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O uso de dados e imagem e os contratos das redes sociais que ninguém lê
PublishNews, Gustavo Martins de Almeida, 24/01/2019
Gustavo Martins de Almeida recomenda: 'Leiam os contratos das redes sociais. Exigem um pouco de atenção, mas ao menos ajudam a saber como estão sendo tratados os dados sobre você'

No cotidiano social o cidadão celebra diariamente os mais variados contratos, sem se dar conta da criação e até do alcance desses vínculos. Ao comprar um bilhete de metrô, adere a um contrato de transporte; um ingresso para sala de cinema gera direitos e obrigações para o exibidor e o expectador, e por aí vai.

O mesmo ocorre ao adquirir uma licença de leitura de livro e ao abrir uma conta nas redes sociais. Principalmente nestas últimas, nas quais um clique do mouse formaliza contrato eletrônico de conteúdo amplíssimo, raríssimamente alguém lê as várias cláusulas, que passam a regular a relação do usuário com o responsável pela rede.

Recentemente tem-se discutido e questionado o curioso hábito, surgido não se sabe como, do Facebook, pelo qual as pessoas são estimuladas a postar, lado a lado, fotos suas em 2009 e em 2019. Para que a rede social usaria essas fotos? É razoável supor que o objeto seja a obtenção, armazenamento e cruzamento de dados dos usuários, o chamado data mining, a mineração de informações.

Sem dúvida, a obtenção, armazenamento, uso e disponibilização de dados constitui ativo inquestionável no momento atual. De posse de um número infinito de informações, as empresas podem fazer publicidade direcionada, segmentando as mensagens por idade, local de moradia, profissão e preferências pessoais, dentre várias outras, economizando tempo e dinheiro e ainda atingindo o público alvo mais diretamente.

Na prática, cada usuário do Facebook é um núcleo gerador de informações, com seus vários “amigos” e preferências expostos. Essas informações podem ser cruzadas, pela ferramenta de busca por afinidade de perfis, multiplicando as extensões e níveis de identidades. Ao mesmo tempo em que esses núcleos, os usuários, trocam informações profissionais ou de lazer, dedicando bom tempo de sua existência à telinha – já disse que o teenager deu lugar ao screenager categoria que não tem idade – o Facebook de modo naturalmente datafágico, coleta, cruza e redistribui esses dados, na forma de publicidade, que lhe rende bilhões (O Facebook lucrou US$ 4,99 bilhões no primeiro trimestre de 2018.

Diz o site da rede:

“Em 2018 aconteceram muitas mudanças em nossas plataformas, desde novos posicionamentos para anúncios até a criação de recursos para tornar mais prática a relação entre empresas e seu público-alvo. Foi um ano em que o vídeo ganhou destaque, a troca de mensagens entre as pessoas e os negócios cresceram e, além disso, as compras feitas diretamente pelo celular aumentaram – e o Facebook não poderia ficar de fora dessas tendências oferecendo novidades. O principal objetivo do Facebook é fortalecer comunidades e proporcionar novas formas para pessoas e marcas se conectarem.”

O vídeo e a imagem impulsionaram as ferramentas de associação de faces para fins de obtenção de dados em nova fonte, que não as preferências expostas em textos; os rostos são os personagens aparentes, a ponta do iceberg visível, que permite verificar mais facilmente os gostos e características submersos.

Mas o Facebook pode marcar meu rosto e me localizar em fotos do perfil de outros usuários? Novamente com a palavra o próprio Facebook, através de sua Política de Privacidade, atualizada em 19 de abril de 2018 :

“Reconhecimento facial: Se você tiver esse recurso ativado, nós usamos a tecnologia de reconhecimento facial para reconhecer você em fotos, vídeos e experiências da câmera. Os modelos de reconhecimento facial que criamos podem representar dados com proteções especiais nos termos da legislação de seu país. Saiba mais sobre como usamos a tecnologia de reconhecimento facial ou como controlar nosso uso dessa tecnologia nas Configurações do Facebook. Se introduzirmos a tecnologia de reconhecimento facial em sua experiência do Instagram, nós informaremos você previamente e você terá controle sobre nosso uso dessa tecnologia para você.”

Então há tecnologia de reconhecimento facial no Facebook, e breve no Instagram, de modo a permitir o reconhecimento do rosto do usuário em qualquer imagem. Essas informações podem ser obtidas nas suas fotos, mas também nas fotos que representem o usuário, que estejam armazenadas na conta de amigos, bem como as informações nelas contidas, ou a elas associadas. Mais uma vez transcrevo trecho da Política de Privacidade do FB:

“O que os outros fazem e informações que eles fornecem sobre você. Também recebemos e analisamos conteúdo, comunicações e informações que outras pessoas fornecem quando usam nossos Produtos. Isso pode incluir informações sobre você, como quando outras pessoas compartilham ou comentam uma foto sua, enviam uma mensagem a você ou carregam, sincronizam ou importam as suas informações de contato.”

Como disse acima todas essas informações são coletadas e cruzadas, de modo a “ajudar você ... a encontrar pessoas” (sugestões de amizade). Tudo isso está claramente informado no link da Política de Privacidade, que você está lendo parcialmente agora, pela primeira vez:

“Redes e conexões. Coletamos informações sobre as pessoas, Páginas, contas, hashtags e grupos com que você se conecta e sobre como você interage com eles em nossos Produtos, por exemplo, as pessoas com quem você mais se comunica ou os grupos dos quais você faz parte. Também coletamos informações de contato se você optar por carregar, sincronizar ou importá-las de um dispositivo (como uma agenda de contatos, registro de chamadas ou histórico de SMS), que usamos para ações como ajudar você e outras pessoas a encontrar pessoas que talvez vocês conheçam e para as outras finalidades listadas abaixo.”

Além do reconhecimento facial, informações sobre horário e frequência de uso da rede social, conteúdo que o usuário busca ou acessa, tudo é informação coletada e cruzada pelo Facebook.

Portanto, é bem possível que o Facebook use seu rosto para localizar seus hábitos e de seus amigos, inclusive utilizando fotos antigas (talvez por isso o 2009), de modo a facilitar a interação entre pessoas.

“Seu uso. Coletamos informações sobre como você usa nossos Produtos, como o tipo de conteúdo que você visualiza ou com o qual se envolve; os recursos que você usa; as ações que você realiza; as pessoas ou contas com que você interage; e o tempo, frequência e duração das suas atividades. Por exemplo, registramos quando você está usando e a última vez que usou nossos Produtos, quais publicações, vídeos e outro conteúdo você visualizou nos nossos Produtos. Nós também coletamos informações sobre como você usa recursos como nossa câmera.”

Todas essas informações são compartilhadas com anunciantes, de modo a permitir, como disse antes, publicidade direcionada para determinado grupo de usuários.

“Anunciantes. Fornecemos aos anunciantes relatórios sobre os tipos de pessoas que visualizaram os anúncios deles e sobre o desempenho de tais anúncios, mas não compartilhamos informações que identifiquem você pessoalmente (informações como seu nome ou endereço de e-mail, que possam ser usadas por si só para contatar ou identificar você), a menos que você nos dê permissão para tanto.”

Outras utilizações do reconhecimento facial passam da interação com livros de role playing game, até o controle do cidadão pelo poder público, como já acontece na China. Essa prática está sendo cogitada por vários governantes brasileiros eleitos em 2018, que desejam implementá-la em seus estados.

Essa coleta e armazenamento também pode ter por objeto, além dos dados cotidianos, como data de nascimento, endereço , preferências, etc., a voz, outro fator de identificação das pessoas, como exposto também aqui no PN. As redes não têm limites na coleta e armazenamento de dados, facilitada pela exponencial evolução tecnológica.

Andy Warhol disse que no futuro todos seriam famosos por 15 minutos. A frase hoje é: “Se o serviço é grátis, o produto é você!”. O maior uso do site gratuito pelo usuário implica em aumento do patrimônio imaterial (e material) do dono das redes; é a bicicleta com dínamo, cujas pedaladas fazem o farol iluminar não só seu caminho, mas muito mais o terreno por onde você anda, que é do dono das redes.

Por último – e será objeto do próximo artigo, mas vale a pena a introdução - chamo a atenção para a lei 13.709/ 2018, que dispõe sobre a proteção de dados pessoais, cuja entrada em vigor se dará em agosto de 2020, e que vai apertar ainda mais o controle sobre a extração, armazenamento e uso de dados no Brasil. Por ora, alguns artigos relevantes:

“art. 7º o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses:

i - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular;

......................................................................................................

art. 8º o consentimento previsto no inciso i do art. 7º desta lei deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade do titular.

§ 1º caso o consentimento seja fornecido por escrito, esse deverá constar de cláusula destacada das demais cláusulas contratuais.

..................................................................................................

art. 17. toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta lei.

art. 18. o titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante requisição:

i - confirmação da existência de tratamento;

ii - acesso aos dados;

iii - correção de dados incompletos, inexatos ou desatualizados;

...............................................................................................................................

art. 42. o controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.”

O mundo jurídico está em efervescência, pois na prática todas as empresas que naturalmente coletam dados de consumidores terão que se submeter às regras dessa lei, que acompanha tendência mundial, representada pelo GDPR (General Data Protection Regulation), em vigor na Europa desde maio de 2018.

Leiam os contratos das redes sociais. Geralmente ficam no rodapé da página de abertura do site, exigem um pouco de atenção, mas ao menos ajudam a saber como estão sendo tratados os dados sobre você.

Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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