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16 lembranças sobre as Flips
PublishNews, Henrique Rodrigues, 31/07/2018
Após participar de todas as edições da Festa Literária de Paraty, escritor Henrique Rodrigues faz um balanço pessoal

Conversando com a minha amiga e agente Lúcia Riff, descobri que somos dos poucos que conseguiram estar em todas as edições desse evento tão importante na área. Provavelmente, moradores da cidade se juntariam a esse grupo, mas tal mapeamento seria um trabalho que, só de pensar, agora em casa e cansado, gera uma preguiça imensa. Então poderia começar de novo: entre os não-residentes em Paraty, num raio entre Ubatuba e Angra dos Reis, sou dos poucos que esteve presente em todas as Flips.

O que isso quer dizer? Nada. A não ser que sou arroz de festa com desculpa para encontrar os amigos e colegas da área e entornar umas pingas. Mas me dá uma perspectiva interessante, olhando de hoje, sobre a cena literária que passou pela lente do evento nos últimos anos. Por isso seguem uns pontos que pincei da cuca entre a primeira e esta décima sexta micareta literária.

1 – No ano da primeira edição havia passado o Carnaval ali. Soubemos que seria realizado um evento literário com o Eric Hobsbawm. Não dava para perder. Não tinha nada de carestia e multidão. E tinha Millôr e Julian Barnes. Eventos como a Bienal do Livro, que à época não contava com programação como hoje, não deixavam o pessoal acostumado ao contato direto com tantos autores. Talvez por isso um pessoal correu para o Zuenir Ventura pensando que fosse o José Saramago.

2 – Ainda nessa estreia, meu amigo Marcelo Moutinho e eu bebíamos no bar Coupé até que descobrimos: os funcionários fecharam o estabelecimento e se mandaram pela porta lateral, deixando nossa mesa lá fora abandonada, sem nem cobrar as muitas garrafas esvaziadas. O Coupé era uma birosca e hoje, como quase todos os lugares do Centro Histórico, está inflacionado pacas.

3 – Uma das marcas desta edição foram as casas com programações paralelas, muitas formadas por editoras que racharam os espaços. Aliás, os grandes grupos editoriais, que já tiveram casas lá, desapareceram, alguns nem mandaram representantes para acompanhar o evento. Culpa da Saraiva, que não paga, me disseram. Mas a primeira iniciativa paralela (antes até da Off Flip, capitaneada pelo Ovídio Poli Jr) foi quando, na segunda Flip, uns caras malucos abriram uma barraca na praça e colocaram seus livros para a venda. Eram as Edições K. Fui o primeiro comprador, resenhei um livro pro Jornal do Brasil de então. Mas foi ali que começou a amizade com o Delfim, escritor e designer, que encontro anualmente na Flip, como se continuássemos uma mesma e longa conversa.

4 – Muita coisa mudou na Flip, mas não o atendimento do comércio em geral. Sinceramente, como pode uma cidade turística, que recebe gente de tudo quanto é lugar o ano inteiro, ter um serviço tão ruim. Certa feita, fui perguntar à responsável da pizzaria lotada se conseguiria uma mesa para oito pessoas. Com olhar histérico, apenas perguntou “Aqui? Hahahahaha!”, enquanto se afastava gargalhando com a boca virada para cima.

5 – Ainda nesse aspecto, como entender a lógica da sorveteria que anunciava a promoção e uma bola por R$ 7 e duas bolas R$ 15? Não é da natureza das pessoas de Humanas fazer conta direito, mas isso foi demais e eu só comprava uma e uma, economizando na escala.

6 – Há 16 anos aparecem as senhoras querendo andar de salto em Paraty, cidade onde ortopedistas devem lucrar muito.

7 – Definitivamente, a Flip é o evento cultural mais legal de São Paulo.

8 – Há 16 anos também não era comum que a galera mais jovem tivesse muita vez e voz, seja na Flip ou fora dela. Hoje, segundo dizem, são quem mais lê no país. E que maravilha ver os slams e saraus fazendo parte das programações. Ainda que o establishment literário ignore, o principal movimento da literatura brasileira hoje está no grito cantado e rimado dessa garotada.

9 – Todo mundo sabe que a Flip se tornou um modelo metodológico para outros eventos literários. (A mais empolgante hoje é a Flipelô.) Mas é muita Fli isso, Fli aquilo, até as festinhas de leitura em escolas começaram a adotar a abreviatura. Ainda acho que, tirando o marketing, a Jornada Literária de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, faz um trabalho mais multiplicador e efetivo.

10 - Por conta do perrengue, a programação oficial, nos últimos anos, vem se tornando cada vez menor e mais frágil. É preciso assumir que as programações paralelas compõem a carne da Flip, e não deveriam ter mais esse nome. Parceiras, talvez, porque sem elas seria um evento bem minguado. Não sei se contei certo, mas na grade oficial havia apenas meia dúzia de autores de literatura brasileira contemporâneos.

11 – Na primeira e em várias Flips fui por minha conta encontrar os amigos, depois a trabalho. Vendo hoje o caminhão de programação que o Sesc leva para o evento, inclusive com um centro cultural já estabelecido na cidade, um amigo me lembrou de quando eu levava uns editais impressos do Prêmio Sesc de Literatura e distribuía de mão em mão, feito os poetas flanelinhas. Mas o preço que se paga é que a cada ano fico mais pulando de um espaço para outro resolvendo coisas ou fazendo reuniões, com certa inveja dos que andam devagar e curtem a luz do dia.

12 – Mas depois desse tempo, ainda é muito bom, entre o ponto A e B, esbarrar com amigos e conhecidos para um oi, que quase sempre vira um papo muito bom, mas que precisa ser interrompido com a urgência que espera no fim do trajeto.

13 – Vários autores foram anunciados na Flip como “a grande promessa da literatura contemporânea”, esse agouro que os jornalistas insistem em carimbar em alguns iniciantes. Mesmo porque aparecer em jornal ou outro meio é – ou deveria ser – consequência, não causa. Poderia listar vários apadrinhados ou queridos dos grandes jornais que desapareceram tão rápido quanto surgiram entre a geração 00 e esta, de maneira que surfar na onda da superexposição midiática pode significar um caixote em médio prazo. É cilada, Bino.

14 – A figura do/da alpinista literário/a continua existindo. Em geral tentam escalar até as festas vips com pulseirinha, a coisa mais provinciana do evento. Em geral despencam.

15 – Assim como acontece com as bienais de livro, tão logo que acaba a Flip o assunto da leitura deixa de ser destaque nos grandes jornais e televisão. Reparem só. Aqui no Rio de Janeiro é interessante porque parece que todo mundo vira leitor quando é época da Bienal. Na semana seguinte já se fala só de Rock in Rio ou outra coisa, e aquelas setecentas mil pessoas que pareciam se tornar consumidores de livros se desmancham no ar, adormecendo para retornarem com o mesmo desejo apenas dois anos depois.

16 – A Flip é a suspensão da descrença, ainda mais nestes dias. Independentemente da programação geral, é um momento em que, livre de engarrafamentos, é possível encontrar amigos com papos comuns e discutir ideias. Aquela imagem de estar cercado de camaradas, mesmo abandonados pelos atendentes do bar na madrugada, ainda é uma meta que busco e espero para 2019.


* Henrique Rodrigues é escritor, autor de “O próximo da fila” (Record), entre outros.

Henrique Rodrigues nasceu no subúrbio do Rio de Janeiro, em 1975. É curador de programações literárias e consultor para projetos e programas de formação de leitores. Formou-se em Letras pela Uerj, cursou especialização em Jornalismo Cultural pela Uerj, mestrado e doutorado em Letras pela PUC-Rio. Já foi atendente de lanchonete, balconista de videolocadora, professor, superintendente pedagógico da Secretaria de Estado de Educação do RJ, coordenador pedagógico do programa Oi Kabum! e gestor de projetos literários no Sesc Nacional. É autor de 24 livros, entre poesia, infantis, juvenis. www.henriquerodrigues.net

** Os textos trazidos nessa coluna não refletem, necessariamente, a opinião do PublishNews.

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