Se a melhor forma de se conhecer alguém é em sua casa, na sua intimidade, olhando as lombadas dos livros na estante, a melhor maneira de se conhecer uma empresa é no seu habitat natural, no seu mercado original. Neste sentido, a publicação por parte da Associação Sueca de Editores e da Associação Sueca de Livreiros de seu relatório estatístico anual esta semana permite uma análise íntima, não só do mercado de livros de interesse geral da Suécia, mas também do seu setor de audiolivros e, principalmente, da performance e influência de uma empresa sueca de atuação global e com operações em português e espanhol: a Storytel.
O relatório tem o singelo e impronunciável nome de Bokförsäljningsstatistiken e a edição de 2018 foi compilada pelo economista Erik Wikberg, pesquisador da Escola de Economia de Estocolmo. A pesquisa foca exclusivamente nos livros de interesse geral comercializados pelo varejo sueco, o que inclui livrarias físicas, lojas on-line, supermercados, serviços de assinatura e clubes do livro. Os números apresentados e replicados aqui sempre se referem a preços ao consumidor. E a mostra analisada corresponde a aproximadamente três quartos do mercado de livros de interesse geral sueco, segundo a própria pesquisa.
Audiolivros das plataformas de assinatura já respondem por 14,47% das vendas do mercado geral
O mercado sueco de livros de interesse geral cresceu 4,9% em 2018 e fechou o ano com vendas de 4,37 bilhões de coroas suecas (SEK), que equivaliam no fim do ano a 428 milhões de euros. As receitas das plataformas de assinatura Storytel, Nextory e BookBeat estão incluídas neste número. No entanto, enquanto as vendas em supermercados, clubes do livro e livrarias físicas e virtuais cresceram apenas 0,9%, as receitas das empresas de assinatura explodiram em 33.4%. Em volume, a diferença é ainda maior. No total, houve um crescimento de 13,8% nas unidades vendidas, que chegaram a 48,29 milhões no ano passado. Mas enquanto os canais tradicionais sofreram queda de 0,2% em 2018, o trio das empresas de assinaturas cresceu 44,9%. E vamos deixar as coisas claras: das 19,05 milhões de unidades digitais negociadas pela Storytel, Nextory e Book Beat, somente 6,3% eram e-books. Portanto, estamos basicamente falando de audiolivros no mercado sueco.
Voltando aos números de vendas, o faturamento gerado apenas pelos audiolivros nos serviços de assinatura foi de 632 milhões de coroas suecas (SEK) ou 14,47% das receitas dos livros de interesse geral em preços ao consumidor. Em volume, tratando cada audiolivro escutado como uma cópia, os audiolivros nas três plataformas responderam por 37% do mercado de interesse geral.
A Storytel detém 77% de participação no mercado sueco de assinaturas digitais
Ainda que relatório apresentado pelas associações suecas não traga informações sobre a divisão de mercado entre as plataformas de streaming, é possível estimar alguns dados. A Storytel prevê receitas de 521,29 milhões de coroas suecas (SEK) em 2018 na sua divisão sueca de assinaturas digitais, de acordo com seu Interim Report January - September 2018 – os resultados finais da gigante sueca em 2018 serão publicados apenas no dia 25 de fevereiro. Se compararmos este número com o total de vendas das plataformas apontado pelo relatório em questão, podemos estimar que a Storytel detém 77% do mercado de assinaturas digitais na Suécia. A BookBeat e a Nextory não divulgam números separados por mercado de atuação, mas pode-se dizer, com base em fontes do mercado, que eles disputam o segundo lugar de igual para igual.
Ficção em queda; canais tradicionais podem ter caído
Se olharmos as vendas por gênero nos canais tradicionais em 2018, observamos que Ficção caiu 6,1% e que a categoria de Thrillers e Ficção Policial (sim, são considerados um gênero a parte na Suécia) caiu 5,5%. É consenso no mercado sueco que estas quedas são uma consequência direta do crescimento das plataformas de audiolivros. Afinal, já é sabido que o gênero de Ficção funciona muito melhor no formato de áudio que o gênero de Não-ficção.
O que dizem os executivos do mercado de livros
A importância das plataformas de assinatura audiolivros cresceu tanto que Kristoffer Lind, diretor executivo da editora Lind & Co, acredita que a expectativa em relação à performance de um título em áudio está agora sempre presente no momento da aquisição. Ele é um dos executivos entrevistado na seção “Vozes do Setor” do relatório recém-publicado. “As assinaturas de audiolivros funcionam com um catalizador. Trata-se te uma tendência de mudança inevitável e temos de adicionar a isto tudo a queda das tiragens de livros impressos. Será mais difícil ganhar dinheiro com coisas que não funcionam nas plataformas de assinatura, e temos esta perspectiva em cada livro que publicamos”, declarou.
Mais alarmante, talvez, esta mudança de canal pode influenciar a própria escrita de ficção. “Jornalistas de cultura podem ter um ataque cardíaco ao lerem isto, mas a ficção agora tem de apresentar uma história clara e direta. Não deve trazer muitos personagens para não confundir o leitor. Não pode pular entre o passado e o presente. Citações podem ser complicadas. Estas coisas, aliás, são bastante óbvias, mas o autor nem sempre vai pensar nelas quando está escrevendo primariamente para formatos impressos”, conclui Lind.
O desafio da canibalização e da sustentabilidade no longo prazo
Se os escritores são afetados pelo crescimento do streaming de audiolivros, os editores são muito mais. É óbvio que as plataformas de assinaturas expandem o mercado em volume, como, aliás, o relatório em questão deixa claro. No entanto, a receita por unidade no modelo de streaming tende a ser muito menor do que a receita unitária nos canais tradicionais, e a Suécia é um ótimo exemplo. O relatório de título impronunciável mostra que a receita média unitária nos canais tradicionais em 2018 foi de 126 coroas suecas (SEK), o que significou um pequeno crescimento em relação ao ano anterior, quando esta receita foi de 125 coroas. Já nas plataformas de streaming cada unidade de livro acessado ou lido gerou uma receita média de 36 coroas em 2018, o que significou uma queda de 8% em relação às 39 coroas de 2017. Segundo meu colega Sölve Dahlgren, da Boktugg, cerca de 50% destas receitas vão para os editores suecos, enquanto a gigante Bonnier fica com uma fatia ainda maior devido a uma negociação especial.
Mas a pergunta de um milhão de dólares é esta: As plataformas de assinatura geram um crescimento suficiente no número de exemplares vendidos para compensar a canibalização e a menor receita unitária?
Sakari Luovio, director de vendas para região nórdica da livraria virtual Adlibris, é outro executivo citado no relatório. Para ele, a canibalização é clara. “Pode-se achar que audiolivros tenham um efeito positivo na leitura em geral, mas quando ele se tornar um padrão estabelecido, os consumidores vão abandonar os formatos impressos e passar a comprar menos livros de presente. Estamos encarando uma mudança de paradigma onde nós, editores e livreiros, precisamos pensar mais sobre formatos”, comentou o executivo.
Já o economista Erik Wikberg, responsável pelo relatório, bordou o assunto em um comunicado de imprensa. “Conforme a receita média unitária dos audiolivros digitais nos canais de assinatura diminui, surgem questões relacionadas à remuneração de cada parte da cadeia. É fantástico que os consumidores possam acessar livros a um custo menor, mas também é do interesse de todos que as receitas não caiam a ponto de prejudicar o negócio do livro”, argumentou o pesquisador.
Fica claro, diante dos números do relatório sueco e das manifestações dos executivos, que as plataformas digitais de assinatura são positivas no sentido de expandir o mercado e gerar acesso à leitura. No entanto, talvez ainda falte encontrar a fórmula mágica para deixar felizes gregos e troianos, plataformas e editoras, leitores e autores, no que se refere às receitas e à remuneração de cada elo da cadeia do livro.
O que é indiscutível é o fato de que se queremos entender os efeitos do crescimento das plataformas de assinaturas de audiolivros e e-books no mercado global, temos no mercado sueco um pequeno laboratório. É fundamental ficarmos de olho no que acontece neste mercado nos próximos meses e anos. Afinal, a Suécia pode ser nosso mercado amanhã.
Carlo Carrenho é o fundador do PublishNews no Brasil e co-fundador do PublishNews na Espanha. Formado em Economia pela FEA-USP, especializou-se em Edição de Livros e Revistas no Radcliffe Publishing Course, em Cambridge (EUA). Atualmente trabalha na área de desenvolvimento internacional de novos negócios para a Word Audio Publishing International na Suécia e é advisor da Meta Brasil e da BR75 no Brasil. Como especialista no mercado de livros, já foi convidado para dar palestras e participar de mesas em países como EUA, Alemanha, China, África do Sul, Inglaterra e Emirados Árabes, entre outros. É co-curador da conferência profissional Feira do Livro de Tessalônica.
Carlo é paulista, morou no Rio, e atualmente vive em Estocolmo, na Suécia. É cristão, mas estudou em escola judaica. É brasileiro, mas ama a Escandinávia. Enfim, sua vida tende à contradição. Talvez por isso ele torça para o Flamengo e adore o seriado Blue Bloods.
** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.
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