Independência ou morte
PublishNews, Raquel Menezes*, 31/07/2018
Raquel Menezes, presidente da Libre, faz um balanço da Flip para as editoras independentes

É praticamente um senso comum que a Flip foi das independentes neste ano de 2018. Imagino que só não concordará com esta opinião quem ainda não entende bem o papel importantíssimo que temos para o mercado editorial brasileiro, seja descobrindo novos autores, seja com nossas técnicas de guerrilha vietnamita para conquistar espaço – como diz um querido amigo das independentes.

Tal qual piratas, como bem exemplificou Cauê Ameni, que aportou sua Flipei nas águas do Rio Pirequê, invadimos o centro histórico com nomes referenciais para a política e o pensamento brasileiro. “Ler é um ato político” – como nos ensina Paulo Freire –, e, ao viver uma imposição de agendas conservadoras, pensar a leitura é resposta inadiável, e o fizemos ao apresentar uma pauta democrática e laica ao longo desses dias de Flip. Nosso sucesso de público reflete a demanda social por uma dicção que escancara as portas para todos (se me permitem o trocadilho com outra casa parceira). Estivemos com as Casas cheias de desejo (é irresistível!) por ocupar espaço que é, de direito, de um coletivo que pensa livro, leitura e literatura. “Porque há desejo em mim, é tudo cintilância” lemos em Hilda Hilst, a homenageada da Flip deste ano, conhecida por sua trajetória em casas editoriais independentes.

O conceito de bibliodiversidade de que a Liga Brasileira de Editoras (Libre) tanto fala definiu a Flip 2018 e mostrou aos leitores – e ao mercado – que é tema que deve ser incluído em todas as discussões. Exemplo disso é a mesa do dia 3 de agosto às 14:30 na Bienal do livro de São Paulo – sim, o mercado vai emendar a Flip com Bienal este ano! – que receberá, além da minha contribuição, a participação de Lizandra Magon de Almeida, editora da Pólen editorial, de Elisa Ventura, livreira da Blooks, e o mediador mais carismático, Leonardo Neto. Mesmo a Bienal não sendo o ambiente mais acolhedor para as editoras independentes será mais um evento aonde iremos tanto para que o leitor tenha acesso à diversidade de temas quanto para que o ecossistema do livro sobreviva às praticas draconianas do mercado. Seguiremos na luta nas mais variadas frentes para atingir nosso principal objetivo: criar um mercado editorial em que a ideia de equidade seja mais que meramente uma boa intenção e sim uma prática.

A organização da Flip desde a curadoria de Josélia Aguiar acerta em se abrir para novas formas de parcerias. Incomoda bastante, no entanto, as frequentes afirmações sobre esta nova postura como sendo apenas consequência da crise econômica, como se nós e nosso trabalho, apenas tapasse buracos. Um aumento de sete para 22 casas oficiais é, antes de qualquer coisa, um sinal da importância desta festa literária para o mercado, bem como reflexo do trabalho da curadoria que desde o último ano decidiu politizar a feira ao abrir espaço para o movimento negro e para o feminismo. Quem sabe vemos uma Flip LGBT em 2019?

Nós, os independentes, fazemos um trabalho rico em qualidade, dedicação e consciência política, e, por isso, não deve ser desvalorizado. Nós, assim como as minorias em representatividade, não precisamos que nos dêem voz, como bem lembrou a escritora e jornalista Paloma Franca Amorim na mesa sobre Representatividade nos festivais literários, mas sim que escutem o que temos a falar, porque temos conhecimento de causa. A mesa com a participação da escritora paraense foi no segundo dia de Casa Libre e na sequencia vimos nossa casa lotada para a homenagem a Marielle Franco, no dia em que a ativista completaria 39 anos. Nesta mesa intitulada Vozes que não se podem calar, ouvimos o deputado Marcelo Freixo, o biógrafo Tom Farias, a antropóloga Janaína Damasceno e a musa inspiradora Conceição Evaristo.

Na quinta edição da Casa Libre e Nuvem de Livros, reforçamos como nosso trabalho é definitivo para fomentar as discussões urgentes aos dias atuais. Além das mais de 200 pessoas que ouviram Conceição, tivemos a Casa cheia todo o tempo. As independentes, tanto na Casa Libre quanto na ocupação de outras casas, de barcos, das praças e da programação oficial, trouxeram debates acalorados, grandes nomes e muita discussão sobre o mercado editorial – e seu momento caótico – bibliodiversidade e crise política. Dizer que juntos somos mais fortes e expressivos pode ser um clichê – e é – mas é o reflexo do espírito Libre, que vimos, inclusive, em outras manifestações independentes por Paraty. Ou, se pensarmos aristotelicamente, o todo é maior do que a soma das partes e, assim, as editoras independentes potencializaram seus catálogos ao criarem novos espaços coletivos.

Como disse para o Estadão, viemos para ficar: a Flip 2018 confirma que a Flip 2019 será palco para as independentes.



* Raquel Menezes é presidente da Libre

[31/07/2018 07:16:37]