode ser um sinal de que a onda pode chegar por aqui. O que acontece é que não temos ainda uma plataforma de audiolivros, mas já ouvi notícias de que tanto Storytel quanto Audible (Amazon) já estão comprando direitos para o território argentino”, adiantou ao PublishNews. Bom dizer que Storytel foi uma das patrocinadoras da Contec, a conferência realizada pela Feira do Livro de Frankfurt que teve a sua primeira edição na Argentina nesse ano.

E-commerce

Com um território de 2,7 milhões de quilômetros quadrados, a Argentina é um país extenso e, embora Buenos Aires seja conhecida como a “capital das livrarias”, o interior do país sofre com a ausência delas. Nessas condições, o comércio eletrônico de livros podia estar a todo vapor, ainda mais em um país que já está acostumado a comprar pela internet, mas, não. Só agora, livreiros e editores perceberam que poderiam explorar esses meios e as vendas por esses canais apresentaram um incremento. “Ninguém dimensionou esse aumento porque não há, na Argentina, soluções para o e-commerce de livros. Quem está canalizando isso é o Mercado Livre por meio de iniciativas individuais de algumas livrarias ou editoras. Não é que uma Yeni, uma Temátika [as duas maiores redes de livrarias do país] ou uma Amazon estejam fazendo essas vendas. São pequenas livrarias que estão colocando parte de suas ofertas no Mercado Livre”, explicou Zambra.

E por que, então, resolveram fazer isso só agora? Zambra explica que o Mercado Livre tem soluções de pagamentos que facilitam muito a vida do consumidor e aos quais as livrarias físicas não têm acesso. “O ecossistema do Mercado Livre é quem está capitalizando isso. O certo é que esse modelo que está ganhando e não o setor do livro ou uma solução para e-commerce de livros”, completou.

A logística também sempre foi um gargalo para o comércio eletrônico no país. “O Mercado Livre tem pressionado muito as plataformas de Correios da Argentina que estão sendo mais eficientes e estão conseguindo fazer entregas em todo o país em seis ou sete dias com custos em queda”, comentou Benchimon.

Gêneros

A Ficção sempre foi o maior segmento do mercado argentino, mas Zambra nota que, em 2018, caiu. “Continua sendo o maior, mas a Não Ficção se aproximou muito. E é curioso porque esse segmento de Não Ficção é muito marcado pelos anos eleitorais, que na Argentina são os anos ímpares. Curiosamente, em 2018, cresceu muito, mesmo não sendo um ano eleitoral”, pontuou Zambra. O ano foi especialmente interessante também para os Infantojuvenis no nosso vizinho. Cinco dos dez livros mais vendidos estão nessa categoria, com destaque para Caos, de Magali Tajes, e para a franquia Gravity Falls. A categoria Autoajuda se sustentou na crise e fechou 2018 estável.

Importações

As importações de livros, um bicho-papão para editores argentinos no um passado recente, caíram em 2018, segundo análise da Promage. “O mercado e a desvalorização [do Peso frente ao Dólar] fizeram seu trabalho e as vendas de importados caíram. Para pagar as editoras internacionais, os livreiros têm que colocar um preço que está fora do alcance dos leitores argentinos. Hoje, ninguém mais comenta sobre isso”, disse Zambra.

[03/05/2019 11:00:00]